NOME DE POBRE NO BRASIL

domingo, 27 de novembro de 2016

O POUCO QUE SEI DE FIDEL CASTRO

Sei que este post vai receber comentários controversos. Conheci Fidel Castro em Havana, em fevereiro de 1985, quando vários brasileiros fomos recebidos por ele. Observei que era tímido, falava e escrevia bem, lia muito, era muito bem informado, tinha voz fina e prestava muita atenção às perguntas. (Que ele falava bem em público, todos sabiam, mas em privado é diferente). Lembro que um haitiano e eu conversávamos com ele nesta recepção por poucos minutos, e o haitiano lhe explicava detalhes de vodu. E ele ouvia e fazia perguntas com muita atenção. O escritor Oswaldo França Jr e eu trouxemos um vídeo de Fidel, a ser entregue para o então presidente eleito Tancredo Neves. Contei esta história muito tempo depois em coluna que eu mantinha na revista ÉPOCA. E depois, também no Jornal do Brasil. O que havia no vídeo? Nunca soube! A fita nos foi entregue em Havana, de madrugada, no quarto do hotel que França e eu dividíamos. Com uma recomendação: só podia ser entregue nas mãos de Tancredo. E assim foi feito. No Brasil, é difícil você ser bem entendido em questões controversas. O clima é sempre de Fla x Flu, contra ou a favor, sem as indispensáveis nuanças. Por ora, lembremos a primeira frase de Fidel Castro ao receber o Papa João Paulo II em Havana: "Santidade, esta noite, muitas crianças dormirão na rua. Nenhuma delas é cubana". Nenhum estadista brasileiro pôde dizer isso a nenhum papa, a ninguém! E o Brasil é o maior país católico do mundo. Em eventos públicos, às vezes me perguntam, quando este assunto vem à tona, se Cuba é uma democracia e se Fidel Castro era um democrata. Respondo que Cuba vive numa ditadura e que Fidel Castro era um ditador. Parece que é só isso que interessa, pois ninguém pergunta mais nada. Bem, eu vivo numa democracia, aqui no Brasil. E na semana passada me foi recomendado que não fosse à janela, nem à varanda, e ficasse em casa porque a Polícia estava procurando uns fugitivos que poderiam estar no condomínio. Portanto, há democracias e há ditaduras, muitas das quais têm complexas sutilezas. A ditadura cubana não é igual à da Coreia do Norte. E a democracia brasileira não se semelha às democracias europeias, nem sequer à chilena ou à uruguaia.

LADRÃO QUE ROUBA LADRÃO TEM CEM ANOS DE PERDÃO

Estas frases, que se tornaram um provérbio muito popular, foram ditas pela primeira vez como desculpa pelo pirata e corsário inglês Francis Drake. Depois de alegar que roubava outros ladrões, ele recebeu o honroso título de Sir, concedido pela rainha Elisabeth I, também conhecida por Isabel, a Rainha Virgem. A rainha deu uma desculpa diferente: ele roubava de ladrões e trazia os bens para a Inglaterra. Francis Drake morreu de disenteria aos 56 anos. A larápios contumazes nem sempre o maior de todos os males que lhes advêm é a morte. Às vezes, há outras humilhações, incluindo viver como presidiários ou mesmo morrer literalmente entre excrementos. Não è à toa que a situação de estar mal é definida por expressão chula, indicando as fezes como local onde a pessoa está: “Fulando está na mer..”. O corpo do bandidão jaz nas proximidades de Portobelo, no Panamá, onde foi lançado ao mar dentro de um caixão de chumbo, portando armadura inteirinha de ouro e segurando uma longa espada, também de ouro. É o que diz a lenda. E o jornalismo segue a velha máxima recomendada no filme O homem que matou o facínora, de John Ford, com John Wayne: “se a lenda é mais interessante do que a realidade, imprima-se a lenda”. No mesmo século do inglês Francis Drake, o português Pedro Álvares Cabral roubou de modo diferente: fez o primeiro superfaturamento do Brasil. A pimenta, o cravo e a canela, tão logo chegados a Portugal, tiveram um aumento de 1.000%, tudo aprovado pelo rei Dom Manuel, o Venturoso, que autorizou a majoração com o fim de compensar a perda dos naufrágios. O episódio é narrado também pelo historiador Eduardo Bueno, que destoa de quase todos os seus colegas de ofício pela graça e pelo sabor de seu estilo, na escrita e na fala, como demonstra sua antológica entrevista dada a Augusto Nunes aqui nesta revista. Das 13 naus do Descobrimento, apenas seis voltaram a Portugal. O navegador chefe da frota tinha apenas 32 anos. O rei autorizou a bandalheira, mas ninguém mais ouviu falar de Cabral, a ponto de para a antiga nota de mil cruzeiros ter sido inventada uma efígie dele, uma vez que não havia um único registro dos traços de seu rosto. Os ladrões brasileiros, governantes ou governados, que desceram agora aos infernos, fizeram jus a essas outras viagens que ora fazem, rumo à cadeia. Mas talvez o pior castigo não seja ser preso e, sim, sentir-se ameaçado de prisão. Quem escolhe ladrões para auxiliar o governo deve prestar atenção ao que diz o Padre Vieira, logo na abertura de seu Sermão do Bom Ladrão: “Nem os reis podem ir ao paraíso sem levar consigo os ladrões, nem os ladrões podem ir ao inferno sem levar consigo os reis. Isto é o que hei de pregar”.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

