NOME DE POBRE NO BRASIL

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

OS REIS MAGOS: QUE REIS SÃO ELES?

Os ossos dos três reis magos foram descobertos por Santa Helena, que os levou para Constantinopla, na atual Turquia, no século IV. Ela era mãe do imperador Constantino, o Grande, e já descobrira também a manjedoura em que o Menino Jesus foi posto ao nascer, cujas tábuas estão hoje na Catedral de Santa Maria Maior, em Roma, e a cruz e o local em que Jesus tinha sido crucificado. Em Belém, onde ele nasceu, foi erguida a Igreja da Natividade, e em Jerusalém, onde ele morreu, a Igreja do Santo Sepulcro. Nos séculos seguintes, tendo sido declarada religião oficial do Império Romano, o cristianismo e os cristãos passaram de perseguidos a muito poderosos. Apossaram-se dos aparelhos de Estado e construíram catedrais, mosteiros, igrejas, capelas e diversos prédios. A troca de relíquias sagradas foi intensa desde então e serviu para arrecadar imensas quantias. Assim, os restos mortais dos reis magos tinham ido parar em Milão, na Itália, quando o imperador Frederico Barba Roxa os levou para Colônia, na Alemanha, em 1164, onde desde então são venerados e visitados com frequência por turistas do mundo inteiro. São Beda, monge inglês e doutor da Igreja que viveu entre os séculos VII e VIII, foi o primeiro a sistematizar a lenda dos reis magos. Ele diz quais seus nomes, de onde vinham, que idade tinham e o que levaram ao Menino Jesus. Assim, os cristãos ficaram sabendo que Merquior tinha setenta anos, vinha da Caldeia e levou ouro. Gaspar, de vinte anos, vinha de uma região montanhosa do Mar Cáspio e levou incenso. Baltasar, de quarenta anos, viera da Pérsia e levou mirra. Outro doutor da Igreja que se ocupou dos magos foi São João Crisóstomo, que viveu entre os séculos IV e V. Ele diz que os magos, depois de terem sido batizados por São Tomé, ajudaram muito na evangelização e morreram na Turquia, todos já em idade muito avançada.
Estes famosos reis do presépio resultam da interpretação de um pequeno trecho do Evangelho de São Mateus, mas ele não diz que eram três, nem que eram reis, nem que tinham nomes. Diz apenas: “Tendo, pois, Jesus nascido em Belém de Judá, no tempo do rei Herodes, eis que magos vieram do Oriente a Jerusalém. Perguntaram eles: “onde está o rei dos judeus que acaba de nascer?. Vimos sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo”. O rei Herodes e toda a Jerusalém ficaram perturbados com esta notícia”. A seguir, Mateus diz que os magos, informados por Herodes, chegaram ao destino e visitaram Jesus: “Entrando na casa, acharam o menino com Maria, sua mãe. Prostrando-se diante dele, o adoraram”. Como se vê, Mateus não fala em gruta, o cenário preferencial do presépio. Presépio veio do Latim praesepium, estábulo. Isto explica a presença da manjedoura e dos animais. Estas foram as bases da lenda, palavra oriunda do latim medieval legenda, vocábulo empregado para designar o que estava sendo lido e o modo como eram proferidas as narrativas heroicas, as novelas de cavalaria e a vida de personalidades referenciais das religiões. Poucos ouvintes sabiam ler. As histórias eram lidas em voz alta para que analfabetos pudessem compreendê-las. Pessoas do povo memorizavam lendas inteiras ou fragmentos delas e assim as narrativas mesclavam muitas versões faladas àquela que tinha sido escrita e recitada. Estas últimas eram repetidas e traduzidas, com variações de estilo, de conteúdo e de personagens. Todavia lendas não são tiradas do nada, são construídas com elementos históricos e imaginários. Na Idade Média, o número de reis magos chegou a duzentos. Na Europa ainda hoje são vendidas miniaturas de antigos presépios com mais de uma centena de personagens, entre os quais muitos reis. Como os magos levaram três presentes ao Menino Jesus (ouro, incenso e mirra), seu número foi fixado em três. Mas por que reis magos? Mágos, em Grego, não designava reis. Identificava sacerdotes que praticavam a astronomia e a astrologia. Eles estavam investidos de poder, tanto religioso como político, mas não eram reis! O Evangelho de Mateus que serviu de base às traduções foi escrito originalmente em Grego, resultante de uma série de apontamentos feitos por Mateus em Aramaico. Quem levou os três reis magos para o presépio foi São Francisco de Assis, que inventou este tipo de instalação no século XIII. Com o tempo, os reis magos ganharam até nomes: Gaspar, Merquior e Baltasar, cada um deles com uma das três cores básicas da raça humana (branca, amarela, negra)! Lenda não é mentira. É um modo de contar. Mateus diz que, avisados em sonhos, os magos voltaram por outro caminho e não informaram a Herodes que o rei dos judeus tinha nascido. Furioso, ele ordenou a matança dos inocentes, representada em tantas imagens, com o fim de eliminar todas as crianças nascidas nos últimos dois anos e assim executar o Menino Jesus, que já estava no Egito, para onde tinha sido levado pelos pais, uma vez que um anjo avisou São José. São José, aliás, não diz uma única palavra em toda a Bíblia. Ele não fala, ele faz, sempre faz o que é necessário fazer como pai adotivo do menino para protegê-lo. Todo Natal, os reis magos são lembrados no presépio, adorando o Menino Jesus, o rei recém-nascido. Os reis verdadeiros, de existência comprovada, estão ausentes. Ficaram só os reis imaginários. A bonita lenda cristã triunfou sobre a História sem abalar a fé dos cristãos! Quem pouco tem a ver com o Natal é Papai Noel...Mas esta é outra história, outra lenda. (xx)

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

NATAL, MEMÓRIA, CHARITAS E LIBIDO

No primeiro Natal de que me lembro,  eu tinha pouco mais de quatro anos, nosso pai me levou ver o presépio e eu achei que o Menino Jesus tinha dente de ouro. Deveria ser algum reflexo de luz na boca da imagem. No café da manhã de 25/12 de 1952, nossa mãe partiu uma grande bolacha em forma de cabrito, deu um pedaço a cada um e.... sobrou cabrito...
Naquele Natal, eu ganhei um caminhãozinho azul. Pedi ao pai para cortar o brinquedo ao meio e ele fez isso com uma serrinha. Nosso pai era muito habilidoso com trabalhos manuais. Ele ficou triste, pois tinha acabado de comprar o presente, mas quis me atender. Pedi para ele pôr um arame que ligasse os dois pedaços e saí brincando feliz com o caminhãozinho pelo assoalho da casa, fazendo com a boca o barulho do motor. Foi um dia muito feliz. Com o tempo aprendi que a felicidade não é indispensável...Indispensável é o amor, que os antigos gregos designam por "charitas" e que São Jerônimo e seus ajudantes traduziram para o Latim da Vulgata por "caridade", diferenciando-a de ágape e de libido, ainda que o étimo deste último persista no Alemão "LIEBEN" e seus compostos, sem o sentido de libido e libidinoso consolidados no Português.

domingo, 18 de dezembro de 2016

OLHO NO OLHO, O CORPO FALA E DIZ MAIS

Um pinta ou implanta cabelos. Outro ajeita a gravata bem abaixo ou bem acima do cinto ao pé do ventre,  contrariando todas as regras da etiqueta. E não faltam também outras que, mesmo sem repetir o vestido e os sapatos, têm cabeleireiros e maquiadores que seriam reprovados ainda na preparação das múmias do Egito antigo! Todos devemos muito a fotógrafos e cinegrafistas. Uma coisa é ler a frase proferida pelo parlamentar que não domina sequer a língua falada, sua ferramenta de trabalho por excelência, ou ouvi-la de terceiros. Mas outra, bem diferente, é ver a cara dos brutos proferindo a infâmia. E que delícia contemplá-los naquelas vestes e pompas! Mas ainda mais forte é ver e ouvir o cara de pau olhando meio de lado para a câmera e atestando o contrário, não apenas do que diz, mas do que sente e pensa.
O corpo fala, mede, fixa a altura, a profundidade, a largura, o tamanho e é capaz de evidenciar verdades ocultas e realçar ainda mais as mentiras profissionais. A língua portuguesa mostra isso em numerosas palavras e expressões. A polegada, medida fixada em dois centímetros e meio pelo rei inglês Eduardo I, no século XVI, ainda hoje mede a tela de celulares, smartphones, tablets e televisores em que contemplamos a face mais sinistra daqueles que elegemos. O que vimos em tantos deles para os elevar a tão altos cargos, sem que possamos imputar a má escolha a ninguém mais, só mesmo aos eleitores, isto é, a nós mesmos, que votamos protegidos no último reduto da liberdade, a sacrossanta urna? Dois dedos de prosa podem servir para descomplicar a questão emaranhada. O dedo-duro, simbolizado no gesto do alcagueta esticando o indicador, espanta-nos à simples menção, mesmo tanto tempo depois de governos impostos contra a democracia, quando se mostrou ferramenta de exercício do poder. Nos tempos atuais, o gesto migrou da mão para a língua no bater de línguas nos dentes nas delações premiadas, sem as quais provavelmente jamais o distinto público saberia de coisa alguma. Só sabe porque os arrependidos ou flagrados com a boca na botija resolveram falar para salvar a própria pele. Estes políticos que traíram o público serão julgados olho por olho, dente por dente ou vão cumprir as sentenças apenas com o adereço da tornozeleira eletrônica? A coisa pode também não nos cheirar bem, por faltar vergonha na cara de quem proferiu, expressou ou escreveu a infâmia da semana passada. A democracia, à semelhança da baiana, tem ‘graça como ninguém’ e ‘requebra bem’, itens que as réguas não medem, para evitar equívocos. Afinal, por duas polegadas a mais, já passaram a baiana pra trás. E sempre restará a questão vista de outro modo: Marta Rocha tinha duas polegadas a mais ou a americana Miriam Stevenson tinha duas polegadas a menos? Naquela oportunidade, quem decidiu, usou outras medidas ou usou as medidas de outro modo, como hoje fazem tantos poderes da República, esta nossa frágil plantinha, nascida de um golpe de Estado liderado por um marechal monarquista amigo do imperador mais republicano que tivemos, a quem o amigo depôs e despachou para o exílio no meio da noite, pois se aguardasse a manhã, o povo talvez o entronizasse de volta. E com que medida os novos aliados medirão os antigos? Afinal, eles são sempre os mesmos, não são? Eles sempre se entenderam. Não se entenderão apenas desta vez? O que mudou para eles mudarem tanto, se é que vão mudar? (de minha coluna na Veja on-line, em 18.12.2016)

domingo, 11 de dezembro de 2016

POR QUE O 13 É O NÚMERO DO AZAR?

O medo tem um nome complicado: triscaidecafobia. As explicações são muitas, mas pouco claras. Judas (século I) completou o número 13 na Última Ceia, pois Jesus (século I) estava ali com os 12 discípulos. Os dois morreram logo após aquele jantar: Jesus, crucificado; Judas, enforcado. O navegante português Pedro Álvares Cabral (1467 ou 1468-1520) veio descobrir o Brasil com 13 naus, mas voltou só com seis, porque sete naufragaram. A superstição deve ser mais antiga: o Código de Hamurábi (1792-1750 -1730-1685 a.C.) pula o número 13, saltando do 12 ao 14 em sua lista de prescrições. Na cabala judaica, são 13 os espíritos malignos. Satanás é justamente o 13º.

