Etimologia
Expressão muito comum, conto do vigário formou-se de conto, da redução do latim computus, cômputo, cálculo, derivado de computare, contar, mas com o sentido de narrar, e de vigário, do latim vicarius, que está no lugar de outro. De vigário originou-se vigarista, que significa ladrão.
por Deonísio da Silva*
Atalaia: do árabe at-talaia, plural de talaia, lugar alto, de onde se exerce vigilância; sentinela; sobreaviso. Aparece neste trecho de Contrastes e Confrontos, obra do escritor paulista Euclides da Cunha (1866-1909): "Adensaram-se em batalhões as patrulhas errantes e dispersas dos pedestres; e avançaram ao acaso pelas matas em busca dos adversários invisíveis. Os garimpeiros remontavam às serras: espalhavam-se em atalaias; grupavam-se em guerrilhas diminutas; e por vezes os graves intendentes confessavam aos conselhos de ultramar a 'vitória de uma emboscada de salteadores' ".
Conto do vigário: de conto, da redução do latim computus, cômputo, cálculo, derivado de computare, contar, mas com o sentido de narrar, por enumerar os detalhes; e de vigário, do latim vicarius, que está no lugar de outro, que o substitui. Na hierarquia católica, designou originalmente aquele que o capítulo da diocese nomeava para substituir o bispo ou o padre em caso de morte ou transferência. No Brasil, como os provisórios são quase sempre definitivos, veio a indicar o pároco titular de uma paróquia. Antes do recente Acordo Ortográfico, era escrito "conto-do-vigário", com dois hifens, para designar o que continua designando: trapaça, engano, embuste.
Espreitar: da mistura de duas palavras latinas, spectare, olhar, observar, e explicitare, revelar com detalhes, derivado de explicare, explicar. O verbo é muito praticado pelos paparazzi, plural de paparazzo, apresentados pelo cineasta italiano Federico Fellini (1920-1993) no filme A Doce Vida (1960). Ele se inspirou no fotógrafo italiano Tazio Secchiaroli (1925-1998), que surpreendia as celebridades, clicando-as nos momentos mais inesperados, como faziam os paparazzi com a personagem vivida pela atriz sueca Anita Ekberg (79). Em 1898, o chanceler do Império Alemão, Otto von Bismark (1815-1898), fotografado no leito de morte, declarou: "Nunca se sabe se alguém vai ser fotografado ou morto por tais indivíduos".
Homofobia: dos compostos homo e fobia, vindos dos étimos gregos homos, semelhante, igual, e fóbos, medo. Designa aversão ou ódio a homossexuais, mais aos homossexuais masculinos do que às lésbicas. Num tempo em que as lutas pelas liberdades alcançaram também a opção sexual, os homofóbicos representam atraso e chegam a agredir homossexuais nas cidades, principalmente nas grandes metrópoles, praticando crimes diversos.
Vigarista: de vigário, do latim vicarius, e sufixo ista. Substantivo de dois gêneros, designa ladrão, ladra, meretriz, trapaceiro e sobretudo o autor do conto do vigário, que inventa uma história mirabolante que, apesar das complicações, tem verossimilhança. O objetivo é enganar os incautos. No livro Os Contos e os Vigários: Uma História da Trapaça no Brasil, José Augusto Dias Júnior (49), doutor em História Cultural pela Universidade de Campinas (Unicamp), em São Paulo, examina o livro Os Ladrões no Rio, publicado em 1903 pelo delegado de polícia Vicente Reis. Um falso pároco espanhol envia ao brasileiro José Martins Barbosa, de Lorena, em São Paulo, cartas em que relata que um coronel do Exército espanhol, Eduardo Martinez Castellano, por perseguição de inimigos, foi condenado à morte. Ouvido em confissão, segredou ao tal vigário que deixou uma herança de 2,45 milhões de pesetas para uma órfã chamada Luiza, de 13 anos. E, como o brasileiro foi a pessoa de melhor índole que conheceu em sua estada no Brasil, pede ao vigário que o localize e lhe confie fortuna e filha. O dinheiro está, porém, no fundo falso de uma mala embargada judicialmente. Para retirá-la, é preciso pagar as custas do processo. Também o poeta português Fernando Pessoa (1888-1935) tratou do tema. Segundo ele, a origem é o nome português Manuel Peres Vigário. Dias Júnior esclarece: "Não é necessário que Manuel Peres Vigário tenha existido ou feito o que lhe é atribuído; basta que o chiste tenha caído no gosto popular". Já o catedrático da Universidade de São Paulo Francisco da Silveira Bueno (1898-1989), em Grande Dicionário Etimológico Prosódico da Língua Portuguesa, volume 8, dá outra explicação: "A origem desta expressão estará, certamente, no espírito irreverente do povo que não leva a sério as narrações piedosas dos párocos a respeito da outra vida ou da intercessão milagrosa dos santos, etc.".
* Deonísio da Silva (62), escritor, é doutor em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), professor, pró-reitor de Cultura e Extensão da Universidade Estácio de Sá, do Rio de Janeiro, e autor de A Placenta e o Caixão, Avante, Soldados: Para Trás e Contos Reunidos (Editora LeYa). Seus livros já foram premiados pelo MEC, Biblioteca Nacional e Casa de las Américas. E-mail: deonisio@terra.com.br
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