ROUPAS QUE SAÍRAM DO ARMÁRIO E FORAM PARA A TV

https://fatosfotoseregistros.wordpress.com/2016/11/24/sem-papas-na-lingua-24112016/
A televisão mostra sessões nos tribunais no calor da hora. Não apenas as do Judiciário. As do Legislativo também. Por isso, Ricardo Boechat e eu, no programa semanal que juntos fazemos na Bandnews Fluminense toda semana, hoje falamos de roupas que de repente saíram do armário: becas, togas, ternos. E também cuecas etc. Cueca é veste que cobre a primeira sílaba, que virou palavrão no Português do Brasil, mas não no Português de Portugal, com perdão pela redundância, que, entretanto, no caso, é indispensável, dadas as diferenças sutis entre o Português das duas nações. O programa foi postado no blogue do nosso amigo querido John Klaus Kanenberg, a quem agradeço pela gentileza.

domingo, 20 de novembro de 2016

MACACO VELHO NÃO METE A MÃO EM CUMBUCA

A impunidade vinha sendo de tal ordem que macacos, velhos ou novos, metiam a mão na cumbuca. Os bichos frequentam a nossa conversa mais do que imaginamos. Mesmo que um dos presos estivesse bêbado como um gambá, quando celebrava em Paris a cachorrada que fizera com a riqueza do Rio, os brasileiros estão cansados de engolir sapos. Mas procuradores, promotores de justiça e investigadores não são burros, e juízes não são antas. Muitos dos corruptos e corruptores já engaiolados são cobras que perderam o veneno, mas há outros ainda soltos, para os quais a vaca não foi pro brejo. Delações premiadas já deram nomes aos bois. Os colaboradores confidenciaram que nem todos os presos são bois de piranha e lamentam ter navegado em rios cheios destes teleósteos de dentes afiados. Avisaram que são tão ameaçadores e vorazes que onde eles atuam até experientes jacarés nadam de costas. Todavia os investigadores sabem que meliante político é mais liso do que peixe ensaboado. E acusar o outro pode ser apenas uma forma de salvar a própria pele. Afinal, todos sabem que muitas vezes o periquito leva a fama, mas quem come o milho é o papagaio . O costume de macacos meterem a mão na cumbuca foi registrado pela primeira vez no Diálogo das Grandezas do Brasil, livro atribuído durante muito tempo a Bento Teixeira. Mas era prosopopeia. Capistrano de Abreu descobriu o verdadeiro autor: Ambrósio Fernandes Brandão, judeu convertido à força pela Inquisição e pelo Santo Ofício. Tornado
cristão-novo, ele se estabeleceu como senhor de engenho na Paraíba ainda no século XVI. A semana trouxe políticos graúdos para o zoológico das prisões. Foram presos dois ex-governadores. O juiz Sérgio Moro, que mandou prender Sérgio Cabral Filho, resumiu a ópera: “governadores ricos, povo pobre”. O outro juiz, Glaucenir Silva de Oliveira, que mandou prender Garotinho, esclareceu: “toda vez que o réu tem seus interesses contrariados pela Justiça, ocupa-se de tentar denegrir a imagem de magistrados”. Aproxima-se a hora da onça beber água. Os juízes não estão comendo mosca e daqui a pouco será posto o guizo no pescoço de outros gatos. http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/feira-livre/de-onde-vem-as-palavras-macaco-velho-nao-mete-a-mao-em-cumbuca/

