NOME DE POBRE NO BRASIL

domingo, 20 de setembro de 2015

ESCREVER BEM É ESCREVER DIFÍCIL? Publicado no Jornal do Brasil, 28/7/02, lembrando uma entrevista que dei a Jô Soares.
“Alunos da UFSCar me pediram para rever, na companhia deles, entrevista que dei a Jô Soares. Queriam comentar, me perguntar coisas, saber dos bastidores. Sim, naquele dia Rita Cadillac, que dá shows em penitenciárias, para entreter a população ali confinada, desamarrou a blusa e mostrou os seios ao maquiador. Emerson Fittipaldi me falava de coisas tristes. ?Ah, você mora em São Carlos, perto de Araraquara? Caí de ultraleve ali perto. Eu e meu filho. A perna começou a sangrar, eu estava imobilizado, não demorou muito e os urubus sentiram o cheiro do sangue e começaram a voar bem baixinho, ao nosso redor. Pedi a meu filho que sacudisse os braços para espantá-los.? Dizia tudo isso em voz calma, fininha, a sua voz habitual. Rita Cadillac, não. Fez o maior fuzuê. E no final da entrevista ofereceu o bumbum para ser beijado por alguém da platéia, como cortesia. Jô disse que podia subir um só da platéia. Subiram cinco.
Eu estava ali para tratar do livro De onde vêm as palavras. O que as Letras faziam naquele meio? Jô, porém, é mestre em conciliar paradoxos, em parcerias impossíveis, em dosar seu programa, oferecendo temas sérios em linguagem bem-humorada. Naquele programa, conversamos sobre escrever bem. Disse em síntese o que tenho escrito sobre esse tema. Que os bacharéis precederam os economistas na arte de escrever mal, de nos enrolar, de nos encher a paciência, de abusar da boa vontade do leitor, condição prévia para dar atenção a quem escreve. Paradoxalmente, foi nos cursos de Direito que vicejaram alguns de nossos melhores prosadores e poetas. Uma visita ao Largo São Francisco, em São Paulo, onde está nossa mais antiga Faculdade de Direito, é também uma aula de literatura. As paredes lembram, orgulhosas, seus alunos de outrora, entre os quais Castro Alves, José de Alencar e, mais recentemente, Lygia Fagundes Telles. Fora dali, dois de nossos melhores escritores cursaram Direito. Rubem Fonseca, no Rio. Dalton Trevisan, em Curitiba. Os dois estão entre os melhores contistas do mundo. Mas escrevem em português e têm contra si o complexo diuturnamente martelado nos ouvidos e nos olhos dos brasileiros: são mestres na periferia do capitalismo, quem sabe. E ainda não morreram. Como se sabe, morrer é condição sine qua non para receberem a atenção que fazem por merecer. A extrema concisão é a marca dos dois. Rubem Fonseca escreve contos como quem faz roteiro de filmes de ação. Dalton é capaz de contar uma história inteira em três linhas: ?O amor é uma corruíra no jardim. De repente ela canta e muda toda a paisagem?. O que, aliás, não o livrou de alguns críticos atentos que jamais escreverão uma única linha desfavorável ao amigo, mas que gastaram boas horas de insólita tertúlia ponderando que a corruíra não canta, trina. ?Você errou, Dalton?, disse um dos mais rigorosos, não sem uma ponta de verve. ?Você precisa pesquisar mais para escrever sobre pássaros?, disse outro. Dalton concede a graça da convivência para poucos, escaldado com o provincianismo atroz de arrivistas que buscariam proximidade com ele apenas para tirar algum proveito imediato. E Rubem Fonseca impôs-se um silêncio obsequioso desde as primeiras calúnias de que foi vítima nos anos 70. Caso-síntese da perseguição a escritores, vítima da insânia de censores a serviço de um governo ditatorial, de vez em quando tem o desprazer de ser assunto de quem, não tendo luz própria, quer roubar um pouco de seu brilho. Esses ficcionistas jamais serão exemplo de correção textual em cursos de Direito. Lá os modelos ainda são outros e é raro que a verborragia não impere. O modelo? Rui Barbosa. Mas se em Rui havia o lampejo do gênio, que leva o leitor a perder boas páginas em trevas de leitura para de repente ter a satisfação de ver sua inteligência faiscar, o mesmo não se pode dizer de seus imitadores. É verdade que o famoso jurisconsulto exagerava. Faria bom par com o professor Astromar.”

segunda-feira, 25 de maio de 2015

ERA UMA VEZ NO SUDOESTE

http://www.bpp.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=360 Notícias
19/07/2013 Helena #2: Era uma vez no Sudoeste De minha vivência no Sudoeste do Paraná resultaram alguns livros de contos. Hoje podem ser lidos em Contos reunidos (2010). Algumas daquelas histórias se passam na cidade inventada de Sanga da Amizade, inspirada em minhas vivências no Sudoeste, especialmente em Francisco Beltrão. Inventei Sanga da Amizade — Manoel Carlos Karam e Dante Mendonça, que conheci como diretor e ator de Doce Primavera, respectivamente, no Teatro Paiol, em Curitiba, gostavam muito deste recurso narrativo — para que fosse o cenário de várias das histórias de meu livro de estreia, lançado por Walmor Marcelino, com o título de Estudo sobre a carne humana (1975), com prefácio de Sylvio Back, com quem eu trabalhava de roteirista de cinema — a obra, com outros contos novos, seria reeditada com o título Exposição de motivos (1976). Dois dos contos do pequeno Estudo sobre a carne humana foram adaptados para a televisão por Antunes Filho, recebendo o título de Relatório confidencial. Ilustração: André DucciEnredo kafkiano Eu já não vivia mais no Sudoeste do Paraná e sentia os rigores da Lei de Imprensa e da Lei de Segurança Nacional em Ijuí (RS), para onde me transferira e estreava como professor universitário. Ali, comecei a cumprir a pena de dois anos de prisão, convertida em sursis (liberdade condicional), por obra da eficiente defesa de meu advogado Geraldo C. S. Bond. Fui denunciado em Francisco Beltrão (PR) pelo Promotor de Justiça Substituto, Alberto Luiz Cassou, por pressão do major Jorge Baptista Ribeiro, comandante do 2º Grupamento de Fronteira, 2ª. Companhia de Infantaria, da 5ª. Região Militar, do III Exército, apoiado em recorte de um texto, publicado por engano, no lugar da crônica habitual que eu fazia semanalmente no jornal Tribuna do Sudoeste. Soube que quem levou o texto aos militares foi Natalino Faust, presidente da Associação de Pais e Professores. O comandante militar tomou providências no dia 8 de julho de 1974. No dia 9, o Promotor Substituto fez a denúncia. No dia seguinte, o juiz substituto, Darcy Gonçalves Bartapelli, a aceitou. No dia 19 de setembro, fiquei frente a frente com o Promotor, com meu advogado e com o juiz substituto e fui devidamente qualificado. No dia 27 de maio de 1975, meu advogado requereu que fosse feito meu interrogatório, diante do juiz Raul da Costa Pinto e do escrivão Clementino Petla. Eu já tinha a esse tempo — tudo corria muito rápido — prestado depoimento também na Polícia Federal, em Curitiba. Fui interrogado pelo General Alcindo Pereira Gonçalves, então Secretário de Segurança Pública. Saí dali e, instruído pelo General, fui ao DOPS buscar certidão negativa para integrar o processo de alocação de aulas no Ginásio Estadual Nova Concórdia. Durante todo o tempo, minha esposa, a professora Soeli Maria Schreiber da Silva, então com 21 anos, ficou ao meu lado e combinamos que não contaríamos nada às respectivas famílias. Nós tínhamos nos casado na Igreja das Mercês, em Curitiba, dois anos antes, quando ela estava com 19 anos e eu com 23. O mundo amigo e inimigo Não faltou quem prestasse bons serviços ao comandante militar, mas houve exceções. Os três diretores das escolas onde eu ensinava, Irmã Bárbara Zimmerman, do Colégio Estadual Mário de Andrade; Maria de Lourdes de A. da Silveira, da Escola Normal Estadual Regina Mundi; e Antenor Pezente, do Ginásio Estadual Nova Concórdia, todos deram atestados e declarações de que eu desempenhava com eficiência e assiduidade as funções de professor nos três estabelecimentos. Antenor Pezente acrescentou no atestado: “Declaro mais, que o seu relacionamento com a direção desse estabelecimento, com os colegas de Magistério e com os seus alunos é o melhor possível.” Também a Inspetora do Ensino Médio, Ivete K. Accioly R. da Costa, esposa de um dos homens mais justos que eu conheci, que era juiz em Francisco Beltrão (RS), atestou que eu era bom professor. Fui afastado dos dois estabelecimentos (menos do Ginásio Estadual Nova Concórdia) por pressões vindas de pessoas cujos nomes as diretoras, com o olhar espantado daqueles tempos, não ousavam declinar. Nem eu lhes perguntei. Porque sabia tanto quanto elas quais eram os integrantes da alcateia que então se formara. Esclareço que soube de tudo e com atraso, pois eu fazia em Ijuí (RS) o Curso de Letras, ministrado nas férias escolares do ensino médio. Às vezes estava em Curitiba, onde estudava Inglês no Centro Cultural Brasil-EUA, cujas diretoras, Laila Cury e Úrsula Neufeld, deram atestados de que eu estudava Inglês e que minhas médias finais eram 90 e 94, respectivamente, numa escala de 100. Memória revisitada Também não vou esquecer o nome de Maria Bond, Inspetora de Ensino, esposa de Geraldo C. S. Bond! O nome de quem nos defendeu, a gente nunca esquece. Não esquece também os nomes daqueles que acusaram e, principalmente, daqueles que se omitiram na luta. Mas talvez seja ainda cedo para tratar de temas tão complexos que envolvem a memória de vivos e mortos! Na defesa, meu advogado juntou uma declaração que hoje soa curiosa e passível de complexas interpretações. Antes de lecionar naqueles estabelecimentos educacionais, eu tinha formado comunidades eclesiais de base no sudoeste, em trabalhos mantidos pela Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural (Assessoar) e feito um curso de Teologia, intensivo, em 1970, que durou apenas um ano, em Curitiba. Nessa época, morei no Convento dos Padres Saletinos, no Jardim Social, em Curitiba. O documento dizia que na Assessoar eu integrava a diretoria, ao lado de Deni Lineu Schwartz, Euclides Scalco, Jorge Camilotti, José Emanuelli e Maria Salete Pereira. No dia 10 de novembro de 1975, o juiz Raul da Costa Pinto me condenou a três meses de prisão por aquele texto, que tantos dissabores me causou, que tantas lições me deu e que me afastou dos meus alunos e dos meus colegas-professores de dois colégios que eu muito admirava e aos quais prestava o melhor ensino que eu podia, com assiduidade e pontualidade, como reconhecido pelas autoridades, mesmo naquele contexto adverso. Mas o juiz converteu a pena em sursis (liberdade condicional), mediante algumas condições, entre as quais a de “não tornar a delinquir” (sim, leitores, houve um tempo no Brasil em que escrever era delinquir), “fixar residência e dela não se ausentar por mais de oito dias a não ser com autorização expressa deste Juízo” e “encaminhar a este Juízo exemplar dos escritos publicados durante o período de suspensão da pena, imediatamente após a sua publicação“. Dali por diante, durante alguns anos, escrevi com o pseudônimo de Kate Morel, por sugestão do jornalista Jefferson Barros. Guerra sem testemunhas Meu advogado em vão apelou ao Tribunal de Alçada, em Curitiba. O primeiro relator foi Jayme Munhoz Gonçalves, que negou provimento à apelação. O documento final da apelação 445/75, consolidando a negativa, é assinado no Acórdão 2566, pelos desembargadores João Cid Portugal (presidente), Schiavon Puppi (relator) e José Merger. Aqui concluo este doloroso relato. Eu o fiz porque os leitores merecem que sejam levantados pelo menos alguns dos sete véus que ainda cobrem aqueles trágicos eventos. Em alguns casos foi uma guerra sem testemunhas. É verdade que está tudo resumido e anotado em diários que coleciono desde meus verdes anos! Registro que me serviram de conforto memorável os apoios que recebi do médico Walter Alberto Pécoits, líder naquela região, vários anos antes, da única revolta social por terras em que os pobres venceram, e de sua esposa, dona Manuela, que viviam em Francisco Beltrão naqueles anos. Mais tarde René Dotti obteria da União memorável indenização porque seu cliente, Dr. Walter, perdera um olho durante as torturas que lhe foram infligidas. Há muito mais a contar, mas sempre que mexo nessas feridas ainda dói muito. Doeu de novo, agora! Deonísio da Silva é autor de 34 livros, entre eles O assassinato do presidente (1994) e Contos reunidos (2010). É professor universitário e vice-reitor de extensão da Universidade Estácio de Sá. Ilustração: André Ducci Todas as edições da revista Helena estão disponíveis online em: http://issuu.com/revistahelena