DURA LEX, SED LEX: NO CABELO, SÓ GUMEX

“Os dois não podem estar certos”, disse o escrivão ao sufi, designação de soberano persa que atuava também como juiz supremo e dera razão a cada um dos litigantes. Replicou o sufi: “O senhor também tem razão”. “Sufi” no Árabe é lã, provável alusão à capa do magistrado, equivalente à toga usada sobre a túnica pelos cidadãos da Roma antiga em ocasiões solenes e hoje vestimenta privativa de juízes e ministros de tribunais superiores como o STF. Toga, que passou ao Português com a mesma grafia do Latim, é do mesmo étimo de coisas que servem para cobrir, como telha, tugúrio, teto, de detetive, originalmente o policial encarregado de procurar o transgressor ou o ladrão onde ele se escondera, em geral no teto de residências ou prédios.
A etimologia tem destes encantos e curiosidades. Certas palavras não significam mais o que no berço significaram. Diferentemente do que fizeram nos primórdios do direito romano, os juízes não precisam mais espetar uma vara no chão, cuja ponta superior possa ser avistada de longe pela turba, identificando o tipo de litígio que atendem (se cível, se criminal, se questões familiares, se outras disputas), nem pendurar suas sentenças em varas erguidas na horizontal ou na transversal para delas os interessados tomarem conhecimento. Assim nasceu também a comarca, que em Latim significa “com marca”, isto é, identifica a área de atuação dos juizados. A propósito, juiz designou originalmente aquele que dizia ou escrevia a justiça, o direito, que não é torto nem tortuoso sequer na etimologia: direito é do mesmo étimo de direto. Mas sentença é do mesmo étimo do verbo sentir. Cada cabeça produz uma sentença diferente, uma vez que cada juiz sente diferentemente um mesmo problema. O Supremo, como é conhecido o STF, é palavra que aparece em muitos outros contextos. O mais conhecido é o da culinária: supremo de frango, supremo de chocolate, supremo de abacaxi, embora não exista supremo de pizza! Supremo designa o que é ou está superior a tudo ou a todos. Alguns advogados, adeptos do juridiquês, já se referiram ao Supremo, em desjeitosas petições, como “alcândor conselho”, esquecendo-se de que o étimo árabe desta palavra dá conta de que alcândor é poleiro de papagaios. Mas o fizeram sem ironia, apesar da insuportável enxúndia das intervenções de alguns ministros. Não são poucos os que identificam uma fogueira de vaidades no STF. A vaidade parece inerente a certos cargos. Múmias de mais de três mil anos conservaram para a posteridade o costume de homens arrumarem as madeixas com glostora ou gumex quando estes fixadores eram conhecidos por outros nomes. A votação de 6 x 3 foi acachapante para os que venceram, e gloriosa para os que perderam. A palavra acachapante veio justamente do modo com o guazapo, espécie de coelho em Espanhol, se estende sobre o chão antes de receber a cajadada do caçador. E gloria, de que se formou glorioso/a, veio do Latim, que por sua vez se radica em dois verbos gregos: klýo e kléo, que significam respectivamente entender e celebrar. Que os ministros perdedores recebam deste modesto escritor e professor os mais sinceros cumprimentos. Seus colegas vencedores mostraram que glostora e gumex são menos maleáveis do que a dura lex. PS. Dura lex quer dizer "A lei é dura, mas é a lei". (Publicado originalmente na VEJA ON-LINE, na coluna de Augusto Nunes).

O POEMA "INSTANTES" NÃO É DE BORGES

"Que outros se orgulhem do que escreveram, eu me orgulho do que li". Estas frases são de Jorge Luís Borges. Mas na internet fazem o seguinte: trocam autores, atribuem a conhecidos escritores obras que eles não escreveram etc. E assim aparecem textos de qualidade sofrível e outros até bem escritos, cuja autoria nem sempre é possível de ser rastreada. Enfim, o luxo e lixo convivem. Na semana passada, todo dia era anunciada uma entrevista de Sérgio Moro. Curiosamente um destes informes chegou a meu e-mail acompanhado, por acaso, da carta de despedida do Prêmio Nobel García Márquez, falecido em 2014, aos 87 anos. GGM nunca escreveu a tal carta, e ninguém sabe, ao que eu saiba, que é seu autor. Sabe-se até que Fidel Castro fazia revisão de originais de García Márquez, aliás... Mas 'INSTANTES' não é de Borges!
Quem me perguntou foi Mariângela Luna, minha amiga há décadas, acho que ela estudava ainda no Pequeno Polegar quando a conheci, tanto tempo faz, protegida, como sempre, por Bete Calligaris, esposa do Jorginho, Jorge Brennand Jr. Mari, como a chamamos, dedica atenção especial a autores & livros, partilha preciosas dias de leitura e está sempre atenta à Galáxia Gutenberg. Muito citado, este poema é atribuído a Jorge Luís Borges, a Nadine Stair e a outros mais. Seu verdadeiro autor talvez seja o americano Don Herold, falecido em 1966, aos 77 anos, e autor de quase vinte livros. Diz num dos trechos: “Se eu pudesse novamente viver a minha vida,/ na próxima trataria de cometer mais erros./ Não tentaria ser tão perfeito,/ relaxaria mais, seria mais tolo do que tenho sido". O poema é ruinzinho, me desculpem aí aqueles que gostam dos versos, impossível serem de Borges, cujos escritos são marcados por sofisticadas reflexões filosóficas. Numa das estrofes é dito inclusive que se o poeta vivesse outra vez, tomaria menos banho. Borges faleceu em 1986, aos 86 anos. Tudo o que ele escreveu, está publicado, a menos que sua viúva, Maria Kodama, hoje com 79 anos, nos informe algo inédito, pois é ela quem ficou com tudo o que era de Borges. E por que "Instantes", cujo titulo em inglês é outro, foi atribuído a Borges? Por uma sucessão de erros, quem citava ia repetindo o anterior e assim por diante.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

O JUIZ SÉRGIO MORO FAZ PALESTRA EM HEIDELBERG

https://www.facebook.com/deonisio.dasilva/posts/1270399962982321?notif_t=like¬if_id=1481286451738215 O juiz Sérgio Moro aguarda o embarque. Parece apreensivo. "O tempora, o mores!" (que tempos, que costumes!). Juízes, procuradores e promotores de Justiça estão apreensivos, como estão apreensivas também as pessoas de bem. Estamos à beira de acontecimentos decisivos. Que vergonha para quem subscreve a "carta" à Universidade de Heidelberg (55 Prêmios Nobel estudaram ou ensinaram ali, e 10% dos alunos vêm de 130 países) reprovando o convite que a prestigiosa universidade alemã fez a Sergio Moro! Não discuto as ideias nela expostas. Acho repugnante, neste contexto, brasileiros falarem mal de um brasileiro do qual discordam, enviando documento para uma universidade que o distingue com um convite tão honroso. Quem o convidou não está dizendo de antemão que com ele concorda ou dele discorda, está convidando o magistrado, que é também professor universitário, dois ofícios obtidos por concurso público, para uma palestra, seguida de debate.
Lembremos o caso Carlos Chagas, que perdeu o Prêmio Nobel - naquele ano não foi concedido a ninguém - porque, depois de atribuído e antes de ser divulgado e concedido, aconteceu algo inusitado: brasileiros caluniaram o cientista nos bastidores, sem que ele pudesse se defender. Há algum tempo está na moda o seguinte: universidades brasileiras adestradas e algemadas só convidam para palestras quem concorda com os dirigentes eventuais, esquecendo-se de que estes são provisórios e alguns dos ex-reitores, pasmem, estão nas listas de delações da Odebrecht. Ah, então agora entendemos o que alguns fizeram no verão passado... Sem o trabalho dos procuradores da Lava-jato quando saberíamos disso?

domingo, 4 de dezembro de 2016

A TOQUE DE CAIXA, COM A PULGA ATRÁS DA ORELHA

Muitas frases célebres foram invocadas na semana passada, como estas com que Augusto Nunes encerrou uma de suas intervenções, aqui na Veja on-line. “A Constituição avisa que todo o poder emana do povo. Cumpre ao Parlamento fazer o que o povo quer”. É que o senador Renan Calheiros, ora presidente do Senado, esqueceu-se do Art. 1º da Constituição: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” Ele e os 14 senadores que o seguiram, não fosse a oposição de outros colegas, teriam validado um projeto sinistro. Com a espada de Dâmocles sobre a cabeça — no dia seguinte, ele seria declarado réu no STF — e com a pulga atrás da orelha, Renan e os 14 sequazes projetaram fazer o contrário do que o povo quer, endossando a sabotagem urdida antes na Câmara naquele mesmo dia. Eles tentaram, a toque de caixa, acabar com o trabalho heróico que promotores de Justiça e juízes, respaldados pelo povo nas ruas, vêm fazendo para combater a septicemia da roubalheira, palavra até elegante para designar o apodrecimento do sangue que circula pelas instituições brasileiras.
Mas de onde vêm estas frases e expressões? Vejamos: 1. A toque de caixa Os árabes conquistaram Portugal nos anos 700. Ali permaneceram por sete séculos. Os exércitos mouros tinham uma estratégia militar que os diferenciava das forças portuguesas: quase não usavam mensageiros nas batalhas. As ordens eram dadas pelo rufar de tambores, chamados caixas. A expressão daquele costume tornou-se conhecida de geração em geração como “a toque de caixa”. Depois que os árabes saíram, os portugueses passaram a usar também o toque de caixa para expulsar vagabundos e arruaceiros das tabernas, isto é, batiam os tambores e, sem discussão alguma, colocavam todos para fora do recinto. Desde então, diz-se de qualquer coisa feita às pressas que foi “a toque de caixa”. 2. Com a pulga atrás da orelha Durante séculos houve grande infestação de pulgas em todo o mundo. Inseto pequeno, mas irritante, sua picada doía, coçava, incomodava muito e transmitia doenças. Se a pulga picasse atrás da orelha, pior ainda. Era um de seus lugares preferidos, por esconder-se entre os cabelos, e uma picada ali fazia correr mais facilmente o sangue. O incômodo e o mal-estar causados pela pulga atrás da orelha foram comparados a toda preocupação que nos assola o espírito. 3. Espada de Dâmocles Entre os séculos IV e III a.C., reinou em Siracusa, atual Sicília, na Itália, o tirano Dionísio. Cansado da inveja que Dâmocles tinha de seu poder, o rei ofereceu-lhe um banquete para que o invejoso pudesse comer e beber à vontade , cercado de belas cortesãs. Mas, presa ao teto por apenas um fio de rabo de cavalo, a espada de Dionísio pairava sobre a cabeça de Dâmocles. O invejoso olhou para cima e abandonou o recinto, sem degustar os prazeres ensejados pelo poder interino. O episódio lendário tem sido lembrado desde Cícero, célebre político e orador da Roma antiga, para designar os perigos e as ameaças inerentes a quem detém o poder. Ele mesmo morreu assassinado, tendo o vencedor, o general Marco Antônio, pendurado as mãos e a cabeça do vencido no Fórum Romano.

domingo, 27 de novembro de 2016

O POUCO QUE SEI DE FIDEL CASTRO

Sei que este post vai receber comentários controversos. Conheci Fidel Castro em Havana, em fevereiro de 1985, quando vários brasileiros fomos recebidos por ele. Observei que era tímido, falava e escrevia bem, lia muito, era muito bem informado, tinha voz fina e prestava muita atenção às perguntas. (Que ele falava bem em público, todos sabiam, mas em privado é diferente). Lembro que um haitiano e eu conversávamos com ele nesta recepção por poucos minutos, e o haitiano lhe explicava detalhes de vodu. E ele ouvia e fazia perguntas com muita atenção. O escritor Oswaldo França Jr e eu trouxemos um vídeo de Fidel, a ser entregue para o então presidente eleito Tancredo Neves. Contei esta história muito tempo depois em coluna que eu mantinha na revista ÉPOCA. E depois, também no Jornal do Brasil. O que havia no vídeo? Nunca soube! A fita nos foi entregue em Havana, de madrugada, no quarto do hotel que França e eu dividíamos. Com uma recomendação: só podia ser entregue nas mãos de Tancredo. E assim foi feito. No Brasil, é difícil você ser bem entendido em questões controversas. O clima é sempre de Fla x Flu, contra ou a favor, sem as indispensáveis nuanças. Por ora, lembremos a primeira frase de Fidel Castro ao receber o Papa João Paulo II em Havana: "Santidade, esta noite, muitas crianças dormirão na rua. Nenhuma delas é cubana". Nenhum estadista brasileiro pôde dizer isso a nenhum papa, a ninguém! E o Brasil é o maior país católico do mundo. Em eventos públicos, às vezes me perguntam, quando este assunto vem à tona, se Cuba é uma democracia e se Fidel Castro era um democrata. Respondo que Cuba vive numa ditadura e que Fidel Castro era um ditador. Parece que é só isso que interessa, pois ninguém pergunta mais nada. Bem, eu vivo numa democracia, aqui no Brasil. E na semana passada me foi recomendado que não fosse à janela, nem à varanda, e ficasse em casa porque a Polícia estava procurando uns fugitivos que poderiam estar no condomínio. Portanto, há democracias e há ditaduras, muitas das quais têm complexas sutilezas. A ditadura cubana não é igual à da Coreia do Norte. E a democracia brasileira não se semelha às democracias europeias, nem sequer à chilena ou à uruguaia.

