NOME DE POBRE NO BRASIL

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

NATAL: DATAS IMPRECISAS E PERSONAGENS LENDÁRIAS Deonísio da Silva * Nós designamos certas coisas por nomes que elas jamais tiveram, pois eram conhecidas por outras denominações. Também inventamos personagens para fazer viagens que nunca empreenderam, como é o caso dos três reis magos. Situamos festejos e celebrações em anos, meses e dias imprecisos. Este é o contexto das celebrações do Natal a cada ano que passa. Mas em se tratando do Natal quando foi que tudo começou a mudar? Provavelmente no Século IV com a chegada ao poder de Constantino, o Grande, que se torna o único imperador romano, acabando com a tetrarquia então vigente, ao vencer as tropas de Maxêncio na Batalha da Ponte Mílvia, uma das muitas pontes sobre o rio Tibre, nos arredores de Roma, travada a 28 de ou
tubro de 312. Constantino teria visto no céu, às vésperas da batalha, um halo solar, interpretado como uma imagem portadora de signos que traziam as iniciais de Jesus Cristo seguidas da frase latina "In hoc signo vinces" (Sob este sinal vencerás). Aqui entram as letras e as línguas. Foi do Latim que a frase migrou para as outras línguas da cristandade, que então se consolidou por todo o império romano, mas a frase apareceu no céu em grego: "En toutō níka". E foram em grego que as iniciais do nome de Jesus Cristo apareceram: "Qui" (X) atravessado por "Rô" (P), como nos informa Eusébio de Cesaréia (Século IV) em sua "Historia Ecclesiae" (História da Igreja). Dali por diante, as festas pagãs foram adaptadas às crenças cristãs e os cultos ao deus Mitra, trazido da Pérsia, personificado no deus romano "Solis Invictus" (Sol Invencível), tomaram conta de Roma, tendo entretanto demorado a chegar ao interior onde viviam povos mais apegados a divindades pagãs protetoras da agricultura e da pecuária. Em resumo, o Natal foi celebrado primeiramente em metrópoles e depois nos vilarejos, mesclando-se a outros cultos, trazidos de muito longe, como se deu com o pinheirinho de Natal, árvore já venerada da Europa do Norte por manter-se verde também no inverno. E assim foi até que São Francisco de Assis, que viveu no Século XIII, na Itália, inventou o presépio, instalação que tomaria conta do mundo. Não tentemos, porém, conciliar religião e ciência, religião e história, mas apenas situar usos e costumes à luz desses conhecimentos. A data marcada para o nascimento de Jesus não pode ter sido 25.12.00, pois os romanos desconheciam o zero, que somente chegaria ao Ocidente no Século XIV. Assim, não pode ter sido no Século I que Jesus nasceu, uma vez Dionísio (entre os séculos V e VI), por erro de cálculo, situara o nascimento de Jesus no ano 753 da fundação de Roma, isto é, quando a cidade eterna comemorava quase oito séculos de existência. Dionísio fez isso no ano 532 ou 284 da era de Dioclesiano, como eram então contados os anos, e denominou a nova era Anno Domini (Ano do Senhor). Mas Jesus não pode ter nascido no ano indicado por Dionísio e, sim, entre os anos 8 a.C. e 4 a.C. Comparemos as narrativas. O rei Herodes que recebeu os magos é Herodes, o Grande, que nasceu em 73 a.C. e morreu no ano 4 a.C. Foi ele quem, ao descobrir que os magos tinham voltado por outro caminho, enganando-o, mandou matar todas as crianças com menos de dois anos de idade. Foram chacinadas cerca de 2.000 crianças, segundo estimativas de pesquisadores cristãos. Mas também este morticínio infantil é controverso, fruto de versões tidas por lendárias. Em resumo, aos poucos certas lendas cristãs se consolidam. Juntam-se novos elementos, incluindo acontecimentos sobrenaturais com no Evangelho de São Lucas: um anjo do Senhor aparece a pastores que estão guardando seus rebanhos nos arredores de Belém, tranquilizando-os diante da grande luz que o trouxera até eles: “Não temais”. E os acalmou porque grandes luzes no céu, como estrelas e cometas, eram tidos como causadores de desgraças. Pastores são personagens bíblicos importantes. Moisés, Abrahão, Jacó e o rei Daví foram pastores. Trinta anos mais tarde, ao iniciar sua pregação, aquele menino faria muitas parábolas com pastores e ovelhas, e se diria pastor, o bom pastor. Até hoje o cajado do pastor integra os paramentos do papa. Depois surge uma multidão de anjos cantores que entoam: Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade. Depois que os anjos vão embora, pastores vão à cidade de Belém e saem dali contando para todo o mundo o que viram, ouviram e sentiram. Seguindo o exemplo do marido, que jamais diz uma única palavra em toda a Bíblia, apenas faz o que é necessário para criar e proteger o Menino Jesus, Maria fica em silêncio: “Maria guardava todas estas coisas no seu coração, meditando sobre elas”. Pula para 2014. “Jesus esteve aqui, ele falava hebraico e…”, dizia o primeiro-ministro israelense quando foi interrompido pelo Papa Francisco: “Aramaico”. Netanyahu retrucou: “Falava aramaico, mas sabia hebraico”. O diálogo aconteceu durante a visita do Papa a Jerusalém, em 2014. O Menino Jesus, dileto filho do judaísmo, nasceu quando sua terra, hoje cercada de inimigos por todos os lados, estava sob domínio dos romanos. No contexto cultural greco-romano, vigoravam quatro idiomas. O hebraico era a língua do templo, um centro de poder da região ocupada, mas Jesus, de fato, como esclareceu o Papa, falava aramaico. As duas línguas hegemônicas na Palestina no primeiro século eram, porém, o latim e o grego. Como resultado deste pluralismo linguístico, a maioria do povo era bilíngue, e a elite era multilíngue. Todos falavam aramaico, rezavam em hebraico, mas lidavam com documentos escritos em latim, operados por soldados e funcionários do Império Romano que falavam latim e grego. No comércio, o idioma dominante era o grego. "Como se deu o nascimento de Jesus? A narrativa mais literária é a do Evangelho de São Mateus. Diz que José pensou em divorciar-se secretamente de Maria, pois afinal ela estava grávida sem que eles tivessem consumado o casamento. Inquieto, o marido não queria, porém, prejudicar a jovem". Logo na abertura do capítulo dois, vem a noite de Natal: “Tendo Jesus nascido em Belém da Judeia no tempo do rei Herodes, eis que vieram uns magos do Oriente a Jerusalém”. Eles já chegaram perguntando: “Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer? Vimos sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo”. Deste pequeno trecho foram tirados os três reis magos que estão no presépio, mas notemos que os leitores e os ouvintes acrescentaram muito ao que ouviram ou leram. Mateus não disse que eram três, nem disse que eram reis. Continua Mateus: “A essa notícia, o rei Herodes ficou perturbado e toda Jerusalém com ele”. Herodes chama os reis para uma conversa secreta no palácio e pede-lhes: “Ide e informai-vos bem a respeito do menino. Quando o tiverdes encontrado, comunicai-me para que eu também vá adorá-lo”. Rumo a Belém, os magos seguiram a estrela, que foi “até o lugar onde estava o menino e ali parou”.”Entrando na casa, acharam o menino com Maria, sua mãe”, depois de o adorarem, “abrindo seus tesouros, ofereceram-lhe presentes: ouro, incenso e mirra”. Destes três presentes surgiu o número dos reis. Nos séculos seguintes, foram aumentando os detalhes. Eram três, eram reis e tinham nomes: Baltasar, Gaspar e Melquior. Cada um deles era de uma das três raças básicas do gênero humano: negra, branca, amarela. No século XIII, São Francisco de Assis construiu o primeiro presépio. Pessoas e animais vivos foram levados para sua instalação. O menino Jesus, protegido por José e Maria, estava numa manjedoura, todos dentro de uma gruta – mas Mateus disse que era uma casa! – e ao redor, o santo, que gostava muito de animais, levou ovelhas, vacas, bois e burros para compor o cenário. O famoso viajante Marco Polo, que morreu em 1.324, aos setenta anos, contou ter encontrado na Pérsia o túmulo dos “três reis magos”. E ficou impressionado com o excelente estado de conservação dos cadáveres, que continuavam com o cabelos e as barbas intactos. Ele não sabia que, levados para a Itália, os restos mortais destes “três reis magos” seguiram para a Alemanha no ano de 1.164 e estão até hoje num dos altares laterais da Catedral de Colônia, uma das mais belas do mundo. Em resumo, o Natal que hoje celebramos é um conjunto de lendas muito bonitas, algumas delas apoiadas em dados históricos, outras fruto da imaginação dos narradores, acrescida de contribuições da tradição. * Escritor e professor, Doutor em Letras pela USP e Professor Visitante da Universidade Estácio de Sá, onde é editor do Instituto da Palavra.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