domingo, 24 de maio de 2015

ARQUIVO ABERTO Rio de Janeiro, 1974 No prédio da Light

ARQUIVO ABERTO Rio de Janeiro, 1974 No prédio da Light DEONÍSIO DA SILVA "Nada temos a temer, exceto as palavras". Este bordão, reiterado ao longo do romance como um aviso, me desconcertou ao folhear "O Caso Morel", primeiro livro de Rubem Fonseca que eu li. Era aluno do curso de letras num campus do Brasil meridional e recebi a tarefa de fazer um trabalho sobre o adultério mais comprovado do mundo. Mas desde que a americana Helen Caldwell inventara uma suposta ambiguidade em "Dom Casmurro", só se podia ler o romance de Machado de Assis com vocação para corno: diante de todas as evidências, nem sequer desconfiar. Ex-seminarista e gato de bibliotecas (não gosto da metáfora do rato), eu já tinha lido todo o Machado. Propus Rubem Fonseca, cuja obra o professor também desconhecia. E vieram o acaso e suas leis, entretanto desconhecidas, como dizem os surrealistas. Entusiasmado, o professor ordenou-me que enviasse o pequeno ensaio ao editor. Rubem Fonseca apreciou aquela heresia e me convidou para visitá-lo no Rio, dando-me o endereço: av. Presidente Vargas, 642. Ao chegar, nova surpresa. Ali era a sede da Light, templo resplandecente do capitalismo. O autor, o sumo sacerdote de uma religião que seus personagens combatiam, não se parecia em nada com eles. Mas sua extrema cordialidade me desarmou. Em poucos minutos fluía uma conversa de doidos mansos. Eu também o surpreendera. "Pensei que você tivesse uns 50 anos. Pela maturidade do que escreveu", ele me disse. O escritor tinha 49 anos; eu, 25. Era o dia 30 de julho de 1974. Quais duas rádios em serenos solilóquios, dávamos os respectivos prefixos, procurando a sintonia mútua. O aprendiz logo percebeu que o mestre era muito ardiloso, com uma sabedoria que só têm os grandes autores. Quem escolhe o autor é o leitor. E era isso que tinha acontecido. Ele nada sabia de mim, mas eu estava em desvantagem. Ele me perguntou se eu lera seus outros livros. "Não, nenhum, só este sobre o qual fiz o trabalho". Estreara havia onze anos, com "Os Prisioneiros" (1963), e tinha publicado também "A Coleira do Cão" (1965) e "Lúcia McCartney" (1967). "O Caso Morel" (1973) era seu primeiro romance. Quando autografou "A Coleira do Cão", escreveu abaixo de meu nome "crítico e ficcionista". Ponderei que não tinha publicado nenhum livro, era rigorosamente inédito. E ele: "Você é ficcionista, é crítico. Só que ainda não publicou". Por suas mãos, dali a dois anos, eu estreava com um livro de contos na mesma editora que o publicava. Às vezes, desarruma meus sentimentos a advertência que Clarice Lispector lhe fez num de nossos encontros, em 1974, depois tão frequentes: "Zé Rubem, você está ficando muito lido, isto não é um bom sinal, você preste atenção ao que eu estou dizendo". E ele, com humildade: "Eu dou muita atenção a tudo o que você me diz, Clarice". Vieram outras águas, que moveram outros moinhos. Contra a censura, recorreu ao Judiciário. O processo durou de 1976 a 1989. Venceu, mas por 2 x 1, no TRF do Rio. Por pouco, "Feliz Ano Novo" não continuou proibido. Meus trabalhos sobre a obra de Rubem Fonseca devem muito a professores que não a conheciam, como Guilhermino César, louvado num poema de Drummond. Formaram um aluno que trouxe milhares de leitores para a obra fonsequiana. Em autor de tantas complexas sutilezas, alguns livros têm mais qualidade do que outros, mas todos estão bem acima da média, sejam contos ou romances. Sartre disse: "Os críticos são guardiães de cemitérios". Talvez porque mortos não reclamem de nada. No Brasil, poucos dedicam-se a descobrir autores vivos. Esperam que cheguem a seus pés, se possível contritos, pedindo favores. O trato justo e a conversa clara são evitados. No mundo literário, predomina a confraria do elogio mútuo. A regra é apagar quem discrepa ou simplesmente desconcerta. A obra de Rubem Fonseca fez dele um autor imortal. Certo dia, um leitor distante dos centros de difusão literária descobriu seus livros por acaso, como alguns devem estar fazendo agora com outros autores.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