LADRÃO QUE ROUBA LADRÃO TEM CEM ANOS DE PERDÃO

Estas frases, que se tornaram um provérbio muito popular, foram ditas pela primeira vez como desculpa pelo pirata e corsário inglês Francis Drake. Depois de alegar que roubava outros ladrões, ele recebeu o honroso título de Sir, concedido pela rainha Elisabeth I, também conhecida por Isabel, a Rainha Virgem. A rainha deu uma desculpa diferente: ele roubava de ladrões e trazia os bens para a Inglaterra. Francis Drake morreu de disenteria aos 56 anos. A larápios contumazes nem sempre o maior de todos os males que lhes advêm é a morte. Às vezes, há outras humilhações, incluindo viver como presidiários ou mesmo morrer literalmente entre excrementos. Não è à toa que a situação de estar mal é definida por expressão chula, indicando as fezes como local onde a pessoa está: “Fulando está na mer..”. O corpo do bandidão jaz nas proximidades de Portobelo, no Panamá, onde foi lançado ao mar dentro de um caixão de chumbo, portando armadura inteirinha de ouro e segurando uma longa espada, também de ouro. É o que diz a lenda. E o jornalismo segue a velha máxima recomendada no filme O homem que matou o facínora, de John Ford, com John Wayne: “se a lenda é mais interessante do que a realidade, imprima-se a lenda”. No mesmo século do inglês Francis Drake, o português Pedro Álvares Cabral roubou de modo diferente: fez o primeiro superfaturamento do Brasil. A pimenta, o cravo e a canela, tão logo chegados a Portugal, tiveram um aumento de 1.000%, tudo aprovado pelo rei Dom Manuel, o Venturoso, que autorizou a majoração com o fim de compensar a perda dos naufrágios. O episódio é narrado também pelo historiador Eduardo Bueno, que destoa de quase todos os seus colegas de ofício pela graça e pelo sabor de seu estilo, na escrita e na fala, como demonstra sua antológica entrevista dada a Augusto Nunes aqui nesta revista. Das 13 naus do Descobrimento, apenas seis voltaram a Portugal. O navegador chefe da frota tinha apenas 32 anos. O rei autorizou a bandalheira, mas ninguém mais ouviu falar de Cabral, a ponto de para a antiga nota de mil cruzeiros ter sido inventada uma efígie dele, uma vez que não havia um único registro dos traços de seu rosto. Os ladrões brasileiros, governantes ou governados, que desceram agora aos infernos, fizeram jus a essas outras viagens que ora fazem, rumo à cadeia. Mas talvez o pior castigo não seja ser preso e, sim, sentir-se ameaçado de prisão. Quem escolhe ladrões para auxiliar o governo deve prestar atenção ao que diz o Padre Vieira, logo na abertura de seu Sermão do Bom Ladrão: “Nem os reis podem ir ao paraíso sem levar consigo os ladrões, nem os ladrões podem ir ao inferno sem levar consigo os reis. Isto é o que hei de pregar”.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

ROUPAS QUE SAÍRAM DO ARMÁRIO E FORAM PARA A TV

https://fatosfotoseregistros.wordpress.com/2016/11/24/sem-papas-na-lingua-24112016/
A televisão mostra sessões nos tribunais no calor da hora. Não apenas as do Judiciário. As do Legislativo também. Por isso, Ricardo Boechat e eu, no programa semanal que juntos fazemos na Bandnews Fluminense toda semana, hoje falamos de roupas que de repente saíram do armário: becas, togas, ternos. E também cuecas etc. Cueca é veste que cobre a primeira sílaba, que virou palavrão no Português do Brasil, mas não no Português de Portugal, com perdão pela redundância, que, entretanto, no caso, é indispensável, dadas as diferenças sutis entre o Português das duas nações. O programa foi postado no blogue do nosso amigo querido John Klaus Kanenberg, a quem agradeço pela gentileza.

domingo, 20 de novembro de 2016

MACACO VELHO NÃO METE A MÃO EM CUMBUCA

A impunidade vinha sendo de tal ordem que macacos, velhos ou novos, metiam a mão na cumbuca. Os bichos frequentam a nossa conversa mais do que imaginamos. Mesmo que um dos presos estivesse bêbado como um gambá, quando celebrava em Paris a cachorrada que fizera com a riqueza do Rio, os brasileiros estão cansados de engolir sapos. Mas procuradores, promotores de justiça e investigadores não são burros, e juízes não são antas. Muitos dos corruptos e corruptores já engaiolados são cobras que perderam o veneno, mas há outros ainda soltos, para os quais a vaca não foi pro brejo. Delações premiadas já deram nomes aos bois. Os colaboradores confidenciaram que nem todos os presos são bois de piranha e lamentam ter navegado em rios cheios destes teleósteos de dentes afiados. Avisaram que são tão ameaçadores e vorazes que onde eles atuam até experientes jacarés nadam de costas. Todavia os investigadores sabem que meliante político é mais liso do que peixe ensaboado. E acusar o outro pode ser apenas uma forma de salvar a própria pele. Afinal, todos sabem que muitas vezes o periquito leva a fama, mas quem come o milho é o papagaio . O costume de macacos meterem a mão na cumbuca foi registrado pela primeira vez no Diálogo das Grandezas do Brasil, livro atribuído durante muito tempo a Bento Teixeira. Mas era prosopopeia. Capistrano de Abreu descobriu o verdadeiro autor: Ambrósio Fernandes Brandão, judeu convertido à força pela Inquisição e pelo Santo Ofício. Tornado
cristão-novo, ele se estabeleceu como senhor de engenho na Paraíba ainda no século XVI. A semana trouxe políticos graúdos para o zoológico das prisões. Foram presos dois ex-governadores. O juiz Sérgio Moro, que mandou prender Sérgio Cabral Filho, resumiu a ópera: “governadores ricos, povo pobre”. O outro juiz, Glaucenir Silva de Oliveira, que mandou prender Garotinho, esclareceu: “toda vez que o réu tem seus interesses contrariados pela Justiça, ocupa-se de tentar denegrir a imagem de magistrados”. Aproxima-se a hora da onça beber água. Os juízes não estão comendo mosca e daqui a pouco será posto o guizo no pescoço de outros gatos. http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/feira-livre/de-onde-vem-as-palavras-macaco-velho-nao-mete-a-mao-em-cumbuca/

A BATALHA DAS TONINHAS

Novembro de 1918. Nas proximidades de Gibraltar, o almirante Pedro Frontin, comandando o Cruzador Bahia, ordenou um ataque ao que ele pensava ser um perigoso submarino alemão. Alguns navios já tinham sido afundados recentemente. Mas era um cardume de toninhas, cestáceos semelhantes a golfinhos. Somente depois depois do grande tiroteio, com o mar ao redor vermelho de sangue e toninhas dilaceradas, é que os marinheiros brasileiros se deram conta do engano. Pouco tempo depois, a Alemanha rendeu-se. Foi o que bastou para que o humor dos cariocas acrescentasse um ponto à história. Os alemães se renderam por medo dos brasileiros: "se fazem assim com as toninhas, o que não farão conosco?". A história repetiu-se na Guerra das Malvinas, em 1982, quando a fragata britânica HMS Brilliant, dotada dos mais modernos equipamentos eletrônicos, acabou com um grupo de baleias, confundidas com submarinos argentinos.

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

CABRAL E GAROTINHO EM CADEIA NACIONAL

Houve dois fatos extraordinários na semana das celebrações da proclamação da República, na terça-feira, dia 15 de novembro de 2016. Na quarta-feira, dia 16, foi preso o ex-governador Anthony Garotinho; no dia seguinte, quinta-feira, foi preso o ex-governador Sérgio Cabral. Na internet, rolaram conversas muito divertidas, mostrando a catarse dos internautas. Uma das principais foi a manchete: ATENÇÃO! NÃO PERCAM! CABRAL E GAROTINHO FALAM EM CADEIA NACIONAL. Os internautas se serviram da ambiguidade lexical da palavra CADEIA, que designa cadeia rede de rádios e de televisão, cadeia de montanhas, cadeia alimentar, cadeia evolutiva, mas também presídio. Os dois ex-governadores do Rio estavam presos no complexo penitenciário de Bangu. A palavra popular para prisão, presídio, cárcere e assemelhados é cadeia, formando o contexto apropriado ao objetivo, o humor.Era frequente que os dois presos, quando governadores, aparecessem em cadeia de rádio e televisão.

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

PINÓQUIO: A MENTIRA TEM AS PERNAS CURTAS

O brasileiro é bonzinho. Fala com humor, raramente com raiva, dos grandes mentirosos. E adotou figuras e provérbios inocentes, como o do título, para falar de mentirosos que muitos prejuízos deram e dão ao povo. Em outras culturas, a mentira é punida com mais rigor, inclusive na memória popular. Um dos grandes provérbios é: mendax et furax (mentiroso e ladrão), dá conta de que “quem mente, rouba”. E, em traduções diversas, espalhou-se por muitas línguas. Pinóquio deu cara (de pau) à mentira e é seu personagem-símbolo. A cada nova mentira, maior fica seu nariz. Pergunte ao Google, o oráculo de Delfos de nosso tempo, quais são os maiores mentirosos do mundo. Há números-símbolos para tudo: Sete Maravilhas do Mundo Antigo, Dez Pragas do Egito, Quatro Virtudes Cardeais, Sete Pecados Capitais etc. Mas o número dos Pinóquios, como o do Outro, é Legião.
Pinóquio é conhecido em todo o planeta, mas, à semelhança de Sherlock Holmes, poucos sabem quem é seu autor. Pois ele foi inventado por Carlo Collodi, pseudônimo do jornalista e escritor italiano Carlo Lorenzi, filho de um cozinheiro e de uma dona de casa. Bem-humorado e sarcástico, tinha grande interesse por temas políticos e por isso foi muito perseguido e censurado. Em fins do século XIX, na mesma época em que Machado de Assis publicava Memórias Póstumas de Brás Cubas (em capítulos, na Revista Brasileira), Carlo Collodi publicava (também em capítulos, no Jornal para as Crianças), História de um Boneco, primeiro título de As Aventuras de Pinóquio. Todavia o provérbio é mais antigo. Veio originalmente do Grego e chegou a muitas línguas, inclusive ao Português, depois de uma escala no Italiano: le bugie hanno le gambe corte (as mentiras têm as pernas curtas). O provérbio indica que as mentiras, como as de Pinóquio, logo são descobertas. Flagrado na primeira mentira, o mentiroso contumaz inventa a segunda, depois outra, mais outra, enfim dezenas, centenas, milhares. Mas outro ditado, vindo de Portugal, avisa: “a esperteza, quando é muita, vira bicho e come o dono”. Ela já devorou muitos brasileiros e está devorando outros mais. Pais e filhos, e maridos e mulheres já foram presos juntos. Há outros seguindo o mesmo caminho. O brasileiro médio lê pouco e por isso guarda mais facilmente na memória frases e provérbios que tenham rimas ou versos curtos. Pois ele raramente leu o que repete. Ele apenas ouviu. Ou guardou na memória a ilustração que viu e se lembra da frase famosa. Pode ser uma foto ou um desenho. Ou uma cena da televisão, que faz do jornalismo atual um folhetim por cujos capítulos todos esperam ansiosamente. Até o desfecho.

sábado, 12 de novembro de 2016

DOS EUA PARA AGROLÂNDIA (SC).

