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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O LEGADO DE MOACYR SCLIAR

Moacyr Scliar, médico e escritor de larga presença na mídia, faleceu à 1h da madrugada do último domingo! As edições dominicais dos jornais em que ele escrevia, Zero Hora e Folha de S. Paulo, estavam nas bancas desde o dia anterior. Isso não impediu que as edições eletrônicas dos dois e diversos portais de outros periódicos se ocupassem do legado do escritor, que, aos 73 anos, deixou 74 livros, entre contos, crônicas, romances e ensaios.

Vários de seus livros estão publicados em diversos países e o escritor, detentor de vários prêmios literários, entre os quais o Prêmio Internacional Casa de las Américas (1989), era membro da Academia Brasileira de Letras desde 2003. Sua eleição para a Casa de Machado de Assis, onde foi saudado pelo também gaúcho Carlos Nejar, pode ter sido também uma prestação de contas da ABL ao público leitor e à sociedade brasileira, em especial ao Rio Grande do Sul, uma vez que recusara por três vezes a entrada a Mario Quintana.

Desde janeiro, quando, após uma cirurgia para extirpação de pólipos no intestino, ele sofrera um acidente vascular, seu estado de saúde vinha sendo motivo de muita preocupação. Foram quase dois meses de muita apreensão.

Ana de Hollanda, ministra da Cultura, e a presidente Dilma Rousseff emitiram notas lamentando a morte do escritor. Foi um domingo trágico para nossas letras. Na mesma manhã partiu, aos 81 anos, o crítico e professor universitário paraense Benedito Nunes, que recebera da ABL no ano passado o Prêmio Machado de Assis pelo conjunto da obra. Era professor emérito da Universidade Federal do Pará e tinha sido agraciado em 1998 com o Prêmio Multicultural Estadão, importantíssimo por resultar de ampla consulta aos leitores de todo o Brasil.

Moacyr Scliar era escritor de meu terrum, o Brasil meridional, e com ele convivi quando eu morava no Rio Grande do Sul, na década de setenta. Depois, naturalmente, passei a vê-lo com menos frequência.

Soube de sua importância desde meus verdes anos. Quem me apresentou a ele na Rua da Praia, como é conhecida a Rua dos Andradas, em Porto Alegre, foi Josué Guimarães, de quem eu era mais próximo. Foi em 1975. Ambos estavam na calçada, em frente à Livraria Globo, autografando os respectivos romances com os quais arrebataram, empatados em primeiro lugar, o primeiro Prêmio Érico Veríssimo. Josué Guimarães vencera com Os tambores silenciosos. E Moacyr Scliar, com O ciclo das águas. O romance fez com que entrasse para a lista dos autores das cem melhores obras de temática judaica em todo o mundo, ao lado de Franz Kafka, Isaac Babel, Saul Bellow, Isaac Bashev Singer, Elias Canetti e Elie Wiesel, entre outros. Cito esses para que se possa avaliar o valor dessa relação.

Moacyr Scliar deixou como principal legado de sua obra a fidelidade à temática do imigrante judeu, à qual deu expressão literária de cores muito peculiares.

Entre tantos destaques que sua caudalosa obra faz por merecer, cito também os romances O exército de um homem só, A estranha nação de Rafael Mendes, O centauro no jardim, A majestade do Xingu, os contos de O carnaval dos animais e de A balada do falso messias, e as ficções curtíssimas reunidas em Histórias que os jornais não contam, que ele, baseando-se em fatos verídicos, publicou originalmente na Folha de S. Paulo.

Num certo dia de abril de 1977, ele, a professora Regina Zilberman e eu viajamos a Brasília, sem que pudéssemos confidenciar o que íamos lá fazer: cada um receberia o Prêmio Brasília de Literatura, concedido pelo Mec e a Fundação Cultural do Distrito Federal. Para todos os efeitos, íamos a um congresso de escritores. Ele vencera como romancista, Regina como ensaísta e, como contista, este que lhes escreve aqui, tantos anos depois, lamentando muito a morte do companheiro de ofício, mestre de nossas letras, ético, gentil, solidário e justo.

Sua presença afável vai fazer muita falta, mas seus livros estão aí como seu principal legado. A obra literária é a verdadeira imortalidade do escritor. (xx)