INCIDENTE POLICIAL MILITAR
Anna Maria Ribeiro
Faz tempo um ex-delegado de polícia, meu amigo, contou-me este incidente como verdade verdadeira por ele vivida. Rolava o ano de 1969, auge da repressão. Um senhor entra numa delegacia da Zona Sul e autoritário exige ser atendido pelo Delegado o que é dificultado por um mal humorado escrivão. O irritado tom de voz do senhor chega aos ouvidos do Comissário que aparece aos gritos: Tá pensando que isto aqui é casa da mãe Joana?! O apopléctico senhor parece que vai dar uma de “sabe com quem está falando”, mas se contém. Puxa o Comissário para um aparte e apresenta-se em segredo: é o General XX, famoso por suas ações contra-terrorismo. Cheio de mesuras o Comissário apressa-se em conduzi-lo ao Delegado. Um mutismo inexplicável ataca o General na presença do Delegado que imagina que o General ali está para solicitar a colaboração da polícia no estouro de um aparelho o que o faz perder-se num discurso laudatório às gloriosas forças armadas na defesa da ordem e dos poderes constituídos: .. estes terroristas têm mais é que ser exterminados sem dó nem... O General interrompe e pede a saída do Comissário. É indispensável o maior sigiloso. O Delegado ordena a saída do humilhado Comissário e aguarda a honrosa demanda que lhe fará o General. Este depois de muito pigarrear e hesitar termina por declarar que ali está para solicitar um flagrante de adultério: sua segunda mulher, muito jovem, o está traindo com um garotão. O Delegado disfarça o divertimento que lhe causa a ridícula situação e contrito apresenta suas condolências pontuadas com “é lamentável, lamentável...” Sigilo haverá, é claro, mas as formalidades legais terão que ser cumpridas: é necessária a presença do escrivão e do comissário além de um investigador e da sua própria. Mas fique o General tranqüilo. Ele cuidará para que nada transpire dentro ou fora da Delegacia. O General informa que irá participar da diligência e que embora a presença dos demais seja exigida deverão todos manter os olhos baixos em respeito a ele e àquela que apesar de tudo ainda é sua mulher. O Delegado com tudo concorda. Agendados dia e hora de acordo com as informações fornecidas pelo General, este deixa a Delegacia onde minutos depois explodem gargalhadas em todas as dependências. Não querendo mostrar favorecimento o Delegado promove um sorteio para indicar qual dos investigadores terá o privilégio de participar do flagrante. O escrivão, sempre relegado a uma menor importância, está exultante. No dia e hora aprazados encontram-se todos na calçada, frente a um hotel em Copacabana. O Delegado conduz a diligência como sendo uma operação de altíssimo risco. O Comissário entra sozinho, encarregado da negociação necessária à obtenção da chave do quarto. Conseguida esta, volta à calçada. O Delegado determina que os membros da diligência (incluindo o General) entrem no hotel a intervalos regulares para não chamar atenção. Deverão se encontrar na porta do quarto do pecaminoso casal. Risos dos funcionários de hotel acompanham a entrada do General evidenciando que o Comissário compartilhou com eles a história. Exigindo sigilo, é claro! Murmurando em frente ao quarto o Delegado, ordena severo: olhos baixos de preferência fechados! A presença de vocês é apenas para que se cumpra a formalidade. Ninguém olha! O escrivão escandalizado tenta se insurgir. Se não olhar como é que vai lavrar o termo? O Delegado rebate: lavra-se de memória, cretino! É tudo sempre igual: nudus cum nuda in eodem lectum*! Orgulhoso pela citação latina ele volta-se buscando o aplauso do General que furibundo diz apenas: Cale-se, idiota! Humilhado o Delegado repassa a fúria a seus subordinados como se a frase no singular fosse um lapso do General: Calem-se, idiotas! A um sinal do Delegado, o Comissário gira a chave e entram todos de supetão no quarto onde o adultério está sendo consumado a pleno vapor. Bastam alguns segundos para que a jovem senhora reaja: ela põe-se em pé na cama exibindo sua esplendorosa nudez e aos gritos dirige impropérios ao General usando palavras que aqui eu não ousaria transcrever, mas que são furiosamente anotadas pelo escrivão que se não podia ver, podia ouvir. O Delegado solene e respeitoso, olhando de banda, adianta-se tentando cobrir a nudez da jovem com um lençol. Esta se debate aplicando-lhe uma saraivada de tapas certeiros. Empenhado em defender-se e de costas para o grupo que permanece de olhos baixos ele não vê que o General acaba de puxar de uma enorme pistola apontando-a para o atlético rapaz que até aquele momento parecia estar se divertindo muito. Este apavorado percebe que sua vida está por um fio e rápido apossa-se do avantajado corpo do Delegado, fazendo-o sentar-se em seu colo, usando-o como um escudo. O Delegado em pânico se dá conta de que acaba de se transformar num alvo certeiro para o tresloucado General. E mandando para o espaço o respeito à patente, o Delegado urra para a equipe: SEGURA O CORNO! SEGURA O CORNO!
* Nu com nua na cama – a modalidade mais grave de adultério segundo a legislação da época.