A BATALHA DAS TONINHAS

Novembro de 1918. Nas proximidades de Gibraltar, o almirante Pedro Frontin, comandando o Cruzador Bahia, ordenou um ataque ao que ele pensava ser um perigoso submarino alemão. Alguns navios já tinham sido afundados recentemente. Mas era um cardume de toninhas, cestáceos semelhantes a golfinhos. Somente depois depois do grande tiroteio, com o mar ao redor vermelho de sangue e toninhas dilaceradas, é que os marinheiros brasileiros se deram conta do engano. Pouco tempo depois, a Alemanha rendeu-se. Foi o que bastou para que o humor dos cariocas acrescentasse um ponto à história. Os alemães se renderam por medo dos brasileiros: "se fazem assim com as toninhas, o que não farão conosco?". A história repetiu-se na Guerra das Malvinas, em 1982, quando a fragata britânica HMS Brilliant, dotada dos mais modernos equipamentos eletrônicos, acabou com um grupo de baleias, confundidas com submarinos argentinos.

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

CABRAL E GAROTINHO EM CADEIA NACIONAL

Houve dois fatos extraordinários na semana das celebrações da proclamação da República, na terça-feira, dia 15 de novembro de 2016. Na quarta-feira, dia 16, foi preso o ex-governador Anthony Garotinho; no dia seguinte, quinta-feira, foi preso o ex-governador Sérgio Cabral. Na internet, rolaram conversas muito divertidas, mostrando a catarse dos internautas. Uma das principais foi a manchete: ATENÇÃO! NÃO PERCAM! CABRAL E GAROTINHO FALAM EM CADEIA NACIONAL. Os internautas se serviram da ambiguidade lexical da palavra CADEIA, que designa cadeia rede de rádios e de televisão, cadeia de montanhas, cadeia alimentar, cadeia evolutiva, mas também presídio. Os dois ex-governadores do Rio estavam presos no complexo penitenciário de Bangu. A palavra popular para prisão, presídio, cárcere e assemelhados é cadeia, formando o contexto apropriado ao objetivo, o humor.Era frequente que os dois presos, quando governadores, aparecessem em cadeia de rádio e televisão.