MÃO INGLESA E MÃO FRANCESA

Na mão francesa, os automóveis circulam pela direita e têm o volante e os pedais do freio e da embreagem no lado esquerdo, e a alavanca de troca de marchas à direita. Na mão inglesa, dá-se o contrário: dirige-se pela esquerda, os comandos estão no lado direito, e a alavanca fica à esquerda. Quem fez os primeiros caminhos foram os bichos. Muitas estradas foram construídas sobre seus rastros na costa de mares, lagos, lagoas e rios, nossos primeiros e naturais caminhos. Quando o homem domesticou os primeiros bichos – isto é, trouxe-os para conviver com ele, dentro ou perto da domus, casa – uma das preocupações foram os caminhos. Engenheiro que se tornou jornalista e escritor, Euclides da Cunha escreveu em “Os Sertões” um dos mais belos parágrafos sobre a relação entre o homem e o cavalo: “O sertanejo é antes de tudo um forte (...). Que lhe antolhem quebradas, acervos de pedras, coivaras, matas de espinhos ou barrancas de ribeirões, nada lhe impede de encalçar o garrote desgarrado, porque, por onde passa o boi, passa o cavaleiro com o seu cavalo.” O engenheiro descreveu uma cena em que boi, cavalo e cavaleiro dispensam a estrada, mas estradas e ruas, e o modo de circular por elas, sempre foram indicadores de civilização. Os antigos romanos construíram a “via”, de terra, depois “via strata”, isto é, calçada de pedras. Muitas delas ainda existem, inclusive a maior, de 3.000 km, ligando a Bélgica à Rússia. Quando se encontravam, cada qual escolhia o lado esquerdo, pois a maioria era de destros e assim podiam manejar melhor a espada. O cavalo, a espada e Napoleão estão na origem do costume de se andar à direita ou à esquerda. O imperador dos franceses era canhoto! E mudou de mão ruas e estradas. França e Inglaterra estavam, como sempre, em guerra. Os ingleses desenhavam um dedo indicador numa tabuleta, ou recortado em madeira, para indicar o sentido da rua. No mundo inteiro predominou a mão francesa, andar pelo lado direito. A Inglaterra é teimosa e continua à esquerda. (xx) • Escritor e professor aposentado da UFSCar, é autor de 34 livros, alguns publicados também em outros países. Trabalha nas universidades Estácio de Sá e Unisul.

domingo, 3 de maio de 2015

BICHOS QUE SE TORNARAM SOBRENOMES

http://www.jornalpp.com.br/…/95531-significados-de-nomes-e-… Os bichos não estão apenas ao redor da casa ou no pasto, estão também nos sobrenomes lusófonos, costume vinculado a crenças em totens, de que são exemplos Lobo, Tigre, Coelho, Carneiro, Raposo, Passarinho, Cordeiro, Bezerra, Cavalo, Vaca, Barata, Leão, Gato, Cão (Diogo Cão, navegador). Os antigos romanos tinham Fabius (de faba, legume) e Catulo (catus, gato). Os escandinavos deram origem a Bernardo (do Sueco baer, urso). Os índios brasileiros tinham Jaguar (onça), Piragibe (espinha de peixe), Poty (camarão). Também as árvores exemplificam a presença de totens em sobrenomes como Albuquerque e Carvalho (o étimo do Latim quercus, carvalho), Oliveira, Pinheiro, Nogueira etc. Exemplo curioso é o nome Raquel, ovelha em Hebraico, a palavra tornou-se nome próprio feminino, a comparação foi com a beleza, a delicadeza e a mansidão da ovelha. Camões, a referência solar da literatura portuguesa, fez um lindo soneto sobre a paixão de Jacó por Raquel, fechando os 14 versos com uma declaração de amor: “Mais servira, se não fora, para tão longo amor, tão curta a vida”. É que Labão, o sogro, quando Jacó lhe pediu Raquel em casamento, impôs como condição que o futuro genro trabalhasse sete anos em troca da filha. E o enganou ao final do período, entregando-lhe, não a bela Raquel, mas a feia Lia, que tinha “remela nos olhos” e cujo nome tem o significado de vaca selvagem e cansada. Jacó foi fiel à etimologia do próprio nome. Gêmeo de Esaú, mais tarde enganaria o irmão, com um prato de ervilhas. E, aconselhado pela mãe, Rebeca, cujo nome quer dizer animal atado com laço, vestiu-se de couro de cabrito para enganar o pai, Isaac, que, já cego, sabendo que Esaú tinha os braços cabeludos, quis conferir se era mesmo o primogênito que vinha buscar a bênção. Ele já andava desconfiado de Jacó, cujo nome quer dizer trapaceiro. Esaú quer dizer riso: sua mãe Sara riu quando o anjo disse que ela, aos 80 anos, engravidaria e daria luz àquele menino. (*) Escritor e professor aposentado da UFSCar, é autor de 34 livros, alguns publicados também em outros países. Trabalha nas universidades Estácio de Sá e Unisul.

sábado, 25 de abril de 2015

ETIMOLOGIA, COLUNA Nº 1.120, CARAS, 24 de abril de 2015

Arabesco: do Italiano arabésco, designando estilo de decoração das manifestações artísticas árabes, marcadas pelo entrecruzamento de linhas, ramagens e flores, sejam entalhados em pedra ou madeira, pintados, desenhados ou impressos, sem a figura humana, porque a arte islâmica não admite sua representação. Tornou-se também sinônimo de rascunho e rabisco. Canônico: do Grego kanonikós, pelo Latim canonicus, derivados, respectivamente, de kánon, originalmente haste de junco utilizada para medir, depois régua usada nas construções, consolidando-se como regra e modelo, significados mantidos no Latim canon, conjunto de coisas aceitas, como é o caso de cristãos santificados oficialmente e por isso ditos canonizados, isto é, postos no cânone. Como aconteceu com tantas outras palavras, cânone e canônico tiveram significado e sentido alterados por influência do cristianismo, de que são exemplos os quatro evangelhos canônicos – de Mateus, de Marcos, de Lucas e de João -, escolhidos dentre os cerca de quarenta existentes, impostos a partir do século IV, pela aliança então criada entre o império romano e os bispos, as mais altas autoridades cristãs do período. Entardecer: de tarde, do Latim tarde, lentamente, do mesmo étimo de tardare, demorar, e de retardatus retardado, aquele que demorou a crescer ou a desenvolver-se, sobretudo mentalmente. Entardecer designa os momentos que antecedem o pôr do sol, por volta das 18h, a hora do ângelus, assim chamada porque os sinos tocam as ave-marias, badaladas que lembram o início da gravidez de Maria, resumida em começo de frase extraída do Evangelho de Lucas, contando o diálogo entre o arcanjo Gabriel e a adolescente Maria, no entardecer do dia 25 de março do ano I de nossa era, na Galileia: “Angelus Domini nuntiavit Mariae” (O anjo do Senhor anunciou a Maria). O jornalista, romancista e poeta paraibano José Nêumanne Pinto (63), cujo estilo, na prosa como na poesia, é marcado por extrema correção com a língua portuguesa, tratou de outro viés do entardecer no poema Às cinco da tarde: “Entre o toureiro e a praça/ Firmam um pacto / Os patos e os tontos./ Entre o toureiro e a areia/ Tocam os sinos/ O dobre dos santos./ Entre o touro e a praça/ Dançam os sãos /A dança dos doidos”. Sumo: com o significado de suco, vem do Grego zomós, pelo Latim sucus e daí ao Latim vulgar hispânico zumu, de onde chegou ao Português. Já com o significado de supremo, o mais elevado, procede o Latim summus, como em sumo sacerdote e sumo pontífice, duas expressões surgidas nas narrativas cristãs, alterando, no segundo caso, a designação pontifex maximus, o cargo mais elevado entre os sacerdotes romanos pagãos, designando aquele que ia à frente do colegiado religioso nos desfiles e cerimônias públicas, cabendo-lhe a fiscalização para que os ritos fossem realizados conforme prescritos. Também os judeus tinham seu sumo sacerdote, que se chamava Caifás (século I) e presidiu a sessão do sinédrio, o supremo tribunal religioso, cujos poderes eram imensos, que condenou Jesus (? 6 a.C. – 27) por blasfêmia e o entregou ao governador da Judeia, Pôncio Pilatos (século I), que o condenou à morte por sedição. Um: do Latim unus, designando apenas o numeral no primeiro milênio, e com sentido artístico a partir do segundo milênio. Os antigos romanos representavam os números numa forma que ainda hoje prevalece, mas restrita a algumas funções, como em século I, capitulo II, seção III etc., mas depois que os árabes trouxeram os algarismos hindus para o Ocidente, predominaram os números árabes ou arábicos, cuja representação foi feita originalmente na Índia a partir dos ângulos que continham e só depois foram estilizados na forma com a qual se consolidaram: 1, 2, 3 etc., respectivamente com um ângulo, dois ângulos, três ângulos. Quem trouxe os números hindus para os países árabes, de onde se espalharam por toda a Europa, foi o sábio persa Abu Jafar Moahmed Ibn Musa (século IX), natural de Al-Kharizm, localidade do Ubezquistão, que, ainda criança, emigrou para Bagdá, no atual Iraque, acompanhando os pais. Xingamento: de xingar, do Quimbundo xinga, blasfemar, insultar, ofender, designando agressão verbal, em que frequentemente os animais são igualmente ofendidos quando invocados para ilustrar o que se quer criticar: anta, toupeira e burro, dirigidos a quem é falto de inteligência; gambá, para o bêbado; gato e rato, para ladrões; cobra, especialmente cascavéis e jararacas, para pessoas malévolas.