Não era assim que o fundador da Newsweek queria sua revista. Sua alma deve ter saído do túmulo e vagado pelas ruas da pequena cidade catarinense quando a revista dava a vitória de Hillary Clinton na capa e o vencedor Donald Trump ria por último. Faltou combinar com os eleitores! Se quiser saber mais, leia "A misteriosa vida do fundador da ‘Newsweek", que publiquei em O Globo, em 13.02.2015, depois de visitar o túmulo e entrevistar em Agrolândia (SC) o seu cunhado e outros que o conheceram quando ele, casado com uma brasileira, morou ali. O jornalismo atual exagera no uso do telefone e da internet, ignorando fontes preciosas, só acessíveis aos olhos e aos ouvidos Há poucos anos, um vídeo de apenas cinco minutos, feito pelo brasileiro Edson Bruno e exibido pela CNN, falado em inglês, mostrava que o fundador da famosa revista “Newsweek” está enterrado em Agrolândia, pequena localidade de apenas 9.323 habitantes, no interior de Santa Catarina, a 274 quilômetros de Florianópolis. Em janeiro de 2015, estive lá, com o fim de pesquisar esse novo mistério catarinense. Sou um detalhista apaixonado por minúcias. Nas biografias que leio, já nas primeiras páginas vou desconfiando de ninharias desprezadas pelos autores. Foi assim quando escrevia o romance “Lotte & Zweig", cujas personagens solares são o escritor judeu- austríaco Stefan Zweig e sua esposa, a judia-polonesa Elizabeth Altmann. Donald Prater, o biógrafo inglês de Stefan Zweig, deu pouca importância ao diabo das pequenas coisas, presente na vida do casal.
O jornalismo atual exagera no uso do telefone e da internet, ignorando fontes preciosas, só acessíveis aos olhos e aos ouvidos de quem vê e ouve para depois narrar. Quando estava na Espanha para escrever outro romance, “Teresa d’Ávila", perguntei a um de meus interlocutores por que razão o túmulo de um dos Herodes estava no caminho para Ávila. Ele me disse: “Homem, a pessoa é enterrada onde morre”. Pois o fundador da “Newswek”, o aviador inglês Thomas John Cardell Martyn — que chegou a ser derrubado pelos alemães na Primeira Guerra —, está enterrado no cemitério de Agrolândia (SC). Ele está enterrado ali, mas sua perna direita, não! Ele a perdeu na queda e usava uma prótese mecânica. A “Newsweek”, fundada em 1933, tornou-se uma das maiores revistas de informação do mundo e chegou a circular em 132 países, com edições de 3,2 milhões de exemplares (agora, está apenas na internet). Thomas Martyn conheceu Irmgard Stahnke no Rio, onde ela trabalhava de doméstica, indicada por um soldado de Agrolândia recrutado para a guarda presidencial. O certo é que se casaram em São Paulo, em 8 de abril de 1961. Ela estava com 40, ele com 65 anos. Muitos anos depois foram morar em Agrolândia para que, quando o marido morresse, a esposa tivesse o amparo dos familiares. Mas ela morreu primeiro, em 1973, aos 53 anos, de câncer no útero, segundo a certidão de óbito. O irmão dela, o alfaiate Afonso Stahnke, atualmente com 79 anos, diz que o câncer foi no ânus e ela sofreu muito com um tratamento à base de cauterizações, feito nas semanas finais de sua existência. O marido, que tinha acrescentado Mary ao nome da mulher, declarou ao cartório, “por respeito”, que ela falecera de complicações cardíacas por causa de um câncer no útero. Mas pediu que o declarante fosse o cunhado. Martyn morreu em 1979, aos 84 aos, também de câncer, uma das maiores causas de morte na região. Talvez em decorrência de tantos inseticidas nas plantações de fumo. A maioria dos documentos foi queimada, como se faz com o fumo. Mas por quê? Este é apenas mais um dos mistérios na vida deste homem invulgar. (fim)

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

INSULTOS POLÍTICOS: ONTEM E HOJE

https://fatosfotoseregistros.wordpress.com/2016/11/10/sem-papas-na-lingua-10112016/ O áudio é cortesia de nosso amigo John Klaus Kanenberg, no blogue dele. Por iniciativa do Boechat, fizemos um arremedo de jogral, hoje, na Bandnews, trazendo para a pauta os insultos da política. No século XIX , palavras até bonitas serviram de insultos na política e algumas delas foram parar em Machado de Assis, como: LUZIA (adeptos do Partido LIBERAL, derrotados em revolta sufocada pelas tropas do então Barão de Caxias, em Luzia (MG) , SAQUAREMA (berço e moradia de políticos do Partido CONSERVADOR, na região de Saquarema (RJ), que quer dizer rico dos socós. CACETADA e não PORRADA, que veio do Latim PORRA, pedaço de pau, mas que por via vulgar tornou-se obscena. Atualmente, as ofensas passaram do plano ideológico - FASCISTA, COMUNISTA, COXINHA, PETRALHA - para as ofensas puras e simples: ESCÓRIA (que em Grego e Latim significa fezes); CALOTEIRO (de calote, operação reprovada nas feiras ou pedras do dominó que não se consegue colocar); CASCATEIRO (de cascata, porque sempre vem outra para cobrir a anterior), BANDIDO (que pertence a bando, foi banido, recebeu um sinal ou deu a si mesmo um sinal de proscrição, de proibido), LADRÃO (originalmente o soldado mercenário) e VIGARISTA (de vigário, de conto de vigário).

COMIDA E BEBIDA EM EXPRESSÕES DO PORTUGUÊS

Estas frases são de lamber os dedos e dão água na boca. Quem nunca come mel, quando come se lambuza. Não contes com o ovo no cu da galinha. Nem só de pão vive o homem.O peixe morre pela boca. O que não mata, engorda. Quem comeu a carne que roa os ossos. São favas contadas. E a variante: São favas descontadas. Cuidado para não viajar na maionese! Não adianta ficar roendo o osso. Ou chupando o dedo. Você está com uma batata quente nas mãos? A batata dele está assando. A sua chapa está esquentando? É melhor botar a mão na massa e não tomar gato por lebre. Pessoas de meia tigela se perdem em devaneios, não acertam na mosca, pisam no tomate, comem com os olhos, mas são todas farinha do mesmo saco. Pensam que pimenta nos olhos dos outros é refresco e, sabendo que a carne é fraca, vão plantar batatas. Juntam a fome com a vontade de comer, comem de tudo um pouco porque o que não mata, engorda. Depois dão uma banana para a gente, colocam a azeitona na empadinha dos nossos desafetos, mudam da água para o vinho, dão com a língua nos dentes porque sabem: escreveu não leu, o pau comeu. Sem quebrar os ovos, nada de omelete, então que não se falem mais abobrinhas! E nada de trocar alhos por bugalhos, é mau negócio. Com a faca e o queijo na mão, não vá com muita sede ao pote. Como descascar o abacaxi se estou empepinado? E nada de chorar as pitangas, porque de grão em grão a galinha enche o papo e a gente fica aqui enchendo linguiça, agora sem trema, pois beleza não põe mesa e já antevejo gente com cara de quem comeu e não gostou. Comer o mingau pelas beiradas no frigir dos ovos e cozinhar em banho-maria, do contrário comemos o pão que o Diabo amassou, não conseguimos vender o nosso peixe, sem ganhar o leite das crianças e ainda enfiamos o pé na jaca para ver quem paga o pato porque no meio desse angu tem caroço e depois não adianta chorar pelo leite derramado porque todos puxam a brasa para sua sardinha.

domingo, 6 de novembro de 2016

QUEM VAI PÔR O GUIZO NO PESCOÇO DOS RATOS?

O provérbio está alterado, mas no fim vocês haverão de entender por quê. Na antiga Roma, pontificava um juiz corrupto e ladrão. Ele se chamava Lucius Antonius Rufus Appius. Não negociava medidas provisórias. Aliás, medida provisória parece coisa de miss ou de modelo, porque com o tempo as medidas provisórias são substituídas pelas medidas definitivas, que alteram completamente o perfil da pessoa. Esse juiz fazia no tempo dos césares, na distante Roma, o que vários juízes são acusados de fazer ainda hoje no Brasil. Ele vendia suas sentenças, assinando-as com as letras iniciais dos três primeiros nomes, mantendo inteiro apenas o último nome. Ficava assim: L. A. R. Appius, que todos liam larapius. Quando veio para o Latim vulgar, esta palavra passou a designar o ladrão. E com este significado chegou ao Português larápio. É o que reza a lenda etimológica. “Se non è vero, è bene trovato” (se não é verdadeiro, é bem achado), como diz o provérbio italiano. Há outras curiosidades acerca das palavras que designam o ladrão. Uma das mais comuns é gatuno, palavra que veio de gato. Ora, é uma tremenda injustiça com o bichano, um dos mais queridos animais de estimação. O gato não rouba, ele confisca o que precisa para o seu sustento. Quem tem gatos em casa, sabe bem quem é que manda. Não são os donos dos animais. Ao contrário. Quem manda nos donos são os gatos! Ulysses Guimarães, presidente da Câmara dos Deputados quando foi promulgada a atual Constituição, sempre citava a célebre fábula de Jean de La Fontaine ao tomar conhecimento de projetos de difícil execução. Ele perguntava aos parlamentares: e quem vai pôr o guizo no pescoço do gato? La Fontaine conta que os ratos decidiram em assembleia pôr um guizo no pescoço do gato, o eterno inimigo. Assim, quando ele se aproximasse, eles fugiriam a tempo de não serem pegos. Um rato velho, calado durante toda discussão do projeto, endossou o plano, mas fez uma pergunta que se tornou famosa: quem vai pôr o guizo no pescoço do gato? Pois é, a fábula é do século XVII. Mas nunca foi tão atual. O que pode ter mudado é que hoje é preciso pôr guizo no pescoço de uma multidão de ratos. E os gatos são poucos. Eles não são larápios, mas talvez pudessem agir mais rapidamente. PS. Saiu na minha coluna na VEJA ON-LINE em 06.11.2016

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

MEDO DE ROUBAR, ELES NÃO TÊM. SÓ DE SUPERSTIÇÕES E DA LAVA-JATO

A VOZ DO POVO, A DE DEUS E A DO DONO (O Globo, 03.11.2016, p. 17)
Muitos políticos, certos de que passarinho que come pedra sabe o que lhe advém, protegem-se, não com a mudança de hábitos, como o de roubar, mas com superstições A voz do povo é a voz de Deus, mas qual é a voz do dono? Todos já devem ter visto a antiga propaganda de fonógrafo. Ela mostra um cachorro muito atento à voz que sai do aparelho. É a voz do dono. Do dono do cachorro. O fonógrafo não tinha dono, tinha dona: a RCA Victor, que criou o lema em inglês: “His master’s voice” (a voz do dono). As expressões nasceram em contextos muito diferentes. “A voz do dono” surgiu nas primeiras décadas do século XVI. Lady More trouxera para casa um cachorrinho, aparentemente perdido, que ela encontrara nas ruas de Londres. Ela era mulher de Thomas More, estadista inglês e uma das referências solares do Renascimento, autor do livro “Utopia”, que quer dizer em grego um lugar que não existe. Tudo ia bem, até que um dia apareceu um mendigo dizendo ser dono do cachorrinho. Querendo ser justo e não tendo foro privilegiado — quando discordou do rei Henrique VIII, foi preso na Torre de Londres e depois decapitado —, o famoso político e humanista ordenou ao mendigo que ficasse num dos cantos da sala, pedindo à mulher que ficasse no outro. A seguir, levou o animal para o meio do recinto e mandou que cada um chamasse o cachorrinho ao mesmo tempo. Sem vacilar, o cãozinho correu para o mendigo, reconhecendo a voz do dono. A história não terminou aí. Para consolar a mulher, que já se apegara ao animalzinho, Thomas More pagou por ele uma moeda de ouro ao pedinte. A quantia era muito superior à solicitada: um xelim, shilling em inglês, palavra que veio da base etimológica skell, mais o sufixo ing, significando tilintar, ressoar. “A voz do povo é a voz de Deus” é mais antiga. Veio do latim vox populi, vox dei, cuja primeira parte deu nome a antigo programa da TV Cultura, e designa também uma empresa brasileira sediada em Belo Horizonte, especializada em pesquisas de opinião. Todavia, a expressão que dá nome às duas coisas é muito mais antiga. Foi registrada originalmente em grego, mas chegou até nós pelo latim e designava a opinião do Oráculo de Delfos, assim chamado porque sua sede ficava na cidade de mesmo nome, na região central da Grécia Antiga. Quem quisesse adivinhar a opinião sobre algo, coisa que os institutos de pesquisa mais fazem, entrava ali para perguntar. Compareciam pessoas simples e também poderosas, vindas de todos os cantos. Alexandre, o Grande, por exemplo, esteve ali antes de tomar decisões que mudariam o mundo. Feita a pergunta, a pessoa deveria tapar as orelhas com as mãos e deixar o recinto. As palavras ditas pelos primeiros transeuntes encontrados fora do templo seriam a resposta divina. Muitos políticos, certos de que passarinho que come pedra sabe o que lhe advém, protegem-se, não com a mudança de hábitos, como o de roubar o distinto público, mas com superstições que lembram estes usos e costumes. A palavra superstição veio do latim e designa excessivo medo dos deuses. Um dos políticos que mais cuidado toma com isso é o ex-presidente, da República e do Senado, José Sarney, conhecido também por “madre superiora”. Ele só sai de um recinto pela porta pela qual entrou (é ali que o anjo da guarda fica esperando, na outra ele não está); não leva conchinhas para casa (elas já foram habitadas por seres vivos e podem trazer assombrações); detesta animais empalhados (eles atraem maus espíritos) e não aceita jangadinhas de presente, pois elas podem ter sido feitas por presidiários, que nelas deixaram os germes de suas angústias. Ou será que, depois da Lava-Jato, o medo de todos é outro? º Deonísio da Silva é escritor