TEMPO DO MENINO JESUS E DO PAPAI NOEL Publicado também na Veja on-line e no Instituto da Palavra: https://portal.estacio.br/instituto-da-palavra Durante dois milênios não houve Papai Noel, e o Menino Jesus reinou triunfante no Natal, sem avós, sem tios, sem quaisquer outros parentes, nem amigos, acolhido e cuidado apenas por sua mãe e seu pai, rodeado de animais num estábulo, entretanto saudado por anjos e visitado por reis. Em presépios medievais, o número de soberanos passou de duzentos, dando a ideia de que monarcas de todo o mundo foram visitar aquele que seria o rei dos reis. Mas por que tudo mudou tanto? Machado de Assis pergunta em célebre soneto: “Mudaria o Natal ou mudei eu?”. Tudo mudou primeiramente porque os evangelhos, incluindo os apócrifos, inventaram um outro Jesus. As festividades de Natal surgiram apenas no século III. Mandatários cristãos fizeram coincidir o nascimento de Jesus com uma grande festa pagã, realizada em dezembro, no solstício de inverno (no hemisfério norte; no hemisfério sul é solstício de verão), tornada oficial pelo imperador romano Aureliano para homenagear o deus Solis Invictus, o Sol Invencível. A Igreja procurava fazer as pazes com o poderoso Império Romano que tanto a perseguira no passado, mas do qual tornara-se promissora aliada, como demonstraria no século seguinte, a partir do reinado de Constantino, o Grande. Jesus nascera em Belém porque Maria, já nos últimos dias da gravidez, viajava em companhia do marido para atender ao recenseamento ordenado pelo imperador César Otaviano Augusto e dado a cumprir por Quirino, governador da Síria, jurisdição à qual estava subordinada a Judeia. As informações deveriam ser dadas em Belém porque José, o declarante, tinha nascido lá, a 150 km de Nazaré, onde o casal então vivia. Na época, a distância era percorrida em quatro ou cinco dias, provavelmente em caravana de camelos. Dizem os Evangelhos que a gravidez de Maria foi anunciada pelo anjo Gabriel em meio a uma luz muito brilhante. No século VII, este dia foi fixado em 25 de março e tornado festivo para celebrar a Anunciação, com o fim de fazer com o que nascimento do menino ocorresse exatamente em 25 de dezembro, pois até então o Natal era celebrado em outras datas. No século XIII, São Francisco de Assis, nome religioso de Giovanni di Pietro di Bernardone, que viveu entre fins do século XII e começo do século XIII, fez mudança decisiva no Natal, ao instalar o primeiro presépio do mundo. No início, em Assis, os personagens eram moradores da própria localidade, mas a partir do século XV, em Nápoles, foram substituídos por manequins de madeira. E da Itália, sede da cristandade, este tipo de presépio espalhou-se pelo mundo inteiro. Já Papai Noel é personagem lendário, entretanto amparado na existência real de São Nicolau, um arcebispo irlandês que viveu entre os séculos III e IV e que ajudava muito os pobres. Certa vez, teria poupado três irmãs da escravidão ou da prostituição, ao colocar moedas de ouro na chaminé da casa onde moravam e assim possibilitar-lhes pagar os respectivos dotes.
Todavia o Papai Noel, tal como o conhecemos hoje, deve muito ao conto Uma visita de São Nicolau, escrito pelo americano Clement Clark Moore, em 1822. Foi este autor quem fixou a residência de Papai Noel na Lapônia, na Finlândia, e é dele também a invenção de que o bom velhinho viaja numa carruagem puxada por renas. Reza a frase famosa que “quando a lenda supera a realidade, publica-se a lenda”. É o que vem acontecendo com o Natal há milhares de anos!