sexta-feira, 24 de abril de 2015

O BUCENTAURO DA DOGARESSA

Em Portugal, algumas palavras que aqui não são palavrões, lá são. E outras que aqui são, lá não são. Certa vez fui comprar um casaco para a Soila em Lisboa e a vendedora ofereceu-se para experimentá-lo, perguntando se seu corpo era parecido com o de minha então esposa. Concordei. Ela ainda perguntou: “de bóias também somos parecidas?”. Devo ter dado ares de ignorar a palavra. Ela esclareceu: “como sua esposa é de catarinas?”. A dona resolveu ajudar: ”as tetinas de sua esposa são menores, maiores ou mais pequenas do que as da rapariga que está a experimentar o cabedal?”. Arregalei os olhos e a simpática atendente ainda disse: “As maminhas dela são mais ou menos assim?” – e tomou os próprios seios nas mãos para explicar.
Assenti e balbuciei um duplo “sim”, já meio envergonhado. Ela vestiu o casaco, olhou-se de perfil no espelho e, virando a cabeça para mim, puxou a parte de trás da veste e deu o fecho final no diálogo: “Este lhe cairá bem, pois cobre-lhe bem o rabo”. Este diálogo seria impossível sem risos no Brasil. Mas eis que, para ilustrar palavras de uso frequente no Português e outras de uso raro, numa das aulas que gravei na Universidade Estácio de Sá recentemente, recorri a dois escritores e jornalistas que sempre tiveram notável domínio de nossa língua. Um deles é Carlos Menezes, já falecido, autor de “Elesbão, o bleso”, que escrevia em "O Globo". "Elesbão sofria de ofíase e criava em casa um gimnuro". Outro é Carlos Heitor Cony, que escreve na "Folha". Cheio de verve, em 14 de março passado chegou aos 89 anos. Dele estou lendo “O harém das bananeiras”, de crônicas.
A uma delas comparecem um doge e uma dogaressa que, recém-casados, navegam pelo mar Adriático num bucentauro. Pois é. Dogaressa é feminino de doge. E o bucentauro é semelhante ao centauro, com a diferença de que a metade do corpo é de boi, não de cavalo. Dá nome a embarcação luxuosa ainda existente em Veneza. “Boûs” é boi ou touro em Grego. Viram? Nenhuma das palavras desta crônica é palavrão! (xx)

sábado, 11 de abril de 2015

O CORNO, O PADRE DEVASSO E OUTRAS HISTÓRIAS

A história me foi resumida pela escritora Anna Maria Ribeiro, que vem a ser – adoro este “vem a ser” de nossa delicada língua portuguesa – sobrinha de Lúcia Miguel Pereira, uma das mais qualificadas estudiosas da obra de Machado de Assis, de quem foi biógrafa, e do historiador Octávio Tarquínio de Souza, marido de Lúcia. Seus tios morreram em famoso desastre de avião, ocorrido no dia 22 de dezembro de 1959, às 13h40, em Ramos, um bairro da zona norte do Rio, por erro de Eduardo da Silva Pereira, piloto da FAB, que tinha apenas 19 horas de voo. Ele descia em parafuso num Fokker quando atingiu um Viscount da VASP, que se preparava para pousar no Aeroporto do Galeão. Desgovernado, o avião da FAB, já sem o comandante, que saltara de paraquedas, caiu sobre uma casa no Morro do Alemão, causando apenas ferimentos leves numa dona de casa. Estavam no avião da VASP 32 pessoas, das quais morreram 31, salvando-se apenas um dos tripulantes. O total de mortos foi, porém, 42, pois dez morreram em terra. Morreu neste voo trágico, além dos tios de Anna Maria Ribeiro, também o repórter da revista O Cruzeiro, Luciano Coutinho, que voltava de Brasília, para onde viajara com a missão de cobrir o primeiro baile de debutantes da nova capital federal. Ele morreu no desastre, mas os negativos e as anotações da reportagem foram salvos, e a matéria foi publicada na edição de 15/01/1960 da famosa revista.
Anna Maria Ribeiro, antes da história do padre devasso, me contou também a crônica “Segura o corno!”, inusitada história de um general da repressão pós-64 que exigiu a presença de insólitas testemunhas para flagrar o adultério de sua jovem mulher. Conta a escritora, hoje com 85 anos, que Padre Antônio Feijó, regente do Brasil imperial, costumava fazer retiros espirituais numa fazenda. Por coincidência, ali morava uma prima jovem, bonita e solteira, que ganhava um nenê exatos nove meses depois de cada um destes retiros. E foram vários esses recolhimentos. Narrar é viver e reviver. (xx)

sábado, 4 de abril de 2015

POR QUE É SANTA ESTA SEMANA?

http://www.jornalpp.com.br/colunista/item/91970-por-que-e-santa-esta-semana
POR QUE É SANTA ESTA SEMANA? Deonísio da Silva º Semana não foi originalmente o período que vai do primeiro dia (o domingo) ao último (o sábado). Veio do Latim “septimana”, feminino de “septimanus”, que marcava a “nona”, o 9º dia antes dos “idus” de cada mês, que caíam no dia 15 ou no dia 13, conforme o mês. Mês veio do Latim “mensis”, ligado a “mensus”, palavra que servia para medir as quatro fases da Lua. E também o ciclo da mulher, chamado por isso “menstruação” (+ ou – 4 luas). A Lua e o Sol ajudam-nos a contar o tempo, que, para os homens, tem como lema a doce recomendação bíblica: “em tua existência fugaz, goza a vida com tua amada companheira porque esta é a parte que te cabe dos trabalhos que suportas”. Ano, do Latim annus, círculo, tem este nome porque designa o período que a Terra demora para dar uma volta ao redor do Sol. A volta que ela dá ao redor de si mesma chama-se dia, do Latim “dies”, designando o espaço entre o nascer e o pôr do Sol, inicialmente. A parte escura em Latim é “nox”, noite. O Sol está em solene e solenidade... Calendário, do Latim “calendarium” veio de “calendae”, do verbo “calare”, convocar, designando o primeiro dia de cada mês, dia de pagar as contas, inclusive os impostos! Mas a semana santa começou de fato na quinta-feira, uma vez que ninguém chama os três dias anteriores de santos. Só os três últimos (quinta, sexta e sábado). Também a quaresma, que termina hoje, domingo, começou na quarta-feira de cinzas (18/2). Teve 45 dias. Ou no domingo de ramos (15/2), segundo alguns livros de referência, totalizando 48 dias. Mas quaresma veio do Latim “quadragesima”, aludindo ao número “quadraginta”, quarenta. Jesus marca o tempo (a.C. e d.C.) porque 4 dos 40 evangelhos escritos entre os séculos I e III contaram sua biografia. Como diz o narrador de “Avante, soldados: para trás”, não fossem os evangelistas, Jesus teria existido, mas ninguém saberia Dele! Donde este caráter sagrado da escrita, que é mais sacerdócio do que profissão. De resto, escritor é profeta, não porque diz o futuro, mas porque o interpreta ao narrar presente e passado! (xx)

sábado, 7 de março de 2015

NA ESTÁCIO, UM NOVO MODO DE ENSINAR PORTUGUÊS

Conheça mais sobre Deonísio da Silva: http://globosatplay.globo.com/gnt/v/1976630/ Deonísio da Silva recebeu da Universidade Estácio de Sá a missão de ser o guardião da Língua Portuguesa na Casa. Seu trabalho começa por coordenar a elaboração e organização de novos conteúdos, outras bibliografias e formas inovadoras de ministrar a disciplina nos cursos de graduação que a Estácio mantém em vinte estados da federação onde a instituição tem câmpus ou polos, presencialmente ou à distância. A ideia é valorizar a leitura, orientada durante as aulas e em domicílio, como recurso de ensino em novas modalidades, principalmente eletrônicas, em textos, áudios e imagens. Para isso, professores e alunos recorrerão a obras referenciais em domínio público, mas também àquelas que demandam cessão do devido copyright. ___________________________________________________
O escritor e professor Deonísio da Silva, Doutor em Letras pela USP, com vínculos na UFScar (pela qual aposentou-se como professor federal), na Estácio de Sá e na Unisul, onde desenvolve e coordena importantes projetos ligados ao livro, é mais conhecido como autor de contos e romances, tendo recebido prestigiosos reconhecimentos, como os prêmios da Biblioteca Nacional e o Prêmio Internacional Casa de las Américas, este último com o Nobel José Saramago na comissão julgadora. Mas ele é também autor de livros referenciais para o ensino do Português, como a "De onde vêm as palavras", "Palavras de Direito: o verdadeiro significado leva à clareza", " A língua nossa de cada dia" e "A vida íntima das frases". Ele faz há décadas trabalhos relevantes para apoio do ensino do Português e suas literaturas: em jornais, em revistas (como a de Etimologia, na revista Caras), na televisão, no rádio e em blogues. Seu programa "Sem papas na língua" que apresenta na companhia de Ricardo Boechat na Rádio Bandeirantes, às 5as. feiras, 10h, e na de Pollyanna Brêtas, às 2as. e 4as. feiras, às 20h30, tem enorme audiência e boa repercussão em todos os públicos, de diferentes faixas etárias e diferentes níveis de instrução. Entre os atuais trabalhos de Deonísio da Silva está a coordenação editorial da História da Literatura Brasileira de Carlos Nejar, ora publicada pela Unisul. Conheça mais sobre Deonísio da Silva: http://globosatplay.globo.com/gnt/v/1976630/