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

"DEU UM NÓ", "NÓ GÓRDIO" E SUPERSTIÇÕES

Deu um nó nos três poderes referenciais da República. Executivo, Judiciário e Legislativo parecem de repente amarrados uns aos outros, e não independentes. Mas será um nó górdio? Ao signatário cabe apenas lembrar a origem das duas frases tão célebres: DAR UM NÓ e NÓ GÓRDIO. Acerca de sua significação política atual, o titular da coluna, o jornalista Augusto Nunes, desceu, como sempre, o seu “claro raio ordenador”. A primeira frase, DEU UM NÓ, procede de Portugal e da Índia, que tiveram laços perigosos durante muito tempo. Na terrinha, dar um nó era casar. E, como os vínculos do matrimônio católico, além de indissolúveis, eram e são perpétuos, quando se dizia que alguém tinha dado um nó , era indicação de que tinha casado. Na Índia não era metafórico, era literal. Era costume dar um nó na cauda das roupas da noiva e do noivo. Passou depois a indicar situação complicada, mas ainda como casar aparece em As variedades de Proteu, de Antonio José da Silva, o Judeu (1705-1739), escritor brasileiro de apenas 34 anos, executado em Lisboa no garrote vil e depois queimado, enquanto a algumas quadras dali estava em cartaz uma peça de sua autoria. O trecho diz: “E antes te aperte o nó do Himeneu/ do que na garganta te aperte outro nó”. Ele teve premonição da tragédia que o vitimou! Deu um nó na garganta e não foi metafórico, foi literal. Já a expressão NÓ GÓRDIO designa extraordinária dificuldade em determinada questão. Define o cerne de um assunto complicado, como é o caso. A história desta frase remonta aos tempos de Alexandre, o Grande (356-323 a.C.), senhor de um império que incluía quase o mundo inteiro. De acordo com a lenda, quem desatasse o nó que atava a canga ao cabeçalho do carro feito por um camponês frígio, dominaria o Oriente. O carro estava no templo de Zeus, na Frígia, região onde hoje está a Turquia. Do nó, feito com perfeição, não se viam as pontas. Alexandre tentou desamarrar e, não conseguindo, cortou-o com a espada. E desde então este gesto tem servido de metáfora para designar ações ousadas com o fim de resolver problemas. Não chamem políticos supersticiosos para a tarefa. Tancredo Neves, quando viajava pela Índia, ao receber de presente um elefante de jade, ouviu o conselho de desfazer-se da oferenda porque o bicho estava com a tromba virada para baixo e isso dava azar. Ele, sem que o indigitado transeunte entendesse o gesto, deu a estatueta ao primeiro que encontrou. Todos sabem o que lhe aconteceu: morreu na véspera de assumir a presidência da República. E foi substituído pelo vice, José Sarney, conhecido também por “madre superiora”, autor do romance O dono do mar, entre outros livros, mas cujo título completo, se fosse autobiografia, deveria ser O dono do Maranhão. É que, segundo o humorista José Simão, faltou espaço para a palavra completa na capa. Os políticos nos divertem, “um divertido horror”, como diria Nelson Rodrigues, mas às vezes nos assustam muito. Foi o que aconteceu na semana passada. Alguns deles nos divertiram, mas outros nos assustaram muito. (xx)

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

FOR ALL e FORRÓ

Ao deflagrar a operação For All, cujo alvo é a banda Aviões do Forró, a Polícia Federal suscitou a controvérsia que cerca a etimologia de FORRÓ. Na década de 90, recebi e publiquei a informação de que a origem eram festas oferecidas para todos (For All, em Inglês) por enheiros ingleses quando construíam ferrovias no Nordeste, no século XIX, ou por militares americanos nas bases de Natal (RN) durante a Segunda Guerra Mundial. Mais tarde descobri que é redução de FORROBODÓ, forma de teatro popular festivo, documentada em 1912, portanto bem antes da Segunda Guerra Mundial, tal como informam, entre outros, a escritora Edinha Diniz no livro "Chiquinha Gonzaga: uma história de vida". Também não é festa de negros forros. Neste caso, forro e não forró, provém do Árabe "hurr", livre. O professor Evanildo Bechara (88), da Academia Brasileira de Letras, dá uma etimologia ainda mais remota para forrobodó, que seria o galeco-português "forbodó", já uma corruptela do Francês "faux-bordon", desentoação. O poeta, prosador e filólogo galego Fermín Bouza-Brey (1901-1973), da Real Academia Galega, autor de "Cabalgadas en Salnés", afirma que na região noroeste da Península Ibérica (Galícia e norte de Portugal), "a gente dança a golpe de bumbo, com pontos monorrítmicos monótonos desse baile que se chama forbodó".

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

CHAPÉU-COCO NADA TEM VER COM COCO

A ESTRANHA LÓGICA DA ETIMOLOGIA Em 1849, um aristocrata inglês chamado Edward Coke, cansado de perder cartolas nas caçadas à raposa, encomendou um chapéu mais baixo e mais resistente para cavalgar no mato. Pagou 12 xelins por ele. Ao recebê-lo, pisou nele várias vezes para ver se era de fato resistente. Era.
"Coke" virou coco no Português, pela semelhança com o fruto da palmeira, que nada tem a ver com aquele inglês e nem com a bebida americana "coke", redução de "cocaine", por sua vez vinda do Alemão "Kokain", planta da qual é extraído o conhecido alcaloide, originalmente "kuka" no Aimará, língua falada pelos bolivianos do altiplano, que provavelmente vieram da Ásia, fixando-se na Geórgia (alguns), enquanto outros prosseguiram para a América. Compare os beiços dos povos georgianos e bolivianos: a semelhança entre os dois povos está na cara! E na língua que falam, naturalmente. Quem me chamou a atenção para esta língua dos bolivianos, o Aimará, foi o poliglota brasileiro Carlos Freire, que vive em Florianópolis. Ele conhece mais de 160 línguas.

sábado, 15 de outubro de 2016

ATENÇÃO! A VÍRGULA NÃO FOI ABOLIDA

Tenho visto inúmeros "parabéns professor" hoje. A homenagem está errada. Sei quando começou esta falta de vírgulas. Foi no governo FHC com o programa "AVANÇA BRASIL". Como o ministro Paulo Renato de Souza, ex-reitor da Unicamp, era meu amigo, informei o erro, que era de uma agência de publicidade. Ah, os publicitários! Seus erros de Português são devastadores, pois que ouvidos, lidos e vistos por milhões de pessoas. Vejam abaixo a historinha que dá uma aula de VÍRGULA, do Latim "virgula", diminutivo de "virga", vara. Portanto, vírgula é uma varinha. Conhecem a historinha da herança?
“DEIXO MEUS BENS A MINHA IRMÃ NÃO A MEU SOBRINHO JAMAIS SERÁ PAGA A CONTA DO PADEIRO NADA DOU AOS POBRES.” Morreu, antes de fazer a pontuação. A quem deixava ele a fortuna? Eram quatro concorrentes: o sobrinho, a irmã, o padeiro e os pobres. 1) O SOBRINHO fez a seguinte pontuação: Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho. Jamais será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres. 2) A IRMÃ chegou em seguida. Pontuou assim o escrito : Deixo meus bens à minha irmã. Não a meu sobrinho. Jamais será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres. 3) O PADEIRO puxou a brasa pra sardinha dele: Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres. 4) Então, chegaram os POBRES da cidade. Espertos, fizeram esta interpretação: Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a conta do padeiro? Nada! Dou aos pobres.

PALAVRAS DO DIA DOS PROFESSORES

De graça, para todos vocês, mas se quiserem mais, peguem o livro "De onde vêm as palavras". 1.PROFESSOR. Esta palavra entrou para o Português no século XV, vinda do Latim vulgar "professor", do verbo PROFITEOR, declarar publicamente (declarar que sabe um assunto e contar com o endosso de uma autoridade de que sabe, de fato), sinônimo de DOCTOR, do verbo DOCERE, ensinar, origem de DOCENTE, sinônimo de MAGISTER, cujo étimo persiste em magistério. "Magister" virou "maistre" (pronunciava-se "maístre" no Francês antigo e não "méstr", como atualmente), depois "maestre" no Provençal e consolidou-se "maestro" no Italiano, mas com o sentido restrito para dirigir uma orquestra, do Grego "orchéstra", lugar onde o coro dançava. Dançar em grego é "orchêistai". 2. ALUNO. Esta palavra entrou para o Português no século XVI. Veio do Latim "alumnus", do verbo "alere", alimentar, criar, do mesmo étimo de "alimentum". Designou originalmente a criança de peito e o órfão, ambos necessitados de alguém que se encarregasse de educar, do Latim EDUCARE, alimentar, criar, ensinar, ligado ao verbo DUCERE, guiar, orientar, conduzir. Aquele que seguia o MAGISTER para além da DOMUS, casa, de onde veio domicílio, e da SCHOLA, escola, intervalo do trabalho, não era apenas ALUMNUS; era DISCIPULUS, dicípulo, quer dizer, aprendia mais do que a DISCIPLINA que ele ensinava, aprendia a viver.
3. AULA Esta palavra veio do Grego AULÉ, palácio, corte. As primeiras aulas eram ministradas às classes superiores em palácios, de políticos, de chefes religiosos ou de ricaços. No Latim virou AULA, designando ainda palácio, mas também recinto fechado e parcialmente coberto, onde o magister caminhava e ensinava, por vezes ao ar livre, como fazia Platão em Atenas, no gramado onde estava a estátua do herói grego AKADÉMOS, de onde veio a palavra academia. Na antiga Roma, a AULA estava situada entre a porta que dava para a rua e o VESTIBULUM, onde o hóspede deixava a capa, o manto e outras vestes protetoras para entrar na DOMUS. Foi de VESTIBULUM que veio a palavra vestibular. 4. LIÇÃO Veio do Latim LECTIO, escolha que o LEGENTE (depois LENTE, sinônimo de professor e de mestre) fazia para LEGERE, ler, a seus ALUMNI, alunos. LEGERE, em Latim, designou originalmente o ato de colher (colhêr), pois ler é colher palavras, como se colhe o trigo no campo. PEDAGOGIA, PEDAGOGO e DIDÁTICA vieram do grego. Em outro post poderei dar a etimologia destas outras palavras.

domingo, 9 de outubro de 2016

"O POVO É SOBERANO! EDUQUEMOS O SOBERANO!" (Sarmiento).

