NOME DE POBRE NO BRASIL

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

O JOÃO-DE-BARRO E A VACA SEM RABO

Um joão-de-barro estava atrasando as obras de uma estrada. A árvore onde ele fizera sua casinha não podia ser derrubada. Ambos estavam sob a proteção das leis vigentes. Todos foram à Justiça. A sociedade para o progresso do joão-de-barro e as entidades protetoras dos pássaros, dos morcegos e de outros animais voadores pleitearam a interrupção das obras. Quanto às vidas humanas perdidas naquela curva sinistra e aos demais que ali morreriam, ninguém propôs sua defesa! Por sua vez, a empreiteira e o Estado reclamaram o direito de fazer estradas.
único que não recorreu ao Judiciário foi o Furnarius Rufus, como é conhecido em Latim o joão-de-barro. Que de barro não é, de barro é apenas a casinha que ele faz desde tempos imemoriais, sem jamais ter estudado engenharia ou arquitetura. Todavia nenhum juiz precisou deliberar. Um capiau ofereceu a solução. De vez em quando dava um temporal ali e muitas árvores eram arrancadas.
O capataz não demorou a entender a sabedoria da proposta do caipira. E em noite de trovoada encostou a lâmina de uma das máquinas na árvore, derrubando-a. No dia seguinte, um fiscal compareceu para atestar que o responsável pela nova situação tinha sido um vendaval. Como ainda não se leva a natureza aos tribunais, o caso ficou por isso mesmo. Estava relembrando o ocorrido, quando o juiz José Maria da Costa, autor do Manual de Redação Jurídica, relatou caso semelhante, ocorrido em município do interior de São Paulo, em cuja comarca o processo foi instaurado. Um caminhão atropelou uma vaca de raça. Em consequência do acidente, o animal, avaliado em quinhentos mil na moeda da época, perdeu o “apêndice caudal”, de acordo com o atestado emitido pelo veterinário para “fins indenizatórios”. Cá para nós, animal, in casu, era o motorista, que não entendeu os sinais de luz dos outros carros, vindos em sentido contrário, alertando para o perigo na estrada. A vaca sobreviveu, mas perdeu o rabo na trombada. Sem o “apêndice caudal”, ela não pôde mais espantar as moscas, que encheram de larvas a parte traseira de suas carnes. Ela não alcançava espantá-las com as orelhas ou com as guampas. E muitos bernes surgiram ali!
Sem o “apêndice caudal” – como se sabe, a maioria dos advogados abomina a simplicidade no ato de escrever e exagera nas complicações de estilo – a vaca não pôde mais ser exibida em exposições, onde eram realizados os concursos de miss vaca, e seu dono pleiteou indenização dos danos sofridos. Vejam o que nossos juízes são obrigados a julgar! O juiz encarregado do processo confidenciou a um colega do fórum: “nem que a vaca tussa vou dar sentença favorável ao dono do animal”. “Mas assim a vaca vai pro brejo”, disse o colega, já às risadas. “Ele quis nos dar o drible da vaca”, replicou o primeiro juiz. E a indenização foi negada. De cabo a rabo, esta é a crônica desta semana. (xx) º Da Academia Brasileira de Filologia, professor (aposentado) da UFSCar (SP) e consultor das universidades Estácio (RJ) e Unisul (SC).

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