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

ANEDOTA É O QUE NÃO FOI PUBLICADO

Compro muitos livros pelas internet, mas nada substitui a livraria, onde você pode procurar novidades nas estantes, não nos “sites”, onde jazem escondidas em profundos sepulcros. Semana passada, visitava a Manu, minha filha, que me trouxe um filho, o Rodrigo, pois filha traz um filho, e o filho abandona os pais, e na Livraria Cultura, sem procurar, encontrei uma obra deliciosa. É “Enciclopedia degli aneddoti”, do italiano Fernando Palazzi, falecido em 1962, aos 78 anos. O autor escrevia para o “Resto del Carlino”, jornal de Bolonha, cujo nome faz referência a uma antiga moeda, dos tempos do estado pontifício, cunhada entre os séculos XIII e XVIII, conhecida como “carlino”, em referência à efígie de Carlos I (Carlo D’Angiò, na Itália; Charles D’ Anjou, na França). Ficou presente na expressão popular “dare il resto del carlino” a alguém, isto é, dar pouco, quando ela valia em torno de dez centavos da lira. Depois evoluiu para “dare ad ognuno il so avere” (dar a cada um o que lhe pertence, isto é, pouco ou menos do que deseja). No Português do Brasil é “dar a cada um o que merece”, mas num sentido vingativo. Outras são “regolare i conti” (acertar as contas), não em sentido matemático, e “pungolare i potenti i fustigare i prepotenti” (aguilhoar os fortes e açoitar os prepotentes). Em Português popular, “descer o cacete”. Eis algumas amostras destas anedotas. Quando menino, Beethoven, cansado de repetir as mesmas músicas ao violino, mudava as notas, desapontando o pai. “Não te agrada esta variação?”. “Agrada, mas primeiro aprende e depois inventa”. De Carlos IX, logo após o massacre dos protestantes em 24/8/1572, contemplando o cadáver de um almirante: “ como é agradável o fedor do inimigo assassinado”. Mecenas de escritores e de artistas, o mesmo rei francês disse deles: “são como cavalos de raça: devem ser bem alimentados, mas sem engordá-los, senão não correm direito”. O tirano Dionísio, depois de saquear vários templos, navegava de volta a Siracusa, sob ventos favoráveis e disse: “os deuses providenciam bons ventos para os sacrilégios”. Reclamaram de Bismarck que suas tropas tinham destruído animais empalhados do Instituto dos Cegos, na invasão da Itália. Ele reclamou: “Vocês fizeram pior: dispararam sobre nossos soldados, todos jovens, fortes e sãos”. O étimo de anedotas é o Grego “anékdota”, não publicado. Mas, quando publicadas, se a redação é boa, guardam os sabores deliciosos de como são contadas na fala. (xx)

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

CARTAS COMPROVAM QUE AS CIGANAS MENTEM

Scone é um tipo de doce de farinha de trigo. O nome veio do médio Alemão schoon (bonito, puro) brood (pão). O presidente dos EUA (Einsenhower) e sua esposa gostaram tanto dos scones servidos pela rainha Elizabeth II, que pediram a receita. Ela a enviou por carta. “Ingredientes de scones para 16 pessoas: “bata os ovos (2) o açúcar (4 colheres grandes) e 50% do leite (2 xícaras); acrescente a farinha (4 xícaras), misture bem, adicionando o restante do leite, o bicarbonato (2 colheres pequenas) e o creme de tártaro (3 colheres pequenas); junte a manteiga derretida (2 colheres grandes) e misture tudo”. Esta e outras cartas estão no livro “Cartas extraordinárias: a correspondência inesquecível de pessoas notáveis” (Companhia das Letras). Há outras igualmente curiosas. Groucho Marx escreve a Woody Allen, que estava magoado porque GM demorava já dezesseis anos para responder. Charles Dickens escreve ao “Times” propondo que a pena de morte seja aplicada em privado, não em público, como ele, horrorizado, tinha assistido. Fidel Castro, então com 12 anos, escreve ao presidente dos EUA (Roosevelt), pedindo “uma nota verde americana de dez dólares”. Elvis Presley, que colecionava distintivos policiais, pede mais um a Nixon: do Departamento de Narcóticos e Drogas Perigosas, oferecendo-se para ser dedo-duro Há ardentes cartas de amor e frios memorandos presidenciais. Num deles, Nixon é preparado sobre o que dizer em caso de desastre da Apolo 11 na Lua: “Neil Armstrong e Edwin Aldrin sabem que não há esperança de resgatá-los”. Beethoven escreve a seus irmãos revelando que sofre de surdez desde os 26 anos. Tem 32 e pensa em suicidar-se. Não o faz e duas décadas depois compõe a 9ª Sinfonia. Mário Puzo escreveu a Marlon Brando informando que terminara “O poderoso chefão”. A Paramount não quer MB no filme. Coppola faz apenas uma tomada e a exibe aos executivos. Eles mudam de ideia. Depois MB recusou o Oscar que ganhou pelo filme. Estas cartas mostram que viver é travar lutas. Umas, agradáveis. Outras, terríveis! (xx)

VIDA MISTERIOSA DO FUNDADOR DA NEWSWEEK

Meu artigo de hoje, 13/2/2015, no jornal O Globo.
Há poucos anos, um vídeo de apenas cinco minutos, feito pelo brasileiro Edson Bruno e exibido pela CNN, falado em inglês, mostrava que o fundador da famosa revista Newsweek está enterrado em Agrolândia, pequena localidade de apenas 9.323 habitantes, no interior de Santa Catarina, a 274 km de Florianópolis.
Em janeiro de 2015, estive lá, com o fim de pesquisar este novo mistério catarinense. Sou um detalhista apaixonado por minúcias. Nas biografias que leio, já nas primeiras páginas vou desconfiando de ninharias desprezadas pelos autores. Foi assim quando escrevia o romance Lotte & Zweig, cujas personagens solares são o escritor judeu-austríaco StefanZweig e sua esposa, a judia-polonesa Elizabeth Altmann. Donald Prater, o biógrafo inglês de Stefan Zweig, deu pouca importância ao diabo das pequenas coisas, presente na vida do casal. O jornalismo atual exagera no uso do telefone e da internet, ignorando fontes preciosas, só acessíveis aos olhos e aos ouvidos de quem vê e ouve para depois narrar. Quando estava na Espanha para escrever outro romance, Teresa d´Ávila, perguntei a um de meus interlocutores por que razão o túmulo de um dos Herodes estava no caminho para Ávila. Ele me disse: “Homem, a pessoa é enterrada onde morre”. Pois o fundador da Newswek, o aviador inglês Thomas John Cardell Martyn, derrubado pelos alemães na Primeira Guerra, está enterrado no cemitério de Agrolândia (SC). Ele está enterrado ali, mas sua perna direita, não! Ele a perdeu na queda e usava uma prótese mecânica. A Newsweek, fundada em 1933, tornou-se uma das maiores revistas de informação do mundo e chegou a circular em 132 países, com edições de 3,2 milhões de exemplares (agora, está apenas na internet). Thomas Martyn conheceu Irmgard Stahnke no Rio, onde ela trabalhava de doméstica, indicada por soldado de Agrolândia recrutado para a guarda presidencial. O certo é que se casaram em São Paulo, em 8/4/1961. Ela estava com quarenta, ele com 65 anos. Muitos anos depois foram morar em Agrolândia para que, quando o marido morresse, a esposa tivesse o amparo dos familiares. Mas ela morreu primeiro, em 1973, aos 53 anos, de câncer no útero, segundo a certidão de óbito. O irmão dela, o alfaiate Afonso Stahnke, atualmente com 79 anos, diz que o câncer foi no ânus e ela sofreu muito com um tratamento à base de cauterizações, feito nas semanas finais de sua existência. O marido, que tinha acrescentado Mary ao nome da mulher, declarou ao cartório, “por respeito”, que ela falecera de complicações cardíacas por causa de um câncer no útero. Mas pediu que o declarante fosse o cunhado. Martyn morreu em 1979, aos 84 aos, também de câncer, uma das maiores causas de morte na região. Talvez em decorrência de tantos inseticidas nas plantações de fumo. A maioria dos documentos foi queimada, como se faz com o fumo. Mas por quê? Este é apenas mais um dos mistérios na vida deste homem invulgar. (xx)