Nossas escolas desabam nos indicadores nacionais e internacionais que medem a qualidade. O aluno não entende o que lê, escreve errado (principalmente ortografia e sintaxe) e defende a ignorância? Não faz mal! Há indulgências plenárias para isso em escolas e universidades. Se assim procedem, os professores estão enganando os alunos. E todos vão para o brejo das almas. Os mestres obtiveram seus empregos utilizando uma língua que agora não ensinam? Ora, no Brasil, é com a LÍNGUA PORTUGUESA que são ensinadas todas as disciplinas. Por isso, o ensino desta língua é estratégico! Depois que, por exemplo, o aluno aprende ortografia, ele pode, com a ajuda de mestres qualificados, ir além, e aprender que existem muitas variantes para o que ele diz e escreve, no Português e em outras línguas. MAS, DEPOIS, NÃO ANTES. Do contrário, ele pensa que tanto faz...
Nós escrevemos LIVRO, mas a maioria de nossos vizinhos escreve LIBRO. Porque sua língua é o Espanhol. As duas línguas tomaram o étimo do Latim LIBER. Assim como fez o Italiano, que escreve LIBRO. O Francês, da mesma família, escreve LIVRE. O Romeno escreve CARTE, porque o étimo é outro: o Latim CHARTA, do Grego KHARTÉS, folha de papiro, que deu CARTA em Português, com outro significado. No Inglês é BOOK. No Alemão é BUCH. No Holandês é BOEK. No Dinamarquês é BOG. Há razões para estas diferenças. Nestas últimas línguas, o étimo remoto tem a ver com CARVALHO, madeira de que era feita a ferramenta para escrever. Esta ferramenta chamava-se STYLOS, em Grego, e STILUS, em Latim, que deu ESTILO em Português, mudando de significado para designar o modo de escrever. Porque com esta varinha, de metal ou de madeira, tirava-se o excesso de palavras nas lousas, do Latim LAUSIA, a pedra de ardósia onde se escrevia, ou na TABULA, o étimo remoto de TABLET. Nas línguas neolatinas, o étimo remoto de LIVRO e LIBRO indica a película entre a casca e a árvore, utilizada originalmente como PAPEL, cujo étimo é o Latim PAPYRUS, papiro, o arbusto do Egito utilizado para fazer velas de navio e para escrever, que, por sua vez, veio do Grego PÁPYROS. Este material, embarcado no porto fenício de BIBLOS, vinha para a Grécia. Esta palavra deu BÍBLIA, BIBLIOTECA, BIBLIOGRAFIA. Como se vê, numa simples nota de Facebook, pode-se dar uma ideia de que ensinar não é ofício simplório e que não é baixando o nível que você democratiza o saber. Seria melhor preparar os alunos o curso superior que escolheram. Mas muitos podem querem fazer outra coisa, um curso técnico, por exemplo. Há muitos ofícios para os quais não é necessário um curso superior! Não é abrindo a universidade para despreparados que nós vamos qualificá-los. Não adianta. Lá adiante a sociedade e o mercado vão rebaixá-los, começando por diminuir a remuneração! Mas, se o aluno chegou à universidade, aproveitemos a oportunidade e nos comportemos como médicos na UTI: o projeto é não deixar morrer nenhum! Para isso, vamos recorrer à didática, do Grego DIDAKTIKÉ, a arte de ensinar. É uma arte! Estou com Miguel de Unamuno, o reitor da Universidade de Salamanca: "A universidade é um templo e eu sou seu sumo sacerdote". O templo é sagrado, respeitemos os sacerdotes. O povo é soberano. Eduquemos o soberano.

terça-feira, 4 de outubro de 2016

EM MUITAS CIDADES, "NINGUÉM" VENCEU AS ELEIÇÕES DE 2016

Em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Porto Alegre, a maioria dos eleitores não quis nenhum dos candidatos. Rio de Janeiro 1. Ninguém: 1.866.621 votos 2. Crivella (PRB): 842.201 votos 3. Freixo (PSOL): 553.424 votos São Paulo 1. Ninguém: 3.096.186 votos 2. Dória (PSDB): 3.085.181 votos 3. Haddad (PT): 967.190 votos Curitiba 1. Ninguém: 360.348 votos
2. Rafael Greca (PMN): 356.539 votos 3. Ney Leprevost (PSD): 219.727 votos Porto Alegre: 1. Ninguém: 382.535 votos 2. Marchezan (PSDB): 213.646 votos 3. Melo (PMDB): 185.655 votos De post de Marcus Fabiano

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

O PADRE, A MOÇA E O VENTO

Um vilarejo lá no fim do mundo. O jovem padre dá a unção dos enfermos ao vigário. O moribundo cochicha algo. Um comerciante chamado Fortunato ouve o nome de Mariana, sua filha adotiva, filha legítima de um garimpeiro que faliu. Quando a menina adolescia, tornou-se amante do pai de criação. Este quis casar-se com ela, mas o vigário não permitiu. Depois do enterro do vigário, o novo padre concorda com o casamento, mas descobre que a moça gosta dele, o padre substituto, e ele também gosta dela. E agora? O poema é de Carlos Drummond de Andrade, o filme é de Joaquim Pedro de Andrade. Desde jovem, ensino língua portuguesa e suas literaturas com textos escolhidos por mim, jamais orientado por quem está sendo apresentado na mídia como autor importante. Quem quiser conferir, veja quem era autor importante na mídia das década de 90 para cá. Um horror!

domingo, 2 de outubro de 2016

DAR UMA DE JOÃO-SEM-BRAÇO

A expressão “joão-sem-braço” designa o preguiçoso, o omisso ou o trapaceador. Originalmente, o pedinte amarrava sob a roupa um dos braços ou os dois, fingindo ser mutilado de guerra para obter a esmola pretendida, dando uma de joão-sem-braço. Mas havia outros sinceros joões-sem-braços, muitos dos quais eram atendidos pelas Santas Casas de Misericórdia, a primeira das quais foi fundada em Portugal, no século XV, pela rainha Dona Leonor, a “princesa perfeitíssima”. No Rio, a Rua dos Inválidos atesta a tradição. Ela ainda conserva o mesmo nome que tinha em fins do século XVIII, por ter sido edificado ali um asilo para militares reformados, isto é, aposentados. Eles estavam temporariamente impedidos de trabalhar. E muitos iam para a rua mendigar. Portugal formou-se e consolidou seu poder por meio de sucessivas guerras, travadas no próprio território ou em suas colônias, produzindo muitos mutilados de guerra.

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

A MULTIDÃO É MÁ CONSELHEIRA. ÀS VEZES, É MELHOR SER SURDO.

Várias calopsitas, de asas cortadas para não voar, queriam subir ao apartamento de seus donos, num andar alto. Os outros pássaros gritavam que elas jamais iriam chegar lá porque não podiam voar. Todas, ouvindo isso, desistiram, mas uma delas, chamada Lalá, escalou a parede sem problemas. Dispensou as asas e escalou a parede passo a passo. Perguntaram como tinha chegado ali, mas ela não soube responder. Era surda! É melhor não dar ouvidos a quem nos desanima!

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

ARQUIDUQUESA DA ÁUSTRIA MORREU POBRE NO SUL Deonísio da Silva
A arquiduquesa Maria Antonia da Áustria, da mesma estirpe da princesa Leopoldina, esposa de Dom Pedro I, e de Sissi, a imperatriz, vivia de recolher sobras de restaurantes do Mercado Público, em Porto Alegre (RS), quando morreu, aos 78 anos, em 1977. Sua vida começara em Zagreb, hoje capital da Croácia, onde nascera em 1899. Quando eu fazia o mestrado na UFGRS, encontrava vários amigos nos mesmos lugares por onde andava a arquiduquesa, nos arredores da Rua da Praia, cujo nome guarda a memória das águas do Rio Guaíba que um dia a banharam: o promotor de Justiça e poeta Carlos Verzoni Nejar, hoje da Academia Brasileira de Letras; o poeta Mário Quintana; o romancista Josué Guimarães; os professores Guilhermino César, Sergius Gonzaga, Voltaire Schilling, Joaquim José Felizardo. Nós nada sabíamos dela. Mas havia alguém que sabia e tinha sido seu colega de pensão na década de 50. Era um menino que tinha vindo de Antônio Prado (RS) para estudar no prestigioso Colégio Júlio de Castilhos. O menino tornou-se piloto da VARIG, depois formou-se em Medicina e hoje é também um escritor dos bons. Seu nome: Franklin Cunha. Na pensão de Abel e Júlia Rubinatto, no número 980 da Avenida Independência, onde hoje está um Banco, teve como vizinhos de quarto a arquiduquesa da Áustria e seu último marido, Don Luis Fernando Perez Sucre. Ela o desposara em 1942, no Uruguai, para onde, já viúva, emigrara com os cinco filhos de sobrenomes Orlandis (do pai) y Habsburgo (da mãe). Há aqueles que pensam que a riqueza, a fortuna e o dinheiro não têm fim. O viés etimológico de Fortuna, que era uma das deusas da antiga Roma, presidindo ao bem e ao mal, já nos deixa desconfiados de que as fronteiras da sorte e do azar são móveis. Fortuna tem o mesmo étimo de forte, conforto, desconforto, fortuito e infortúnio, entre outras palavras. PS. Mais no livro de Franklin Cunha, Uma arquiduquesa imperial entre nós. Porto Alegre, Editora Pradense, 2013.

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

PROPINA E GORJETA

Nem todas as palavras novas sobrevivem. Algumas morrem de mortalidade infantil. Outras vivem para sempre e algumas morrem de velhice, jazendo nos dicionários até que alguém as ressuscite... Lembram-se de "tchuchuca"? Está morta e enterrada. Mas PATRICINHA e MAURICINHO - jovens de cuidados excessivamente formais no comportamento, sobretudo no modo de vestir-se - estão consolidadas nos dicionários. PROPINA surgiu do Latim vulgar falado em Portugal na Idade Média. Sua origem é "pro" (para) + o Grego "pinein" (beber), os populares gole, trago, molhar a garganta etc. No Português dos primeiros séculos do segundo milênio, designava a taberna, estabelecimento que vendia bebidas alcoólicas e petiscos como queijo, linguiça, ovos, peixe etc. A bodega vendia mais coisas. Para alertar as mulheres virtuosas, as PROPINAS frequentadas por prostitutas tinham um RAMO VERDE fixado na porta. Por isso, RAMEIRA tornou-se sinônimo de meretriz, mulher de má vida etc. Este contexto deu à palavra PROPINA um sentido pejorativo: a quantia paga para o prestador do serviço era suficiente para tomar um trago ou fazer uma boquinha naquele tipo de estabelecimento. Até aí, tudo bem. Mas o expediente passou a ser utilizado, não mais como GORJETA. palavra que veio do étimo "gurg", que formou garganta, daí "molhar a garganta", depois "molhar a ão", e , sim, como suborno para o prestador de serviço ilícito. Mas em Portugal, PROPINA designa taxa de algum serviço público, especialmente matrícula em escolas e universidades. Por fim, o povo pergunta pelo dicionário, pois tradicionalmente havia apenas um, no singular, mas agora há muitos em uso. No Brasil, entre os mais consultados estão o AURÉLIO, O AULETE, O HOUAISS, O MICHAELIS E O PORTO EDITORA.

