Por Deonísio da Silva em 18/1/2011
Jantávamos no Copacabana Palace, ano passado, quando a Universidade Estácio de Sá concedia o título de doutor honoris causa ao professor e estadista português José Manuel Durão Barroso. De repente chega Ziraldo, meio perdido, e me pede para arranjar-lhe um lugar. Deixo minha mesa e o acompanho até onde está o escritor e prefeito de Ouro Preto, Ângelo Oswaldo de Araújo Santos. Fico lá algum tempo e quando volto a meu lugar ele já tinha sido ocupado.
João Barroso, primo do homenageado e diretor de Relações Institucionais, me arruma outra mesa, onde está o empresário Flávio Teruszkin, do grupo de mesmo nome, casado com a Miss Brasil de 1958, Adalgisa Colombo, que, no Miss Universo daquele mesmo ano, ficou em segundo lugar, depois de um empate com a colombiana Luz Marina Zuluaga. Adalgisa Colombo foi a miss que mais frequentou as capas das antigas revistas Cruzeiro e Manchete.
Meu editor deste Observatório que releve esta introdução. Nosso assunto é mídia e, por enquanto, ainda não entrei nele, a não ser de viés. Entro agora.
A conversa com o prefeito de Ouro Preto foi sobre o prefácio que ele fez a Bardos & Viúvas (Editora Casa de Minas, 462 páginas), romance de Benito Barreto ambientado na Inconfidência Mineira. Como sempre a mídia fez com esse autor, seus romances ganham uma notinha aqui, outra ali, uma citação alhures, mas nem sombra dos latifúndios concedidos a outros autores que nem de longe têm a importância, a relevância e a referência solar que a obra de Benito Barreto é para a literatura brasileira.
Conluio atroz
São mistérios da mídia. Já fizeram o mesmo com outros autores, seja qual for o gênero. Ganchos para noticiá-lo sempre houve muitos, desde o verdadeiro monumento que é Os Guaianãs para nossas letras, saga de uma inventada, heroica e arrebatadora guerrilha rural nos sertões de Minas e da Bahia, nas décadas de 60 e 70, composta de quatro romances: Plataforma vazia (1962), Capela dos homens (1968), Mutirão para matar (1974) e Cafaia (1975).
No Brasil, quem mais se ocupou de reconhecer o talento de Benito Barreto foi José Hildebrando Dacanal, economista e professor de Literatura Brasileira na UFRGS, em Porto Alegre, hoje aposentado. Foi ele quem fez com que o editor Roque Jacoby, depois secretário da Cultura do Estado, no governo Germano Rigotto, lançasse os quatro romances reunidos naquele título. E, em fins do ano passado, a União Brasileira de Escritores, seção do Rio de Janeiro, deu-lhe o Prêmio João Felício dos Santos por Bardos & Viúvas, como o melhor romance histórico do ano. O galardão lhe foi entregue na Academia Brasileira de Letras.
Sempre polêmico, Dacanal diz num dos prefácios a Bardos & Viúvas que "os gaúchos falam demais sobre o seu passado" e "criaram um passado que nunca existiu", ao passo que "os mineiros talvez falem menos" e "esqueceram um passado que realmente existiu".
A maioria da mídia, num conluio surpreendente e atroz com a maioria de nossas escolas e universidades, vem ignorando Benito Barreto há algumas décadas.
Boca do povo
Sabem quem não dá a mínima para tais descasos? O autor! Em 2009, Os idos de Maio; em 2010, Bardos & Viúvas; em 2011 virá o terceiro romance desta Saga do Caminho Novo. Quando concluir esta segunda tetralogia, ele terá escrito oito romances que interpretaram o Brasil a partir de painéis grandiosos, avessos a qualquer minimalismo, desses que, hegemônicos, dominam nossos cadernos literários.
Quem está falhando? Todos nós. Escritor e professor, sou o primeiro publicano a bater no peito e dizer "mea culpa", sem esperança de que os fariseus se apresentem. Ou talvez não seja culpa de ninguém. Na mídia, nas escolas, nas universidades e até nas livrarias parece haver um combate involuntário contra o Brasil e contra os brasileiros. Com culpa ou sem culpa, o resultado é o mesmo: autores como Benito Barreto são ainda insuficientemente conhecidos por quem é pago para informar na mídia, pago para ensinar em escolas ou universidades, pago para mostrar nas livrarias o que há para ler para se conhecer, entender e amar o Brasil, como se faz em muitas outras nações.
O poeta, cronista e professor Affonso Romano de Sant´Anna surpreendeu-se, em sua visita ao Irã, quando um guia turístico ia contando a história do país referindo em todos os relatos algum trecho de escritores persas dos vários períodos da rica literatura daquele país. Lá, os escritores estavam na boca do povo, até mesmo dos guias turísticos.
Parece que vamos demorar um pouco mais, mas nosso dia chegará. Talvez. Que chegue o dia em que autores como Benito Barreto não sejam acepipes literários degustados por tão poucos.
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