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

PINÓQUIO: A MENTIRA TEM AS PERNAS CURTAS

O brasileiro é bonzinho. Fala com humor, raramente com raiva, dos grandes mentirosos. E adotou figuras e provérbios inocentes, como o do título, para falar de mentirosos que muitos prejuízos deram e dão ao povo. Em outras culturas, a mentira é punida com mais rigor, inclusive na memória popular. Um dos grandes provérbios é: mendax et furax (mentiroso e ladrão), dá conta de que “quem mente, rouba”. E, em traduções diversas, espalhou-se por muitas línguas. Pinóquio deu cara (de pau) à mentira e é seu personagem-símbolo. A cada nova mentira, maior fica seu nariz. Pergunte ao Google, o oráculo de Delfos de nosso tempo, quais são os maiores mentirosos do mundo. Há números-símbolos para tudo: Sete Maravilhas do Mundo Antigo, Dez Pragas do Egito, Quatro Virtudes Cardeais, Sete Pecados Capitais etc. Mas o número dos Pinóquios, como o do Outro, é Legião.
Pinóquio é conhecido em todo o planeta, mas, à semelhança de Sherlock Holmes, poucos sabem quem é seu autor. Pois ele foi inventado por Carlo Collodi, pseudônimo do jornalista e escritor italiano Carlo Lorenzi, filho de um cozinheiro e de uma dona de casa. Bem-humorado e sarcástico, tinha grande interesse por temas políticos e por isso foi muito perseguido e censurado. Em fins do século XIX, na mesma época em que Machado de Assis publicava Memórias Póstumas de Brás Cubas (em capítulos, na Revista Brasileira), Carlo Collodi publicava (também em capítulos, no Jornal para as Crianças), História de um Boneco, primeiro título de As Aventuras de Pinóquio. Todavia o provérbio é mais antigo. Veio originalmente do Grego e chegou a muitas línguas, inclusive ao Português, depois de uma escala no Italiano: le bugie hanno le gambe corte (as mentiras têm as pernas curtas). O provérbio indica que as mentiras, como as de Pinóquio, logo são descobertas. Flagrado na primeira mentira, o mentiroso contumaz inventa a segunda, depois outra, mais outra, enfim dezenas, centenas, milhares. Mas outro ditado, vindo de Portugal, avisa: “a esperteza, quando é muita, vira bicho e come o dono”. Ela já devorou muitos brasileiros e está devorando outros mais. Pais e filhos, e maridos e mulheres já foram presos juntos. Há outros seguindo o mesmo caminho. O brasileiro médio lê pouco e por isso guarda mais facilmente na memória frases e provérbios que tenham rimas ou versos curtos. Pois ele raramente leu o que repete. Ele apenas ouviu. Ou guardou na memória a ilustração que viu e se lembra da frase famosa. Pode ser uma foto ou um desenho. Ou uma cena da televisão, que faz do jornalismo atual um folhetim por cujos capítulos todos esperam ansiosamente. Até o desfecho.

sábado, 12 de novembro de 2016

DOS EUA PARA AGROLÂNDIA (SC).

Não era assim que o fundador da Newsweek queria sua revista. Sua alma deve ter saído do túmulo e vagado pelas ruas da pequena cidade catarinense quando a revista dava a vitória de Hillary Clinton na capa e o vencedor Donald Trump ria por último. Faltou combinar com os eleitores! Se quiser saber mais, leia "A misteriosa vida do fundador da ‘Newsweek", que publiquei em O Globo, em 13.02.2015, depois de visitar o túmulo e entrevistar em Agrolândia (SC) o seu cunhado e outros que o conheceram quando ele, casado com uma brasileira, morou ali. O jornalismo atual exagera no uso do telefone e da internet, ignorando fontes preciosas, só acessíveis aos olhos e aos ouvidos Há poucos anos, um vídeo de apenas cinco minutos, feito pelo brasileiro Edson Bruno e exibido pela CNN, falado em inglês, mostrava que o fundador da famosa revista “Newsweek” está enterrado em Agrolândia, pequena localidade de apenas 9.323 habitantes, no interior de Santa Catarina, a 274 quilômetros de Florianópolis. Em janeiro de 2015, estive lá, com o fim de pesquisar esse novo mistério catarinense. Sou um detalhista apaixonado por minúcias. Nas biografias que leio, já nas primeiras páginas vou desconfiando de ninharias desprezadas pelos autores. Foi assim quando escrevia o romance “Lotte & Zweig", cujas personagens solares são o escritor judeu- austríaco Stefan Zweig e sua esposa, a judia-polonesa Elizabeth Altmann. Donald Prater, o biógrafo inglês de Stefan Zweig, deu pouca importância ao diabo das pequenas coisas, presente na vida do casal.
O jornalismo atual exagera no uso do telefone e da internet, ignorando fontes preciosas, só acessíveis aos olhos e aos ouvidos de quem vê e ouve para depois narrar. Quando estava na Espanha para escrever outro romance, “Teresa d’Ávila", perguntei a um de meus interlocutores por que razão o túmulo de um dos Herodes estava no caminho para Ávila. Ele me disse: “Homem, a pessoa é enterrada onde morre”. Pois o fundador da “Newswek”, o aviador inglês Thomas John Cardell Martyn — que chegou a ser derrubado pelos alemães na Primeira Guerra —, está enterrado no cemitério de Agrolândia (SC). Ele está enterrado ali, mas sua perna direita, não! Ele a perdeu na queda e usava uma prótese mecânica. A “Newsweek”, fundada em 1933, tornou-se uma das maiores revistas de informação do mundo e chegou a circular em 132 países, com edições de 3,2 milhões de exemplares (agora, está apenas na internet). Thomas Martyn conheceu Irmgard Stahnke no Rio, onde ela trabalhava de doméstica, indicada por um soldado de Agrolândia recrutado para a guarda presidencial. O certo é que se casaram em São Paulo, em 8 de abril de 1961. Ela estava com 40, ele com 65 anos. Muitos anos depois foram morar em Agrolândia para que, quando o marido morresse, a esposa tivesse o amparo dos familiares. Mas ela morreu primeiro, em 1973, aos 53 anos, de câncer no útero, segundo a certidão de óbito. O irmão dela, o alfaiate Afonso Stahnke, atualmente com 79 anos, diz que o câncer foi no ânus e ela sofreu muito com um tratamento à base de cauterizações, feito nas semanas finais de sua existência. O marido, que tinha acrescentado Mary ao nome da mulher, declarou ao cartório, “por respeito”, que ela falecera de complicações cardíacas por causa de um câncer no útero. Mas pediu que o declarante fosse o cunhado. Martyn morreu em 1979, aos 84 aos, também de câncer, uma das maiores causas de morte na região. Talvez em decorrência de tantos inseticidas nas plantações de fumo. A maioria dos documentos foi queimada, como se faz com o fumo. Mas por quê? Este é apenas mais um dos mistérios na vida deste homem invulgar. (fim)