quinta-feira, 27 de junho de 2019

O EX-JUIZ E AGORA MINISTRO SÉRGIO MORO E THE INTERCEPT BRASIL Sobre os vazamentos do Intercept, Moro disse que a montanha pariu um ridículo rato. Daí um jornalista foi explicar...E não explicou direito. Jornalista não precisa saber latim, mas precisa perguntar a quem sabe. Horácio não era grego, era romano, e não escreveu "a montanha" e , sim, "as montanhas". Ele colocou o verbo no plural e no futuro, mas quem popularizou a frase pôs o verbo no presente e no singular. O único singular é o ridículo rato (ridiculus mus). Também não escreveu que as montanhas pariram um rato. Disse que as montanhas pariram, nasceu um rato. As duas frases atribuídas a Horácio vieram do Grego para o Latim por obra de Fedro, mas são de Esopo, que colocava muitos animais em suas fábulas porque provavelmente viera da Etiópia. Por isso, mesmo o francês La Fontaine enche suas fábulas de animais que não existiam na Europa. Por quê? Porque traduzia, copiava ou adaptava fábulas de Esopo, que tinham sido traduzidas, copiadas ou adaptadas por Fedro. Fedro e Horácio viveram em Roma. Não eram patrícios. Eram filhos de escravos. Em Roma havia três classes: patrícios (nobreza), plebeus e escravos. Ambos morreram de velhos, mas Esopo, que viveu cerca de seis séculos antes dos dois, não em Roma, mas na Grécia, foi condenado à morte e executado. De todo modo,