sábado, 7 de fevereiro de 2015

TELEFONE CELULAR VIROU PRAGA

(versão impressa desta crônica, amanhã, no PRIMEIRA PÁGINA)
“A praga tem este nome porque todos os telefones estão ligados por células fixadas em antenas postas em torres de tantos em tantos quilômetros, eu estava pensando nisso quando sentei ao lado da minha mulher, ela já dedilhava o seu celular, temos dois vasos, um ao lado do outro no mesmo recinto, daí levantei sacudi bem o dito cujo, coisa que as mulheres não precisam porque nelas nada é dependurado, lavei as mãos, escovei os dentes, ela continuava no celular, fiquei pelado, pendurei o pijama, abri o chuveiro, minha mulher continuava no celular, tomei um longo banho, me enxuguei, ela continuava no celular, eu lhe disse ’vou me vestir, tomar café e ir pro trabalho, hoje o dia vai ser difícil, veja como está começando’, ela disse ‘ok, bom trabalho’, mas eu só fui ver isso porque ao entrar no quarto o meu celular estava apitando, que coisa, ela preferiu me mandar uma mensagem pelo whatsapp a falar comigo, as relações, mesmo entre marido e mulher, estão deste jeito, me vesti, tomei café, saí e encontrei a vizinha que voltava da rua puxando dois cachorros, o pirralho caminhava ao lado, mãe e filho dedilhavam cada qual o seu celular, o porteiro estava dedilhando o dele também, desci para a garagem, meu vizinho estava saindo em seu carro, nem me olhou, estava falando ao celular aos berros, com o carro todo fechado, só percebi pela mímica raivosa, pensei em cometer algum ato que tirasse a todos daquele torpor, nisso se aproxima uma linda mulher com um shortinho feito de um guardanapo, uma blusa que apertava peitos e bunda siliconados, ela estava com um celular na mão e foi logo dizendo ‘poderia fazer uma foto minha para eu mandar pro meu marido?’, eu disse ‘só se for para a senhora mandar pro seu amante’, ela me disse ‘o senhor é vidente?’, eu disse ‘sou, a senhora quer de frente ou de costas?’, ‘de costas, claro’, ela disse, ‘meu marido ficou lá no banheiro dedilhando o celular e vai adorar receber uma foto minha’, eu só pensei ‘não há mais gente, estou cercado de repolhos neste condomínio”.

sábado, 31 de janeiro de 2015

67 PESSOAS SÃO DONAS DE MEIO MUNDO

Vi o filme “A Toupeira”, em Lisboa, quando ele foi lançado, em 2011. O romance em que foi baseado é “Funileiro Alfaiate Soldado Espião”. Publicado em 1974, é da autoria do escritor britânico John Le Carré, um professor universitário e diplomata que trabalhou no MI6, o serviço secreto inglês, cuja sigla quer dizer “Military Inteligence, section 6”. Lá pelas tantas, o ator Gary Oldman, na pele do espião George Smiley, o mais emblemático dos personagens de Le Carré, diz que o fanático tem um ponto fraco: ele sabe que está enganado, mas não reconhece isso. O conceito aparece quando Smiley conta a um colega que um espião russo seu amigo foi torturado por americanos, perdeu as unhas de todos os dedos e voltou para a URSS com fama de traidor, sabendo que ao chegar sofreria muito mais e provavelmente acabaria fuzilado. Corta para hoje. O livro mais lido do mundo atualmente é “O capitalismo do século XXI”, uma obra de economia e política, do autor francês Thomas Piketty. (No Brasil, perde apenas para o de Edir Macedo). A tese central é: o mundo deu uma virada. O capital rende muito mais do que o trabalho. Estão ficando incomensuravelmente mais ricos aqueles que vivem de rendimentos do capital. Nem sempre foi assim. Desde o pós-guerra até a década de 1980, o crescimento da economia, produzido pelo trabalho, rendia mais do que o capital. O mundo virou de tal modo que hoje 67 pessoas têm 1,72 trilhão de dólares, a mesma quantia que têm 3,5 bilhões de pessoas, isto é, metade da Humanidade. É aí que entra o fanático. Neste janeiro de 2015, os gregos tornaram vitoriosa uma coligação de extrema esquerda e com isso colocaram um cavalo de troia em frente aos portões da zona do euro. É um presente de grego. Resta saber quem são os fanáticos. Eles ou os europeus dominados pelos alemães! Na guerra em que os gregos venceram os troianos, o cavalo estava cheio de soldados. E agora? Não sabemos. Muitos dizem que no Brasil a toupeira é a presidente Dilma! Marta Suplicy já pulou fora. Outros indicam que vão fazer o mesmo. (xx)

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

ETIMOLOGIA DE AFUNDAR,CÁTARO,GLIFO, LOBO MAU, PIRÂMIDE, TRUFA

Afundar: do mesmo étimo do Latim fundus, fundo, seja de mar, lagoa, rio, buraco, bolsa, bolso, recipiente etc., aplicando-se também a ordenações financeiras, como fundo de investimento, a fundo perdido e a sinônimo de realidade escondida (“no fundo, ele é uma boa pessoa”). Precedido de “a”, e com a terminação em “ar”, faz este verbo que designa ir para baixo, como acontece no mar em casos de naufrágios. Em 1943, já eram 36 os navios mercantes brasileiros afundados por submarinos alemães perto da costa catarinense durante a Segunda Guerra Mundial. Aliás, um destes submarinos, o U-513, foi recentemente localizado pelo velejador Vilfredo Schurmann. Foi levado a pique por um hidroavião americano no dia 19 de julho de 1943. O almirante Friedrich Guggenberger (1915-1988) e diversos outros oficiais foram salvos pelos próprios americanos, mas os corpos de 47 nazistas ainda estão no fundo do mar. Outro submarino alemão, o U-199, está no fundo do mar, nas proximidades da cidade do Rio de Janeiro. Cátaro: do Grego katharós, sem mancha, puro, pelo Latim tardio catharus, designando uma seita surgida no séculoi XI na Panônia, na Hungria atual, composta de cristãos que precederam São Francisco de Assis (1881-1226) na defesa e na prática da pobreza. Eles habitavam a região de Albiga, hoje Albi, na França, e por isso foram chamados cátaros abigenses. Depois de sofrerem perseguições das mais cruéis da História, foram exterminados no século XIII. A denominação “cátaro” foi propositalmente misturada ao Alemão Ketzer, feiticeiro, adorador de gato, herege. Os cátaros eram muito ricos e, segundo narrativas medievais – históricas, umas; lendárias, outras - boa parte dos imensos tesouros que guardaram foram levados à Itália. Glifo: do Grego glyphé, pictograma gravado em pedra, gravura, entalhe. Veio a designar sinais. É uma figura que dá um tipo de característica particular a uma figura. Neste sentido, são glifos os indicadores ordinais em forma circular postos ao ao lado dos números, à direita, no alto de cada um deles. Exemplos: 1º (primeiro, 2ª etc. São glifos também a arroba (@), as apas (“ “), o chevron (< >), a cerquilha, também chamada tralha e jogo da velha (#), o apóstrofo (‘), o asterisco (*), o ampersand (&), os dois pontos (, as reticências (...), o til (~), a barra (q), a barra invertida (\), o asterisco (*) etc. Lobo Mau: do Latim lupus, lobo, e malus, mau, designando animal real ou lendário, presente em numerosos contos de fada, fábulas e outras narrativas muito populares. O mais popular é Lobo Mau da história Chapeuzinho Vermelho, cuja estreia literária dá-se em 1697 no livro do funcionário público francês aposentado Charles Perrault (1628-1703), Contos da mamãe gansa. O autor baseou-se em fato real: um lobo de 65 quilos que havia matado várias crianças e adolescentes no interior da França. E os lobos reais ainda continuaram o terror dos pequenos em muitas localidades, até que, uma vez dizimados, foram confinados às páginas dos contos de fada. Pirâmide: do Egípcio pi-mar, pelo Grego pyramís, torta, bolo, de pyrós, grão. Desde os primeiros registros, esses famosos monumentos em forma de poliedros têm sido designados por comparação com gigantescos pães, tortas ou bolos. As pirâmides são o ponto mais alto dos cuidados dos antigos com os mortos. Certamente, as primeiras sepulturas tiveram duas funções: registrar o local onde foi enterrado o morto e proteger o cadáver da investida de ladrões, chacais e outros carniceiros. Foi o faraó Djoser (2670-2649 a.C.) o primeiro a erguer um sepulcro em forma de pirâmide com uma escada externa para que o morto possa subir até ao céu, para ficar junto ao deus Rá. No Vale de Gizé, a cerca de 25 km do Cairo, estão as pirâmides egípcias mais famosas: as que serviram de túmulo aos faraós Quéops, Quéfren e Miquerinos, todos do 3º milênio a.C.. Mas este tipo de construção foi encontrado também em muitos outros países, como também o Peru e o México. Trufa: do Latim clássico tuber, tubérculo, pelo Latim vulgar tufera, depois truffa no Provençal e truffe no Francês. Designa fungo subterrâneo, de sabor e aroma agradáveis, e um bombom feito inteiramente de chocolate. Tem também o sentido de zombaria e troça, porque é em forma de trufa a bolinha que o palhaço põe na ponta do nariz com o fim de parecer engraçado. Pode ter havido associação com a dificuldade de encontrá-las, para cuja tarefa eram usados porcos (atualmente, os cachorros substituem os porcos porque os suínos comiam a maior parte do que encontravam), pois eles fuçam à procura delas, principalmente ao pé de carvalhos, álamos, aveleiras e salgueiros. As trufas podem ser brancas ou pretas, e provêm da Itália, da Itália, da Croácia, da Sérvia e da Eslovênia, os principais países exportadores. Como tempero, a trufa deixa o prato muito caro. Um simples risoto à parmigiana, se tiver frutas, chega a cerca de R$ 500 em restaurantes brasileiros. DE