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

INSULTOS POLÍTICOS: ONTEM E HOJE

https://fatosfotoseregistros.wordpress.com/2016/11/10/sem-papas-na-lingua-10112016/ O áudio é cortesia de nosso amigo John Klaus Kanenberg, no blogue dele. Por iniciativa do Boechat, fizemos um arremedo de jogral, hoje, na Bandnews, trazendo para a pauta os insultos da política. No século XIX , palavras até bonitas serviram de insultos na política e algumas delas foram parar em Machado de Assis, como: LUZIA (adeptos do Partido LIBERAL, derrotados em revolta sufocada pelas tropas do então Barão de Caxias, em Luzia (MG) , SAQUAREMA (berço e moradia de políticos do Partido CONSERVADOR, na região de Saquarema (RJ), que quer dizer rico dos socós. CACETADA e não PORRADA, que veio do Latim PORRA, pedaço de pau, mas que por via vulgar tornou-se obscena. Atualmente, as ofensas passaram do plano ideológico - FASCISTA, COMUNISTA, COXINHA, PETRALHA - para as ofensas puras e simples: ESCÓRIA (que em Grego e Latim significa fezes); CALOTEIRO (de calote, operação reprovada nas feiras ou pedras do dominó que não se consegue colocar); CASCATEIRO (de cascata, porque sempre vem outra para cobrir a anterior), BANDIDO (que pertence a bando, foi banido, recebeu um sinal ou deu a si mesmo um sinal de proscrição, de proibido), LADRÃO (originalmente o soldado mercenário) e VIGARISTA (de vigário, de conto de vigário).

