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sexta-feira, 13 de julho de 2012
LOTTE & ZWEIG, POR OSVALDO FÉLIX DA SILVA
O comentário que segue,de qualidade extraordinária, revelando um viés de todo singular sobre meu mais recente romance, Lotte & Zweig (Editora Leya, 2012), foi escrito pelo professor Osvaldo Félix da Silva. Seria egoísmo duplo, meu e dele, privar os leitores de tão sagazes, pertinentes e originais observações.
Osvaldo, ao contrário de tantos, é avesso a publicar o que acha dos livros que lê. Rompo essa sua idiossincracia e transcrevo nesse blogue o que ele achou do meu romance, como segue.
" Em face das diferenças e dos desencontros que espinham a narrativa de Lotte e Zweig, vejo no narrador as duas vertentes que norteiam o espírito criativo de seu autor: a de descobrir e a de encobrir. A descoberta em suas narrativas é consequência de um trabalho de investigação e pesquisa minuciosa, motivado, é bem possível, por sua formação acadêmica. O ato de encobrir decorre de seu trabalho artístico em colocar “sobre a nudez forte da verdade o manto diáfano da fantasia”
Torna-se instigante no romance como a especificação do pormenor institui a construção do discurso ficcional, uma vez que o autor estabelece nexos sucessivos que inserem a particularidade dos detalhes na abrangência do significado. Ao reviver os instantes finais do casal, o narrador mostra ao leitor que o que passa só ganha significado ao desvendar o que permanece. E o que permanece reflui sobre os pormenores e lança nova luz para sua compreensão. Assim, a vinculação da morte de Zweig a certos pormenores, como a Declaração, a autópsia feita às pressas por um médico sem qualificação devida, faz surgir o desenho de um modelo, típico das situações forjadas por interesses inescrupulosos.
Um exame estilístico que analisasse a perspectiva do narrador nos reportaria à palavra “conciliação”, porque as duas partes da narrativa abrem janelas a dois extremos. De um lado um espírito que reconhece que onde há história há conflito e que versões antagônicas apenas comprovam que contra fatos há, sim, argumentos; de outro uma visão que delega à imaginação a possibilidade de os acontecimentos contornarem a linha cíclica da história sombreando em claro-escuro os espaços deixados abertos pelos trabalhos de pesquisa.
O melhor da narrativa de Lotte e Zweig é o que fica no meio da história e da História: o modo do narrador ver a vida e o modo de dizê-lo no universo da ficção, modo esse que não obedece a uma relação mecânica de causa e efeito, e, por isso mesmo, expõe ao leitor a idéia de que toda mudança de olhar demanda um trabalho de decifração.
O humor do Deonísio, sua observação sobre certos pormenores do povo, na primeira parte, e as observações do investigador na segunda geram uma curiosa harmonia: o convívio com as diferenças acaba por engendrar uma fina e irônica conciliação entre as oposições. Uma certeza que despista, na primeira parte, e uma hipótese que não pode ser descartada, na segunda. Um humor com certo fundo melancólico une ambas.
Deonísio é um dos poucos autores da atualidade que sabe diferenciar perfeitamente humor de ironia. A ironia é o sorriso zombeteiro dos que se comprazem em dizer o inverso do que pensam, sem envolverem-se emocionalmente com o que dizem, nem com o que pensam. Já o humor sente e ressente a agonia dos contrastes. A angústia gerada pela reflexão do contraditório plasma a expressão humorística. O humor do Deonísio caminha por um mundo conformista, mas um mundo conformista sem modelo a que se conformar. Em Lotte & Zweig o suicídio não deixa de ser visto como um homicídio, e como tal precisa ter suas causas devidamente averiguadas. A morte do casal não é um fato contra o qual não há argumentos. O reconhecimento do fato consumado não pode negar ao homem o direito à discussão e à análise dos acontecimentos. O autor não aceita o fato como necessidade inelutável e não aceita como inapelável as circunstâncias oficiais que o formaram.
O modo como expõe suas idéias (seja em romances ou conferências) revela que o autor educou o seu olhar em determinados valores e modos de pensar que lhe permitiram um refinamento intelectual e deram à sua linguagem um tempero por vezes picante mas sem jamais extrapolar os limites da discrição. Um discurso aparentemente simples que sabe expor a substância da vida sem vesti-la com a plumagem sintética da erudição.(xx)
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