NOME DE POBRE NO BRASIL
domingo, 24 de março de 2013
DELICIOSA CRÔNICA SOBRE UM CORNO, DE ANNA MARIA RIBEIRO
INCIDENTE POLICIAL MILITAR
Anna Maria Ribeiro
Faz tempo um ex-delegado de polícia, meu amigo, contou-me este incidente como verdade verdadeira por ele vivida. Rolava o ano de 1969, auge da repressão. Um senhor entra numa delegacia da Zona Sul e autoritário exige ser atendido pelo Delegado o que é dificultado por um mal humorado escrivão. O irritado tom de voz do senhor chega aos ouvidos do Comissário que aparece aos gritos: Tá pensando que isto aqui é casa da mãe Joana?! O apopléctico senhor parece que vai dar uma de “sabe com quem está falando”, mas se contém. Puxa o Comissário para um aparte e apresenta-se em segredo: é o General XX, famoso por suas ações contra-terrorismo. Cheio de mesuras o Comissário apressa-se em conduzi-lo ao Delegado. Um mutismo inexplicável ataca o General na presença do Delegado que imagina que o General ali está para solicitar a colaboração da polícia no estouro de um aparelho o que o faz perder-se num discurso laudatório às gloriosas forças armadas na defesa da ordem e dos poderes constituídos: .. estes terroristas têm mais é que ser exterminados sem dó nem... O General interrompe e pede a saída do Comissário. É indispensável o maior sigiloso. O Delegado ordena a saída do humilhado Comissário e aguarda a honrosa demanda que lhe fará o General. Este depois de muito pigarrear e hesitar termina por declarar que ali está para solicitar um flagrante de adultério: sua segunda mulher, muito jovem, o está traindo com um garotão. O Delegado disfarça o divertimento que lhe causa a ridícula situação e contrito apresenta suas condolências pontuadas com “é lamentável, lamentável...” Sigilo haverá, é claro, mas as formalidades legais terão que ser cumpridas: é necessária a presença do escrivão e do comissário além de um investigador e da sua própria. Mas fique o General tranqüilo. Ele cuidará para que nada transpire dentro ou fora da Delegacia. O General informa que irá participar da diligência e que embora a presença dos demais seja exigida deverão todos manter os olhos baixos em respeito a ele e àquela que apesar de tudo ainda é sua mulher. O Delegado com tudo concorda. Agendados dia e hora de acordo com as informações fornecidas pelo General, este deixa a Delegacia onde minutos depois explodem gargalhadas em todas as dependências. Não querendo mostrar favorecimento o Delegado promove um sorteio para indicar qual dos investigadores terá o privilégio de participar do flagrante. O escrivão, sempre relegado a uma menor importância, está exultante. No dia e hora aprazados encontram-se todos na calçada, frente a um hotel em Copacabana. O Delegado conduz a diligência como sendo uma operação de altíssimo risco. O Comissário entra sozinho, encarregado da negociação necessária à obtenção da chave do quarto. Conseguida esta, volta à calçada. O Delegado determina que os membros da diligência (incluindo o General) entrem no hotel a intervalos regulares para não chamar atenção. Deverão se encontrar na porta do quarto do pecaminoso casal. Risos dos funcionários de hotel acompanham a entrada do General evidenciando que o Comissário compartilhou com eles a história. Exigindo sigilo, é claro! Murmurando em frente ao quarto o Delegado, ordena severo: olhos baixos de preferência fechados! A presença de vocês é apenas para que se cumpra a formalidade. Ninguém olha! O escrivão escandalizado tenta se insurgir. Se não olhar como é que vai lavrar o termo? O Delegado rebate: lavra-se de memória, cretino! É tudo sempre igual: nudus cum nuda in eodem lectum*! Orgulhoso pela citação latina ele volta-se buscando o aplauso do General que furibundo diz apenas: Cale-se, idiota! Humilhado o Delegado repassa a fúria a seus subordinados como se a frase no singular fosse um lapso do General: Calem-se, idiotas! A um sinal do Delegado, o Comissário gira a chave e entram todos de supetão no quarto onde o adultério está sendo consumado a pleno vapor. Bastam alguns segundos para que a jovem senhora reaja: ela põe-se em pé na cama exibindo sua esplendorosa nudez e aos gritos dirige impropérios ao General usando palavras que aqui eu não ousaria transcrever, mas que são furiosamente anotadas pelo escrivão que se não podia ver, podia ouvir. O Delegado solene e respeitoso, olhando de banda, adianta-se tentando cobrir a nudez da jovem com um lençol. Esta se debate aplicando-lhe uma saraivada de tapas certeiros. Empenhado em defender-se e de costas para o grupo que permanece de olhos baixos ele não vê que o General acaba de puxar de uma enorme pistola apontando-a para o atlético rapaz que até aquele momento parecia estar se divertindo muito. Este apavorado percebe que sua vida está por um fio e rápido apossa-se do avantajado corpo do Delegado, fazendo-o sentar-se em seu colo, usando-o como um escudo. O Delegado em pânico se dá conta de que acaba de se transformar num alvo certeiro para o tresloucado General. E mandando para o espaço o respeito à patente, o Delegado urra para a equipe: SEGURA O CORNO! SEGURA O CORNO!
* Nu com nua na cama – a modalidade mais grave de adultério segundo a legislação da época.
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