NOME DE POBRE NO BRASIL

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

LALINHO É UM PARAFUSO IMPORTANTE

A volta do marido pródigo, conto de João Guimarães Rosa reunido em Sagarana, tem, não um subtítulo, mas um supertítulo: Traços biográficos de Lalino Salãthiel. A história poderia passar-se em Macondo ou em São Joaquim da Barra. Conhecemos muitos tipos como Lalino, que atende também por Laio. Trabalhando ao lado de Marra, apelidado Marrinha, ele propõe disfarçar a tristeza indo assistir a uma peça de teatro intitulada Visconde Sedutor. Marrinha, porém, propõe que em vez de irem à peça, eles poderiam representar “esse drama” ali onde moram e trabalham: “Vamos sentar aqui nestas pedras e você vai me contar a peça”. Lalino explica que “quando levanta o pano, é uma casa de mulheres”, “umas vinte, todas bonitas, umas vestidas de luxo, outras assim...sem roupa nenhuma...” Marrinha fica apavorado: “Tu estás louco, seu Laio? Onde é que já se viu esse despropósito? E as famílias, homem? Eu quero é levar peça para famílias...Você não está inventando? Onde você viu isso?”. Laio se atrapalha: “No Rio de Janeiro! Na capital...”. “Mas você não disse, antes, que tinha sido lá no Bagre?” “Cabeça ruim minha. Depois me alembrei...No Bagre eu vi foi A Vingança do Bastardo. Sabe? Um rapaz rico que descobriu que...” Eulálio de Souza Salãthiel, seu nome completo, para surpresa de todos um dia vai embora para a capital, atrás do amor: “bom, barato e bonito, como queriam os deuses”. E deixa a sua mulher, Maria Rita, desolada de tristeza. Mas Lalinho, terminando o dinheiro que levou, um dia volta. A coisa vai e vem, e Lalinho vira político e passa a ajudar o Major Anacleto, chefe político local. Um trecho deste conto, transcrito na semana passada por Roberto Da Matta para artigo publicado em O Globo e no Estadão, me obrigou a reler a narrativa por puro gosto. "Major Anacleto relia - pela vigésima terceira vez - um telegrama do Compadre Vieira, Prefeito do município, com transcrições de um outro telegrama, do secretário do Interior, por sua vez inspirado nas anotações que o presidente do Estado fizera num anteprimeiro telegrama, de um ministro conterrâneo. E a coisa viera vindo, do estilo dragocrático-mandológico-coactivo ao cabalístico-estatístico, daí para o messiânico-palimpséstico-parafrástico, depois para o cozinhativo-compradesco-recordante, e assim, de caçarola a tigela, de funil a gargalo, o fino fluido inicial se fizera caldo gordo, mui substancial e eficaz; tudo isso entre parênteses, para mostrar uma das razões por que a política é ar de fácil se respirar -, mas para os de casa, os de fora nele abafam, e desistem". Pois coube ao mulato Lalinho, pelo qual ninguém dava nada ou dava pouco, recuperar o poder de Major Anacleto. Como nas engrenagens complexas, também na sociedade um pequeno parafuso não raro cumpre função estratégica e sem ele nada funciona direito. Para entender o Brasil, é preciso ler seus autores de referência. E Guimarães Rosa é um dos mais importantes. (xx) º Da Academia Brasileira de Filologia, escritor e professor, doutor em Letras pela USP (xx).

Nenhum comentário:

Postar um comentário