CONTO DE DOSTOIÉVSKI AUSENTE DE SUA OBRA COMPLETA

(Correio do povo, 20.08.2016). Uma criança morre de frio na Rússia do século XIX. O conto A árvore de Natal na casa do Cristo, de Fiódor Dostoievski, não está na chamada obra completa do escritor. Todos sabem que melhor fazem os editores de Espanha e hispano-americanos que denominam “obra escogida” (obra escolhida).
O conto dá a impressão de uma história trivial. Na Rússia czarista (onde), uma criança (quem) morre (o que) de frio (como), junto com a mãe (com quem), numa noite de natal qualquer na segunda metade do século XIX (quando). Outras personagens funcionam como figurantes. Umas, da mesma condição dos outros dois morrem; outras, contrastando com seu fausto a miséria de que são vítimas as primeiras. A narrativa é feita na terceira pessoa do singular e o narrador dá a ideia de que sabe tudo a respeito dos eventos, isto é, apresenta-se como terceira pessoa onisciente. Além do mais, deixa entrever também que sabe tudo a respeito do menor abandonado, pois chega a saber até mesmo o que acontece para além de sua morte e da morte de sua mãe. O narrador que abre o conto não é o mesmo que intercepta o evento no segundo parágrafo. O indicador de mudança da voz não é a troca de cenário. Quem narra e descreve o tempo presente da criança, mais especificamente, os seus últimos momentos de vida, ao remeter o leitor para a cidadezinha anterior, de onde viera o menino, ao tempo que en passant dá um flash das migrações internas e do êxodo rural clássico, acompanhado das desilusões das luzes da cidade, opera a transformação do estilo em passe quase mágico. O tempo verbal passa do passado para o presente, ou por outra: para falar do presente, o tempo verbal escolhido é o passado; ao trocar de cenário e de tempo e falar do passado, o narrador opta pelo presente, como se pode verificar nas transcrições abaixo, onde a indica abertura do conto e b refere a mudança aludida no segundo parágrafo. a) “Havia num porão uma criança, um garotinho de seis anos de idades, ou menos ainda. Esse garotinho despertou certa manhã no porão úmido e frio. Tiritava envolto em seus pobres andrajos. Seu hálito formava, ao se exalar, uma espécie de vapor brando; ele, sentado num canto em cima de um baú, por desfastio, ocupava-se em soprar esse vapor de boca, pelo prazer de o ver se envolar. (...) Tinha se aproximado do catre, onde (...) jazia a mãe enferma. (...) A patroa que alugava o porão, tinha sido presa na antevéspera pela polícia. (...) No outro canto do quarto gemia uma velha octogenária ...” b) (...) “De lá de onde vinha era tão negra a noite! Uma única lanterna para iluminar toda a rua. As casinhas de madeira são baixas e fechadas por detrás dos postigos; desde o cair da noite não se encontrava mais ninguém fora, toda a gente permanece bem enfurnada em casa, e só os cães (...) uivam, latem durante toda a noite. Mas em compensação lá era tão quente, ao passo que aqui...” Onde, porém, não há luz, nem gente na (s) rua (s), há alimentação para o menino, que também é protegido do frio. “Lá era tão quente; davam-lhe de comer”. “Meu Deus! Se ele ao menos tivesse alguma coisa para comer!... E o frio, ah! este frio!”. O narrador resume o contexto: onde há mais gente, o menino está só; onde há mais fartura, o menino passa fome; onde há mais recursos contra a crueldade do inverno, o menino está mais desabrigado diante do frio. Disse o cidadão Dostoiévski: “Nos ambientes mais mesquinhos encontrei as maiores provas da espiritualidade humana”. Diz-nos o narrador com uma frequência que dá bem a ideia desta sua convicção, quase uma obsessão narrativa: onde deveria haver amor, há ódio, pois o filho mata o próprio pai (Os Irmãos Karamazóvi); onde deveria existir misericórdia para os velhos, os novos os trucidam sem piedade (Crime e Castigo); de quem não se pode esperar que venha bondade, o bem emerge de um jogo tese-antítese-síntese, cujo resultado final será um bom ladrão (O Ladrão Honrado); o Estado, apresentado para proteger e defender a sociedade civil, engendra um aparelho fatal que haverá de, através de práticas burocráticas totalitárias, reificar o cidadão (O Crocodilo). Esta dialética peculiar encontra na biografia do escritor o paroxismo maior. O cidadão reacionário é um escritor revolucionário; sua obra está cheia de mortes, de patologias, de crueldade, de dor, mas o que lhe cobre por inteiro é o lençol da sátira menipeia que faz do cômico um trágico e da tragédia uma comédia, tudo misturado em porções bem medidas, que somente um ficcionista que sabe inclinar-se por tais ou quais opções estéticas, é capaz de realizar. Este conto é referencial na obra de Dostoiévski, autor de uma espiritualidade de complexas sutilezas. PS. Este trabalho integra um texto maior, que contou com a orientação de meu professor, recentemente falecido, Boris Schaniderman. * Deonísio da Silva é escritor e professor. Seus livros mais conhecidos são os romances Avante, soldados: para trás (Prêmio Internacional Casa de las Américas) e Lotte & Zweig, já publicados também em outros países, e De onde vêm as palavras.

sábado, 6 de agosto de 2016

UM DOS MAIS BELOS HINOS CATÓLICOS

Na voz de Mirusia Louwerse, cantora erudita australiana. https://www.youtube.com/watch?v=4tIsTmUOODo&list=PLE-G10B5_IrqUl8zwSiZeXrs3gFUX21UN 31 anos.
https://www.youtube.com/watch… Panis angelicus Fit panis hominum; Dat panis coelicus Figuris terminum O res mirabilis! Manducat Dominum Pauper, pauper, Servus et humilis. Pauper, pauper, Servus et humilis. Panis angelicus Fit panis hominum; Dat panis coelicus Figuris terminum O res mirabilis! Manducat Dominum Pauper, pauper, Servus et humilis. Pauper, pauper, Servus, servus et humilis. André Rieu - Panis Angelicus André Rieu, Mirusia & the Johann Strauss Orchestra performing "Panis Angelicus" Live in the Amsterdam Arena. For concert dates visit: http://www.andrerieu.co...

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

A VIAGEM DA PALAVRA "ASSASSINO"

Na passagem do século XII para o XIII, havia entre os moradores do Norte do Irã uma seita liderada por um ancião conhecido apenas como Velho da Montanha. Doidões, eles praticavam as maiores atrocidades, matando para roubar, especialmente Cruzados e peregrinos a caminho de Jerusalém. Esses malfeitores ficaram conhecidos como "haxxixin", vocábulo do Árabe, entretanto pronunciado "hassassin"" no Persa. O Velho da Montanha e seus seguidores foram mortos por Gengis Khan, cujo nome em língua falada na Mongólia era "Temujin", ferreiro (designando originalmente o fabricante de ferraduras, espadas, facas e utensílios do cotidiano). A palavra "haxxixin", depois "hassassin", pelos terrores causados pela tribo hostil, deu "assassino" em Português; "assassino" em Italiano; "asesino" em Espanhol; "assassin" em Francês. O Inglês, porém, não adotou o étimo de "haxxixin". Ficou com" killer", matador, daí se falar em "serial killer", matador em série, isto é, que mata muitos, do mesmo étimo de "kill", matar, uma palavra vinda do Armênio "kelem", que foi escrito "cwellere" no Inglês antigo. A matriz dessas palavras foi a raiz indo-europeia para designar o ato de matar, que era "gwellen", com G, com o significado de furar, penetrar, trespassar com objeto pontiagudo. Mas no Inglês o significado pode ser bom:" to kill oneself", fazer um grande esforço. E "Dressed to Kill", vestida para matar, é título de um filme de Brian de Palma.

domingo, 31 de julho de 2016

RELEMBRANDO WILSON MARTINS, SUSPENSO EM O GLOBO

http://observatoriodacritica.com.br/arquivos/polemicas/necrologios/5.Treplica%20de%20Deonisio%20da%20Silva%20publicada%20no%20Observatorio%20da%20Imprensa%20em%2027-04.pdf Tréplica de Deonísio da Silva a Flora Süssekind Observatório da Imprensa 27/04/2010 Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=587JDB 001# Acesso em 29 abr. 2010. WILSON MARTINS (1921-2010) Crítico é atacado depois de morto Por Deonísio da Silva Quando o escritor Josué Montello morreu, fui procurado para falar (mal) dele. Em entrevista a Geneton Moraes Neto, no Jornal do Brasil, e em artigos assinados noEstado de S. Paulo, eu tinha feito várias ressalvas, não apenas à sua obra, mas à sua atuação como personalidade literária que era. Josué Montello respondera-me em grandes jornais, eu dera a tréplica no Verve, pequeno jornal editado por uma equipe presidida por Ricardo Oiticica, em Niterói (RJ). Há quase trinta anos mantenho coluna semanal no Primeira Página, pequeno jornal de São Carlos (SP). Acredito muito nos pequenos jornais. Eles completam as falhas geológicas dos grandes. E a imprensa do período, ainda mais agora com os mecanismos de busca, jamais será a de um jornal apenas, como já foi no passado. Ao me negar a falar de Josué Montello depois que ele morreu, comentei a advertência que, na Odisséia, Ulisses faz à Ericléia, que se alegra com o massacre dos pretendentes, popularizada pela seguinte expressão do latim vulgar: "De mortuis nil nisi bene" (Dos mortos nada, a não ser o bem). Escrevera aqueles artigos e dera aquelas declarações a Geneton Moraes Neto quando eu tinha 35 anos! Hoje, aos 61, diria tudo o que disse de modo diferente. O outono nos ensina a moderação, mas fazer o quê? Pedro Nava definiu a experiência como um automóvel com os faróis virados para trás. Quer dizer, de pouco serve, pois o percurso já foi feito. Sem espaços Flora Süssekind, professora altamente qualificada, não deve desconhecer a recomendação que da literatura migrou para a vida cotidiana, mas perpetrou várias indelicadezas e equívocos no caderno "Prosa&Verso" de O Globo (24/4/2010). Não apenas com o que disse, mas com o que costuma silenciar, pois ela deve conhecer a qualidade de livros e autores que omite em suas pesquisas. Como disse Eduardo Portella, "o silêncio é aquilo que se diz naquilo que se cala". O pior de tudo é que jamais discordou de Wilson Martins quando ele era vivo. Em cima de seu caixão, com o profissional morto, ela, não só desanca sua obra, como ainda fala mal de quem falou bem do crítico, aí incluídos referências da crítica literária, como é o caso de Alcir Pécora e Miguel Sanches Neto, comentaristas de inegável qualidade. Qual foi o erro dos dois? Discordar dela? Destaco trecho do que escrevi na coluna de Augusto Nunes na Veja on-line, no dia seguinte ao falecimento do crítico: "Wilson Martins dizia: `não comento autores, comento livros´. Fez a história da literatura brasileira de 1500 a 2009, acompanhando os lançamentos e garimpando neles o que achava relevante. Antonio Candido data sua história de nossas letras na segunda metade do século XVIII e vem até 1930. E nas universidades só ele é citado. Há décadas. Wilson Martins integra a multidão de esquecidos para que poucos possam aparecer louvados pelos mesmos de sempre". A militância política dos professores não pode ser exercida em sala de aula. Ali há programas, ementas, objetivos e bibliografias bem definidos a cumprir. Sejam pagos por escolas públicas ou privadas, os mestres estão submetidos a hierarquias baseadas em relações de saber, não de poder, e precisam ministrar aos alunos um ensino de qualidade. Aqueles que substituem ações docentes por proselitismo estão traindo os alunos. Não é esta a única razão do notório fracasso escolar, mas é uma força considerável no rebaixamento da qualidade de ensino. O artigo de Flora Süssekind logo estará sendo citado e multiplicado em universidades para ajudar a deformar nossos cursos de Letras. A mídia vem sistematicamente negando espaço a quem faz literatura de qualidade, aí incluída a crítica, naturalmente, e por isso enseja a consagração de mediocridades. Colunas suspensas Há algo muito mais grave do que ensinar que não houve ou não há literatura brasileira. É fazer de conta que obras e autores do gosto do mestre sejam impostos aos alunos como únicas referências literárias. Naturalmente, o mestre tem seu gosto, que é também uma categoria estética, mas quem experimenta o prato é o cliente, não o garçom. E neste caso, críticos e professores são garçons. Por melhor crítico que tenha sido Armando Nogueira, quem fez a jogada foi Pelé, foi Garrincha, foi Romário, foi Maradona, não ele. Ele não jogava, ele comentava. Exagerando um pouco, Sartre disse que "os críticos são guardiães de cemitérios". E ademais já não somos poucos os que achamos que é urgente uma revisão em nosso cânone literário, que consagra tantas mediocridades. Os editores de cadernos literários usam sempre como recurso de argumentação que não há espaço para comentar mais livros ou outros livros, revelar outros autores, sair da geléia geral em que a maioria deles está há muitos anos. Por que, então, dedicar duas páginas inteiras para um solilóquio desses contra Wilson Martins? Não teria sido melhor abrir o mesmo espaço para uma saudável controvérsia? Wilson Martins e Affonso Romano de Sant´Anna tiveram suas colunas suspensas em O Globo em agosto de 2005. Comentando o afastamento dos dois, escreveu Alberto Dines neste Observatório (8/8/2005): "A maior empresa de comunicação do país, uma das maiores do mundo, não tem os caraminguás para manter uma instituição que dá à combalida cultura carioca o suporte erudito para o seu renascimento. De diferentes gerações (um é poeta e professor mineiro; o outro ensaísta e professor curitibano) ARS e WM são dois expoentes da cultura brasileira que O Globo oferecia ao seu público no mesmo dia e mesmo caderno". Pois é. Olhem só para quem ocupou o lugar deles. Os leitores façam as suas comparações!

