NOME DE POBRE NO BRASIL

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

A MEDIDA QUE NOS MEDIRÁ EM 2011

Faz mais de 2500 anos que o filósofo grego Pitágoras disse que “o homem é a medida de todas as coisas”.
O homem começou usando a si mesmo para medir a extensão daquilo que o rodeava. Polegada, dedo, palmo, mão, pé, braço, côvado, punhado etc.
Foram tão fortes essas medidas que ainda hoje, em plena era tecnológica e numa sociedade high tech, damos de cara com elas. O avião está a tantos pés de altura. A telinha da televisão e a do computador são medidas por polegadas.
No momento, escrevo esta coluna num notebook cuja tela é de 16,1 polegadas. É nela que vejo surgirem, luminosos, os dois dedos de prosa que mantenho com vocês toda semana. Para ligar a máquina, usei uma senha digital: passei meu dedo num sensor. E enquanto escrevo, o cursor, antigo escravo romano que seguia o dono pelas ruas da antiga Roma, segue as palavras, marcando espaços entre uma e outra e entre as linhas e parágrafos.
E que meço com os dedos estendidos? Da ponta do dedo mínimo à ponta do polegar são mais ou menos oito polegadas. Pelo sistema métrico, uma polegada mede 2,75 cm. Este é o comprimento de um palmo, medida que, multiplicada por sete, resulta nos conhecidos sete palmos, que designam também o buraco na terra para receber a última embalagem de nosso corpo, o caixão. A primeira foi a placenta. Por isso dei o título de A placenta e o caixão a meu mais recente livro de crônicas.
A propósito, são da cantora inglesa Britney Spears esses versos: “Mantenha nossos corações batendo/ Batendo ainda/ A sete palmos/ Um funeral por todos os amores que perdemos/ Vamos enterrar o ontem/ As coisas que eu nunca disse antes/ Sempre a sete palmos”.
Para medir, mudamos o gênero do braço, passando a braça. Fizemos isso porque em latim braço é bracchium, mas como não era masculino nem feminino, era neutro na língua-mãe, ao inventarmos a medida, usamos os dois braços, e o plural neutro de bracchium é bracchia. Nos dois casos, transformamos em som de “s” aquilo que tinha som de “k”. Mas nosso plural é feito com “s” e por isso começamos a dizer “braças” e não “braça”apenas, para o plural.
Do antigo Egito, onde os hebreus viveram como escravos, trouxeram a medida denominada côvado, que, para os egípcios resultava mais ou menos em 45 centímetros. O homem foi aumentando de estatura e hoje é possível que um côvado tenha como referência 52 centímetros. Côvado veio do latim cubitus, cotovelo, designando também o antebraço. Assim, a medida era resultante da extensão do cotovelo à ponta do dedo médio.
Ao determinar a Noé o tamanho da Arca, Deus utilizou o côvado como medida: “Farás uma arca de três andares, com 300 côvados de comprimento, 50 de largura e 30 de altura. Farás o teto um côvado mais alto”.
É uma lenda bíblica, provavelmente influenciada por outro dilúvio, o de Gilgamesh. Afinal, o cativeiro dos judeus na Babilônica durou quase meio século.
Todos nós embarcamos em 2011, preocupados em medir o próximo. Com a mesma medida, seremos medidos. (xx)

• Escritor, professor, Doutor em Letras pela USP, Deonísio da Silva é Pró-reitor de Cultura e Extensão da Universidade Estácio de Sá, no Rio.

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