COMIDA E BEBIDA EM EXPRESSÕES DO PORTUGUÊS

Estas frases são de lamber os dedos e dão água na boca. Quem nunca come mel, quando come se lambuza. Não contes com o ovo no cu da galinha. Nem só de pão vive o homem.O peixe morre pela boca. O que não mata, engorda. Quem comeu a carne que roa os ossos. São favas contadas. E a variante: São favas descontadas. Cuidado para não viajar na maionese! Não adianta ficar roendo o osso. Ou chupando o dedo. Você está com uma batata quente nas mãos? A batata dele está assando. A sua chapa está esquentando? É melhor botar a mão na massa e não tomar gato por lebre. Pessoas de meia tigela se perdem em devaneios, não acertam na mosca, pisam no tomate, comem com os olhos, mas são todas farinha do mesmo saco. Pensam que pimenta nos olhos dos outros é refresco e, sabendo que a carne é fraca, vão plantar batatas. Juntam a fome com a vontade de comer, comem de tudo um pouco porque o que não mata, engorda. Depois dão uma banana para a gente, colocam a azeitona na empadinha dos nossos desafetos, mudam da água para o vinho, dão com a língua nos dentes porque sabem: escreveu não leu, o pau comeu. Sem quebrar os ovos, nada de omelete, então que não se falem mais abobrinhas! E nada de trocar alhos por bugalhos, é mau negócio. Com a faca e o queijo na mão, não vá com muita sede ao pote. Como descascar o abacaxi se estou empepinado? E nada de chorar as pitangas, porque de grão em grão a galinha enche o papo e a gente fica aqui enchendo linguiça, agora sem trema, pois beleza não põe mesa e já antevejo gente com cara de quem comeu e não gostou. Comer o mingau pelas beiradas no frigir dos ovos e cozinhar em banho-maria, do contrário comemos o pão que o Diabo amassou, não conseguimos vender o nosso peixe, sem ganhar o leite das crianças e ainda enfiamos o pé na jaca para ver quem paga o pato porque no meio desse angu tem caroço e depois não adianta chorar pelo leite derramado porque todos puxam a brasa para sua sardinha.

domingo, 6 de novembro de 2016

QUEM VAI PÔR O GUIZO NO PESCOÇO DOS RATOS?

O provérbio está alterado, mas no fim vocês haverão de entender por quê. Na antiga Roma, pontificava um juiz corrupto e ladrão. Ele se chamava Lucius Antonius Rufus Appius. Não negociava medidas provisórias. Aliás, medida provisória parece coisa de miss ou de modelo, porque com o tempo as medidas provisórias são substituídas pelas medidas definitivas, que alteram completamente o perfil da pessoa. Esse juiz fazia no tempo dos césares, na distante Roma, o que vários juízes são acusados de fazer ainda hoje no Brasil. Ele vendia suas sentenças, assinando-as com as letras iniciais dos três primeiros nomes, mantendo inteiro apenas o último nome. Ficava assim: L. A. R. Appius, que todos liam larapius. Quando veio para o Latim vulgar, esta palavra passou a designar o ladrão. E com este significado chegou ao Português larápio. É o que reza a lenda etimológica. “Se non è vero, è bene trovato” (se não é verdadeiro, é bem achado), como diz o provérbio italiano. Há outras curiosidades acerca das palavras que designam o ladrão. Uma das mais comuns é gatuno, palavra que veio de gato. Ora, é uma tremenda injustiça com o bichano, um dos mais queridos animais de estimação. O gato não rouba, ele confisca o que precisa para o seu sustento. Quem tem gatos em casa, sabe bem quem é que manda. Não são os donos dos animais. Ao contrário. Quem manda nos donos são os gatos! Ulysses Guimarães, presidente da Câmara dos Deputados quando foi promulgada a atual Constituição, sempre citava a célebre fábula de Jean de La Fontaine ao tomar conhecimento de projetos de difícil execução. Ele perguntava aos parlamentares: e quem vai pôr o guizo no pescoço do gato? La Fontaine conta que os ratos decidiram em assembleia pôr um guizo no pescoço do gato, o eterno inimigo. Assim, quando ele se aproximasse, eles fugiriam a tempo de não serem pegos. Um rato velho, calado durante toda discussão do projeto, endossou o plano, mas fez uma pergunta que se tornou famosa: quem vai pôr o guizo no pescoço do gato? Pois é, a fábula é do século XVII. Mas nunca foi tão atual. O que pode ter mudado é que hoje é preciso pôr guizo no pescoço de uma multidão de ratos. E os gatos são poucos. Eles não são larápios, mas talvez pudessem agir mais rapidamente. PS. Saiu na minha coluna na VEJA ON-LINE em 06.11.2016