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

ALGARISMO, CONTAR, DÍGITO, ROMANO: DE ONDE VIERAM ESTAS PALAVRAS?

Algarismo: do Árabe alkharizm, do nome do célebre matemático e astrônomo Abu Jafar Muhammad Ibn Musa Al-Khwarizm (780-850), natural da localidade de Kharizm, designando cada um dos caracteres que representam os números de zero a nove. Ele foi para Bagdá, no atual Iraque, a convite do califa Abû al-`Abbâs al-Ma'mûn `Abd Allah ben Hârûn ar-Rachîd, mais conhecido por Al-Mamum (786-833), que em árabe quer dizer "aquele em quem se tem confiança, que é leal”. Esse califa queria reunir os sábios do mundo inteiro na capital de seu império, com vistas a fazer de seu reino um centro que contemplasse todos os saberes. Contar: do Latim computare, cum, com, putare, julgar, relatar, considerar, donde reputação, de putus ou putum, de que são exemplos argentum putum, expressão aplicada ao dinheiro em prata pura, e putus, menino em Latim e ainda com o mesmo significado no Português de Portugal. Quando uma nova forma de contar e calcular chegou ao Ocidente, vinda do Árabe alkharizm, o Latim medieval adaptou a nova palavra para algorismus. Nas denominações da técnica e da arte de contar, não no sentido de narrar, mas no de fazer contas, houve influência das palavras gregas mathemátos, conhecimento, do verbo manthán, aprender, e de aritmós, número, donde aritmética. Dígito: do Latim digitus, dedo, seja da mão, seja do pé, quer de homens, quer de animais. Como o homem usou o corpo para medir o mundo - dedo, mão, palmo, braço, braça, pé, passo etc – o dedo pode ter sido a base do sistema decimal. Os dedos tiveram e têm também nomes: pollex, polegar; index, indicador; medius, médio, o maior de todos os dedos da mão, mas chamado de médio por estar no meio dos cinco: era chamado também summus (mais alto) impudicus (impudico, obsceno), infamis (infame, isto é, de má fama); quartus (quarto dedo) honestus (honesto), anularis (anular, porque ali era posto o anel de noivado, representando a aliança) e minimus, mínimo, mindinho. Esquina: provavelmente do Germânico skina, barrinha de madeira, metal ou osso, servindo de comparação com o Latim angulus. Assim, no encontro de uma rua com outra, dá-se uma esquina ou ângulo, semelhando encontro de ossos, de madeiras ou de metais em construções. Um exame atento aos algarismos indo-arábicos, assim chamados porque foram inventados na Índia e trazidos ao Ocidente pelos árabes, detecta nas formas originais com que foram escritos o número de esquinas ou ângulos em cada um deles. Assim, o número 1 tem um ângulo; o 2, dois; o 3, três, e assim sucessivamente, com exceção do zero, sem ângulo algum. Galho: provavelmente do Latim galleus, isto é, à maneira de galla, galha, excrescência de algumas árvores, para designar as extensões das quais saem os ramos, onde, por sua vez, estão presos folhas, flores e frutos. É palavra de múltiplos significados, ensejando muitos sentidos, de que são exemplos: galho como chifre, daí migrando para designar o marido traído, pois galho ou corno não deveria estar na cabeça do marido e, sim, na cabeça do boi; galho como amor ilícito ou relação extraconjugal; afluente de rio; briga e confusão, pois nelas, à falta de armas ou pedaços de pau, um galho servia: donde quebrar um galho, isto é, resolver um problema, que pode ser também literal, pois na mata, para abrir picada ou caminho, é preciso quebrar galhos; pôr o galho dentro, isto é, retirar-se da confusão, da discórdia ou da polêmica, aceitando decisão contrária: neste caso o galho é posto dentro de casa, sentido que migrou também para outros significados, como aceitar uma relação que era galho da árvore do casamento, trazendo a moça para dentro de casa; balançar o galho da roseira, proferida com ironia para designar o ato de eliminar gazes, soltar uns traques, naturalmente de cheiro desagradável, sem o odor das rosas desprendidas do galho com a sacudida; um galho de arruda sob o travesseiro atrás da orelha para dar sorte. Romano: do Latim romanus, de Roma, provavelmente adaptação do gótico hrôms, glória. Identifica algarismo em forma de letra e também um determinado tipo de caractere, além de ser referir a tudo que diz respeito a Roma e a seu famoso império, dono de quase todo o mundo conhecido até o século XV. Os algarismos romanos representavam os números com letras: I, V, X, L, C, D e M correspondiam a 1, 5, 10, 50, 100, 500, 1000. Os romanos não precisavam do zero porque não estavam interessados em cálculos e, sim, em determinar quantidades, contando animais, armas, objetos, soldados, pessoas. E durante muitos séculos toda a Europa, ignorando o zero, viveu muito bem sem ele. Mas a numeração romana persistiu nos nomes de papas, de reis, de séculos, de ruas, das horas nos relógios, dos capítulos de livros etc.

sábado, 24 de janeiro de 2015

BOI NA LINHA: A VACA TOSSIU E VAI PRO BREJO

A presidente Dilma garantiu que não mexeria em Férias, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, nem em hora extra: “Eu não mudo nem que a vaca tussa”. A promessa foi feita em 10 preciosos segundos: https://www.youtube.com/watch?v=J73sH0EI1Ig A dupla Tião Carreiro e Pardinho faz divertidos comentários cantados sobre expressões nas quais aparecem bichos, de que é exemplo “matar a cobra e mostrar o pau”. São 22 segundos: https://www.youtube.com/watch?v=tz3Scg7NBpE “Nem que a vaca tussa” designa impossibilidade. Mas a vaca tosse, dizem os veterinários! Orientada pelo marqueteiro João Santana, a presidente, então candidata, usou palavras e expressões que todo mundo entende. Os animais aparecem com frequência nas conversas. Outros exemplos são: “A vaca foi pro brejo”. Brejo é terra úmida, pantanosa, a vaca pode atolar-se, isto é, ir para o atol, lamaçal, de onde é difícil tirá-la. E lá ela mantém um “olhar de vaca atolada”. Parece de admiração, é que ela não pode fazer nada para sair dali. Outra: “Aonde a vaca vai, o boi vai atrás”. Não é verdade. Não é o boi, que já é animal castrado. É o touro.
Outra: “Chutar o balde” é ainda pior do que “chutar o pau da barraca”. No primeiro caso, derrama o leite ou, se o sujeito vai ser enforcado, enforca-se o cara de uma vez. Outra: “Pensando na morte da bezerra”. Esta é de origem hebraica: bezerros e bezerras eram oferecidos em sacrifício; havia casos em que as crianças eram apegadas a eles e choravam. Mas de nada adiantava.
Mais uma. “Tem boi na linha”. Designa atrapalho, obstáculo, dificuldade. Boi na linha era sério problema no Brasil quando Irineu Evangelista de Sousa, o Barão de Mauá, construiu, no Rio, a primeira estrada de ferro, inaugurada no dia 30 de abril de 1854. Não foram colocadas cercas nas laterais dos trilhos e por isso era comum que os bovinos atravessassem a linha ou até deitassem sobre os trilhos. A expressão passou a ser aplicada também a escutas indevidas na linha do telefone. Quer dizer, os animais são eternos em nossas conversas. (xx)

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

LEITE DA MULHER AMADA OU DA MÃE AMADA?

