NOME DE POBRE NO BRASIL
sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013
MARIA-CHUTEIRA, MARIA-SEM-VERGONHA, MARIA-APOSTILA, MARIA-LATTES
Os dicionários ainda não registram todas as marias. E já nasceram mais duas: a maria-apostila e a maria-lattes. Elas mandam recados obscenos aos mestres. Usam para isso os exercícios, as provas, as redes sociais, as apostilas e também a Plataforma Lattes do CNPQ, onde estão os currículos dos professores universitários. Quem as registrou foi o jornalista Nelson Motta, em O Globo, 01 fev 13, p.23.
Todos tivemos e temos outras marias em nossas vidas. “Maria-condé”, dizíamos todos, um de cada vez. “Bate nas costas e vai te esconder”, respondia a criança escolhida para procurar as outras. Estávamos no Sul. Em outras regiões do Brasil, a brincadeira infantil tem outros nomes, como maria-macumbé e maria-mucanguê.
Já maria-chiquinha é assim definida no Dicionário Aulete: “Penteado feminino em que o cabelo (de comprimento médio a comprido) é dividido ao meio, do alto até a nuca, e as madeixas são presas, separadamente, por elásticos ou fitas, junto à cabeça.”
Quando minha mãe teve vocação para eu ser padre, quem me levou à estação ferroviária foi meu pai. Lá conheci a maria-fumaça. Não viajei na primeira classe, a última, bem longe da fumaceira, com bancos estofados. Viajei na segunda, pertinho da fumaceira, sentado em banco de madeira.
Dali a sete anos, quando deixava o seminário, embarcava de novo na maria-fumaça, que os dicionários definem como “tipo de locomotiva movida a vapor”, mas que designa também a pessoa que fuma demais.
Eu já estava crescidinho, mas ainda não tinha comido maria-isabel. Nem tico-tico aliás. Mas este não vem ao caso, é apenas sinônimo de maria-judia, que também não comi. Apresso-me a dizer que maria-isabel designa um prato feito de arroz com carne-seca, comida típica do Araguaia. E que maria-judia é um passarinho. E judia sozinha é um peixe, embora o Espanhol tenha judía, equivalente ao nosso feijão-de-frade ou feijão-fradinho, em geral comido em forma de saladas ou misturado a acarajés. Maria-mole já comi. É doce feito de clara de ovo e coco.
Maria-vai-com-as outras designa pessoa sem vontade própria, cujo nome se deve à mãe de Dom João VI, a rainha Maria I, a Louca, que não podia mais sair de casa por vontade própria, sozinha, e saía sempre com outras marias, que a amparavam, guiavam e cuidavam, pois tinha enlouquecido.
Maria-mijona designa a menina, moça ou mulher feita, que veste roupas compridas, desjeitosas, saias tortas.
Maria-gasolina é a garota que se interessa mais pelo tipo de carro do que pelo motorista.
Maria-chuteira surgiu à beira dos campos de futebol, de olho nos jogadores, qualquer um, por mais feio que nos pareça, mostrando um sorriso de pensão alimentícia, que lhes vai garantir o sonho de viver sem trabalhar.
A maria-apostila e a maria-lattes são tão atrevidas que a maria-sem-vergonha anda com uma cor ainda mais rubra nas flores, exalando junto com o perfume uma inusitada timidez. (xx)
• Escritor, professor e vice-reitor da Universidade Estácio de Sá.
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Como sempre leitura mais que gostosa. Maria, eu também, é um nome que me encanta. Jamais me chamaram assim. Ou vem precedido de Anna ou limita-se a este Anna que se transforma por vezes em detestáveis Anusca, Aninha ou Anoca, por arte das primas. Adorei, e não conhecia, a Maria Lattes. Como sempre aprendendo com você. Coisa boa esta de aprender. E o que é mais importante: "apreender". Na minha idade é um privilégio que propicia o prazer de não usar a nostálgica frase de meus co-provectos "no meu tempo..." trazendo a sensação de que "meu tempo" é o "agora". Obrigada, Deonísio.
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