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

MEDO DE ROUBAR, ELES NÃO TÊM. SÓ DE SUPERSTIÇÕES E DA LAVA-JATO

A VOZ DO POVO, A DE DEUS E A DO DONO (O Globo, 03.11.2016, p. 17)
Muitos políticos, certos de que passarinho que come pedra sabe o que lhe advém, protegem-se, não com a mudança de hábitos, como o de roubar, mas com superstições A voz do povo é a voz de Deus, mas qual é a voz do dono? Todos já devem ter visto a antiga propaganda de fonógrafo. Ela mostra um cachorro muito atento à voz que sai do aparelho. É a voz do dono. Do dono do cachorro. O fonógrafo não tinha dono, tinha dona: a RCA Victor, que criou o lema em inglês: “His master’s voice” (a voz do dono). As expressões nasceram em contextos muito diferentes. “A voz do dono” surgiu nas primeiras décadas do século XVI. Lady More trouxera para casa um cachorrinho, aparentemente perdido, que ela encontrara nas ruas de Londres. Ela era mulher de Thomas More, estadista inglês e uma das referências solares do Renascimento, autor do livro “Utopia”, que quer dizer em grego um lugar que não existe. Tudo ia bem, até que um dia apareceu um mendigo dizendo ser dono do cachorrinho. Querendo ser justo e não tendo foro privilegiado — quando discordou do rei Henrique VIII, foi preso na Torre de Londres e depois decapitado —, o famoso político e humanista ordenou ao mendigo que ficasse num dos cantos da sala, pedindo à mulher que ficasse no outro. A seguir, levou o animal para o meio do recinto e mandou que cada um chamasse o cachorrinho ao mesmo tempo. Sem vacilar, o cãozinho correu para o mendigo, reconhecendo a voz do dono. A história não terminou aí. Para consolar a mulher, que já se apegara ao animalzinho, Thomas More pagou por ele uma moeda de ouro ao pedinte. A quantia era muito superior à solicitada: um xelim, shilling em inglês, palavra que veio da base etimológica skell, mais o sufixo ing, significando tilintar, ressoar. “A voz do povo é a voz de Deus” é mais antiga. Veio do latim vox populi, vox dei, cuja primeira parte deu nome a antigo programa da TV Cultura, e designa também uma empresa brasileira sediada em Belo Horizonte, especializada em pesquisas de opinião. Todavia, a expressão que dá nome às duas coisas é muito mais antiga. Foi registrada originalmente em grego, mas chegou até nós pelo latim e designava a opinião do Oráculo de Delfos, assim chamado porque sua sede ficava na cidade de mesmo nome, na região central da Grécia Antiga. Quem quisesse adivinhar a opinião sobre algo, coisa que os institutos de pesquisa mais fazem, entrava ali para perguntar. Compareciam pessoas simples e também poderosas, vindas de todos os cantos. Alexandre, o Grande, por exemplo, esteve ali antes de tomar decisões que mudariam o mundo. Feita a pergunta, a pessoa deveria tapar as orelhas com as mãos e deixar o recinto. As palavras ditas pelos primeiros transeuntes encontrados fora do templo seriam a resposta divina. Muitos políticos, certos de que passarinho que come pedra sabe o que lhe advém, protegem-se, não com a mudança de hábitos, como o de roubar o distinto público, mas com superstições que lembram estes usos e costumes. A palavra superstição veio do latim e designa excessivo medo dos deuses. Um dos políticos que mais cuidado toma com isso é o ex-presidente, da República e do Senado, José Sarney, conhecido também por “madre superiora”. Ele só sai de um recinto pela porta pela qual entrou (é ali que o anjo da guarda fica esperando, na outra ele não está); não leva conchinhas para casa (elas já foram habitadas por seres vivos e podem trazer assombrações); detesta animais empalhados (eles atraem maus espíritos) e não aceita jangadinhas de presente, pois elas podem ter sido feitas por presidiários, que nelas deixaram os germes de suas angústias. Ou será que, depois da Lava-Jato, o medo de todos é outro? º Deonísio da Silva é escritor