No Brasil, deu-se tradução libidinosa a um vinho branco, meio doce, de garrafa azul, importado da Alemanha. É o “Liebfraumilch” (leite da mulher amada). O nome é referência à “Liebfrauenstift Kirche” (Igreja de Nossa Senhora). “Milch”, em alemão antigo, é variante de “Minch” e “Monck”, monge. “Frau” é Senhora. E “Lieb” pode ser amada, bondosa, querida. Como se vê, o que era sagrado na Alemanha, virou profano no Brasil. Leites impossíveis aparecem em outras expressões, de que é exemplo “beber leite de galinha”, antiga forma de designar coisa rara e preciosa, mas impossível de ser obtida. Foi registrada nas comédias “Os pássaros” e “As vespas”, peças do grego Aristófanes ( entre séc. V e IV a.C.). Autores latinos, como Luciano e Petrônio, também mencionaram a raridade, mas Plínio, que cochilava e mentia mais do que Homero, atestou ter bebido leite de galinha, dizendo-o de gosto bom. Nas literaturas francesa, italiana e polonesa também encontramos essas impossibilidades. No Brasil, vindo de Portugal, chegou outro leite impossível, o leite de pato. Trabalhar a leite de pato é fazer o serviço de graça, e jogar a leite de pato é jogar sem envolver dinheiro. E o leite batizado? Antigos entregadores, aproveitando-se que o leite era gordo, misturavam-lhe água, fraudando aqueles a quem deveriam entregar leite puro. A expressão nasceu do gesto do padre, que, no batismo, derrama água sobre a cabeça da criança quando lhe administra o sacramento. Uma coisa santificada ajudou a designar atividade ilícita. O leite está também no pedido “me dá um pingado”, em que há elipse da palavra “leite”. O que se quer é um café no qual seja pingado um pouco de leite, isto é, que tenha mais café do que leite. Já esconder o leite é ocultar alguma coisa, como fazem as vacas durante a ordenha manual. Mãe amorosa, a vaca esconde o leite, que depois libera para o bezerro, condenado a ficar só com o apojo. Leite da mulher amada é libidinoso. Mas da mãe amada, como sugere o original em alemão, não! (xx)

FUNDADOR DA NEWSWEEK TRABALHOU PARA A CIA NO BRASIL

Thomas John Cardell Martyn trabalhou para a CIA, na operação Mockingbird, cujo objetivo era influenciar a mídia no mundo inteiro. Ele morreu em 1979 e está enterrado em Agrolândia (SC), localidade de apenas 9.000 habitantes. Foi o fundador da revista Newsweek, como está escrito em letras de metal no seu túmulo, ao lado da esposa catarinense Irmagard Stahanke. O número um circulou no dia 17 de fevereiro de 1933.
Com apenas sete fotografias, vendeu 50.000 exemplares. Mais tarde venderia 3,2 milhões, em 192 países. Hoje suas edições impressas saem em Japonês, Coreano, Polonês, Árabe e Turco. Tem também uma edição internacional em Inglês, mas a edição americana é eletrônica.

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

NEWSWEEK E UM MISTÉRIO NO CEMITÉRIO DE AGROLÂNDIA (SC)

Cemitério de Agrolândia (SC). Vida misteriosa do fundador da revista Newsweek, que morreu na cidade natal de sua segunda esposa, a agrolandense com quem ele se casou em São Paulo, em 1969, quando ela estava com 28 e ele com 53 anos. É só uma palhinha que dou aos meus amigos do Facebook. Antes de fundar a revista famosa, em 1933, ele era piloto e foi abatido na Primeira Guerra Mundial, quando perdeu a perna direita. Soube dele por matéria da CNN, feita pelo brasileiro Edson Bruno, em inglês. Está aqui: https://www.youtube.com/watch?v=aCwOFB8F3XU

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

O BRASIL NÃO É MONOTEÍSTA, É HENOTEÍSTA

O Brasil integra a civilização ocidental cristã, que se diz monoteísta, mas acho interessante destacar esta miudeza: não somos monoteístas, pois temos muitos personagens ou pessoas tratados como deuses. Então, somos henoteístas. As palavras “henoteísmo” e “henoteísta”, até então desconhecidas da maioria de nossos ouvintes da Bandnews, apareceram no dia 1º de janeiro de 2015, no programa SEM PAPAS NA LÍNGUA, criado pelo jornalista Ricardo Boechat, depois de uma entrevista que fez comigo nos idos de março de 2011. Se alguém quiser o áudio, é preciso baixá-lo no Google Drive: https://drive.google.com/file/d/0B_onW3GxIVpMdlRxV2paaFBIX3c/view?usp=sharing Estas palavras, “henoteísmo” e “henoteísta” foram criadas pelo orientalista alemão Max Müller, falecido em 1900, aos 77 anos, quando estudava as três religiões monoteístas: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. Elas têm um único deus, tido por supremo, mas não negam a existência de outros deuses. Na linha dos saberes históricos e religiosos do professor alemão, voltou recentemente ao assunto a professora inglesa Francesca Stavrakopoulou, de 39 anos. Na série de televisão da BBC, “Os Segredos Enterrados da Bíblia”, apresentada em 2011, ela comprovou que Jeová era casado com uma deusa chamada Asherath, abandonada depois do cativeiro da Babilônia, quando também o episódio da expulsão de Adão e Eva foi deslocado do meio da Bíblia para o livro de abertura, o Gênesis. Era preciso fazer uma releitura, mostrando que era a mulher (Eva) quem tinha errado, não o homem (Adão). Anjos, santos, santas e divindades afro-brasileiras evidenciam que somos henoteístas e não monoteístas, pois tais entidades são tratadas como deuses e deusas. Temos boas amostras desses cultos nos festejos de fim e de começo de cada ano. Não se pede a intercessão deles, pede-se a graça diretamente. Ou Iemanjá, mulher de Oxalá, mãe de Ogum e de Oxóssi, é intermediária de algum deus? (xx)

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

FOLHINHA COM DIAS PRETOS E VERMELHOS. POR QUÊ?

SEM PAPAS NA LÍNGUA DE 1/1/2015 https://www.youtube.com/watch?v=a23945btJYw ETIMOLOGIA E CURIOSIDADES DOS CALENDÁRIOS Nada de Michel Teló e assemelhados! Nosso primeiro programa do ano na Bandnews FM 94,9 começou música de Beethoven e letra de F. Schiller,a companhia de Ricardo Boechat e Maíra Gama, que me acham onde quer que eu esteja. A "folhinha" remete às sibilas que escreviam em folhas de árvores as profecias do ano que começava. Feriados, domingos, e dias santificados têm a cor vermelha, remetendo ao Latim vermiculus, originalmente um verme de fornecia o pigmento para tingir as roupas dos nobres: civis religiosos, militares. Outro fornecedor era a púrpura, molusco de difícil captura. A caça e a pesca dos dois era proibida para que somente os poderosos tivessem acesso a essa cor. O cartão vermelho nos campos de futebol (proibição), o rubor nas faces (indicador de vergonha na cara, sentimento nobre-, os outros amarelam de medo...) e outros símbolos com essa cores nasceram aí.
O homem sempre olhou para cima, para o céu, de noite ou de dia, não apenas pelos fenômenos atmosféricos, mas porque foi originalmente coletor (de frutas: precisava saber as estações em que elas davam...), caçador (caçava à noite: noites claras, de Lua iluminando a mata, eram observadas com cuidado), agricultor, pecuarista. Precisava conhecer, medir, contar o tempo, pois a vida de todos era finita! Plantas, animais, pessoas envelheciam e morriam, cumprindo prazos para amadurecer, procriar, morrer.... Surgiram os calendários. Durante milênios, valeram outros, como os calendários egípcio, chinês, babilônico etc. Desde outubro de 1582, vale o GREGORIANO.
As formas de contar e medir o tempo sempre tiveram vinculações religiosas, mesmo depois que anos e meses foram cientificamente fixados. Ainda hoje notamos isso nas cores dos dias da folhinha, que marcam feriados (religiosos e civis). O arcebispo irlandês James Usher (1581-1656) exagerou: baseado em estudos bíblicos, disse que o mundo foi criado no dia 23/10, uma sexta-feira, de 4004 a.C., às 9h da manhã. O estudioso hebreu Dr. John Lightfoot (1602-1675), vice-chanceler da Universidade de Cambridge, construiu uma cronologia da história de genealogias bíblicas. Ele calculou que o mundo foi criado ao equinócio em setembro de 3298 A.C., à terceira hora do dia (9 da manhã). Tivemos que esperar o século XX, quando Rutherford e Boltwood determinaram a idade de pedras e minerais a partir de medidas de decaimento radioativo. Eles encontraram idades de 500 milhões de anos a 1.64 bilhões anos. Trabalho subsequente encontrou amostras de pedra tão antigas quanto 4.3 bilhões anos.