quinta-feira, 28 de julho de 2016

SÉRGIO DA COSTA RAMOS RECEBE DEONÍSIO DA SILVA NA ACL

As Academias nasceram nos bosques de Atenas e as vozes dos sofistas ecoavam ao ar livre. Com a Renascença, elas se abrigaram sob colunas dóricas e veludos, para reunir as greis de artistas e escritores. E as academias foram ganhando uma certa pompa para hospedar o sacramento da Literatura. Imagine-se, Senhor Presidente, esta tribuna transformada num púlpito, nossa Academia de Letras numa basílica em dia de sagração episcopal. Nosso plenário acolhendo ardentes fiéis e a fragrância do incenso se evolando pelo ar - ao ponto do seu alado perfume transformar a ilustre Mesa num altar de missa solene. Sendo ao mesmo tempo laica e ecumênica, esta Academia vive uma noite em que não pode deixar de ser cerimoniosa, pela boa ventura de receber entre os seus pares um cardeal da Literatura catarinense, brasileira e universal. Vejo-o, numa ilusão de ótica, estendido ali na nave central, em vestes sacerdotais, bem no meio deste corredor, e na iminência de receber aqui e agora a ordenação devida pelos seus votos e feitos literários, hierarquia há muito reconhecida em outras catedrais – e hoje crismada na igreja de sua terra, que sobre ele asperge os seus óleos votivos. Já enxergo daqui o Deonísio hasteando em seu lábio de incréu um sorriso de mofa, e pensando: “Chi, o Sérgio está levando por demais a sério aquela brincadeira dos meus amigos de Floripa, velhos camaradas do Seminário Nossa Senhora de Fátima, de Tubarão, que se autobatizaram “Os Presbíteros”. E que, brincando, tratam-se de monsignore, eminenza e até de Camerlengo, por ocasião das eleições papais. Estão todos por aí, Deonísio, balançando os seus turíbulos... ----------- Era uma vez, Deonísio da Silva, um catarinense, filho de um trabalhador das minas de carvão, Silvestre, oriundi italiano de Siderópolis, sopé da grande serra. Autor de 34 livros, professor, etimólogo, membro da Academia Brasileira de Filologia, viveu boa parte de sua infância e juventude em casas paroquiais e seminários de Siderópolis e de Tubarão, até o limiar da ordenação, quando os demônios sartreanos do ser e do existir pediram abrigo em seu sótão. Para desgosto, talvez, do padre Herval Fontanella, que lhe ensinou o primeiro Latim e que o queria só sacerdote. Melhor doutor em Literatura e um escritor do mundo do que padre em Leiria, num certo sobrado criado por Eça de Queiroz... Se o quase sacerdote desenrolasse aqui toda a sua biografia acabaria lendo um longo breviário – que é tudo, menos sinônimo de “breve”. E se optasse por enumerar o rol de sua obra, então, acabaria lendo, com jeitão travesso, uma Bíblia iconoclástica, dividida em dois testamentos: No Velho Testamento, abriria o pergaminho do seu primeiro grande romance – “A Cidade dos Padres”, de 1986. Uma epifania literária, em que o autor revisita a história, ajustando o relógio para girar ao contrário, desde os tempos da “Revolução Redentora” do general Figueiredo , anos 60 a 80, até o Império sob a tirania fiscal do Marquês de Pombal, no século XVIII, – quem sabe uma boa explicação para as roubalheiras que hoje nos presidem e atormentam. Uma criativa anarquia, que reconstituiu, “avant-la-lettre”, este Brasil hoje identificado como um local “propício aos desmandos, à desorgarnização e à pilhagem do dinheiro público”. Melhor premonição para os acontecimentos do que hoje chamamos de “Lava Jato”, impossível. Do seu Novo Testamento, anos 90, emerge o grande sucesso que primeiro o levou para além do mapa do Brasil - o “Premio Casa de las Americas”, em 1992, num júri presidido pelo futuro Nobel José Saramago. “Avante Soldados, Para Trás” é uma diabrura literária em que o escritor alista-se nos “voluntários da Pátria” e, como um “soldado narrador”, vai à guerra do Paraguai. Do “front”, descreve o conflito com a licença da ironia e do bom humor, a partir da “Retirada da Laguna”, narrada como derrota épica. Porque o narrador está lá não para endossar a história oficial, mas para relativizá-la e descrer de todas as verdades absolutas. No fundo, um libelo contra a guerra e a favor do homem. Esse reconhecimento internacional levou o ex-quase padre Deonísio às fronteiras do Vaticano: numa banca de revistas da Piazza de Spaña ou da elegante vizinha, Via Condotti, em Roma, é possível comprar dois livros de Deonísio da Silva: “Avanti soldati, Dietro Front” - a edição italiana do premio assinado por Saramago - e o seu mais recente sucesso, “Lotte e Zweig”, em que narra, com estrutura de novela policial, a morte de Stefan Zweig e sua mulher, Charlotte, na Petrópolis de 1942, quando o escritor austríaco descobriu que o seu desencanto com o mundo incluía o “país do futuro”. O autor instiga o leitor, inaugurando um novo mistério: suicídio shakespeariano num pacto de amor ou duplo homicídio pelo braço longo do nazismo? Diz-se que tamanho condão criativo, de criar ficção sobre a história oficial, teria levado o povo de Roma, ainda outro dia, a confundir - em pleno domingo de benção na Piazza São Pedro - os dois paramentos que na manhã de sol brilhavam na moldura da grande janela . Ao longe, identificaram claramente só uma das duas figuras: - Aquele à esquerda, a la sinistra, é o padre Deonísio, scrittore brasiliano. O outro, de branco, acho que é aquele argentino contra quem a gente torceu na Copa América... Claro, nós, leitores, vamos logo esperar da inventiva do nosso caro escritor, uma versão picaresca e criativa da perda daquele pênalti pelo argentino Messi. Teria sido pouca reza do seu colega de janela, Francisco, mera culpa fadista de um tango de Gardel ou simples macumba da torcida brasileira? Tudo é possível em se tratando desse originalissimo realismo fantástico de Deonísio da Silva, em que a ficção surge como detetive da verdade e a imaginação como seu salvo-conduto, tudo sobre o magnífico alicerce de uma cultura consolidada, capaz de produzir densos romances na forma de roteiros cinematográficos, como nos já mencionados “A Cidade dos Padres” ,“Avante” e “Lotte & Zweig”. Além de outros tão instigantes quanto “Tereza D’Ávila”, em que o autor intromete-se entre as muralhas de Ávila e flagra a Santa em seu Convento, lutando contra as febres da matéria, a sanha punitiva dos inquisidores e a própria fé, que as vezes fraqueja. É bem diversificado o seu empório de criativa Literatura, seja na crônica ou no conto, em que também é mestre, e cuja maior prova é seu último livro do gênero, “A Placenta e o Caixão”. Ou o seu primeiro conto elogiado em resenha nacional, “Cenas Indecorosas”, notado por ninguém menos que o nosso líbano-biguaçuense Salim Miguel, em crítica literária para o “Jornal do Brasil”, no quase longínquo 1976. Tanto talento brilha também em ribaltas nas quais suas obras são adaptadas, no teatro ou no teleteatro, como em “Relatório Confidencial”, dirigido por Antunes Filho. Com tempo e oportunidade também para o cronista Deonísio e o etimologista de jornais e revistas de circulação nacional, ou para os seus livros de Literatura Infantil. Do escritor para crianças, aliás, brotou uma confissão: “Eu não sabia escrever para crianças, aprendi com minha filha Manuela”. Tamanho é o fascínio do autor pela figura feminina, que ele a cobre de cortesias e reverências na vida e na obra – desde a amante e combatente Mercedes de “Avante Soldados”, à tentada carmelita de Ávila do romance que primeiro se chamou “Pedras em febre”, depois simplesmente “Tereza”; até à infeliz secretária Lotte , mulher de Stefan Zweig, figura chave do romance sobre a saga do perseguido escritor austríaco. Ou à primeira mártir do Brasil, beata Albertina Berkenbrock, assassinada em defesa de sua virtude na Imaruí de 1931. Todas estão ou estarão na prosa do escritor, esse admirador das mulheres que não pode deixar de reconhecer uma verdade absoluta: pertence a elas um pedacinho da insígnia que esta Academia daqui a pouco pendurará em seu peito. Pertence a todas elas e à Manuela, a filha que, aos 13 anos, influenciou no desfecho de “Avante Soldados” e que hoje, adulta, instiga o pai a afinar o senso crítico, enquanto ajuda o país a justiçar seus malfeitores como Promotora de Justiça em São Paulo. Na verdade, ai dele se não admitir outra grande heroína em sua vida: aquela que possui o condão de lhe fazer coriscar a centelha criadora e o dínamo da pletórica produção: leitora, crítica e musa – musa, cuja etimologia, sabemos, nasce de música, canção. Harmonia que o aqui recepcionado faz questão de ouvir da mulher Michele, sempre que inicia a aventura de uma nova escrita. “Elas são – derrete-se o escritor – a melhor parte da natureza humana” e a própria Literatura nada mais é do que um empenho do homem em indenizar-se pelas imperfeições da sua natureza”. A vida de Deonísio é a Literatura, como escritor, doutor em Letras e professor do magistério superior. À essa arte imprimiu sua marca, reescrevendo a história pelo avesso e servindo apenas ao leitor e à Literatura - e à nenhum outro mandarim. Se é chegada a hora da sagração, senhor presidente, quando esta Casa recebe um hierarca da Literatura brasileira, é preciso dizer que Deonísio da Silva é um grande admirador da Literatura de Santa Catarina, desde os tempos de Siderópolis e de Tubarão. Faz questão de ser um admirador de muitos dos que daqui a pouco serão seus pares nesta Casa. Gosta de ser um simples, um autor que é sobretudo um leitor e que gosta de cultivar a Literatura da sua terra. Sabemos que “um autor só é bom se é bom leitor e melhor inventor”, na bem humorada definição de Alberto Manguell, que, na juventude, lia para Jorge Luis Borges - e era dele os seus olhos. A liturgia desta noite, senhor presidente, é dupla: as campainhas querem dizer que a recepção a Deonísio é também uma benção à Academia, posto que é a Literatura em pão e vinho que recebemos. Vivemos, senhor presidente, um grande momento deste sodalício quase centenário, um tempo de transformações e de eleições, ditados pela própria progressão da vida. Circunstância que realça a solenidade deste momento. “Os abençoados mortos”, pontificou Graça Aranha sobre a Academia Brasileira de Letras, “deram-lhe a mais preciosa das vidas, a vida eleitoral”. E resumiu: “São as mortes que dão vida às Academias. Boa recepção, pois, e longa vida aos que chegam, e reverência aos que construíram ao longo dos tempos esta catedral de cultura - como o saudoso escritor, contista de truz e cultor das melhores utopias, Francisco José Pereira, a quem sucede o recepcionado. A Literatura, aqui, senhor presidente, deve ser, mais do que nunca, um ato de fé e de reconhecimento. Houve época em que a própria Academia Francesa quebrou a tradição dessa preeminência literária, acolhendo eminentes figuras da vida pública, homenageando a sociedade pela academização de seus notáveis. Conta o escritor e imortal Carlos Heitor Cony que, certa vez, Joaquim Nabuco sugeriu ao Petit Trianon o nome do Barão de Rio Branco, então Ministro de Relações Exteriores e o homem mais importante do seu tempo. “Machado de Assis hesitou, alegando que o indicado nada escrevera até então. Nabuco argumentou: “Machado, o Rio Branco está escrevendo o mapa do Brasil”. E o Barão acabou acadêmico. Felizes, senhor presidente, somos nós: Deonísio da Silva tem obra, tem mérito e tem “sustança”, como diria um manezinho da Ilha catarina. Tem obra e está escrevendo o mapa de Santa Catarina na Literatura do Brasil. ==================================Muito obrigado