Faz mais de 2500 anos que o filósofo grego Pitágoras disse que “o homem é a medida de todas as coisas”.
O homem começou usando a si mesmo para medir a extensão daquilo que o rodeava. Polegada, dedo, palmo, mão, pé, braço, côvado, punhado etc.
Foram tão fortes essas medidas que ainda hoje, em plena era tecnológica e numa sociedade high tech, damos de cara com elas. O avião está a tantos pés de altura. A telinha da televisão e a do computador são medidas por polegadas.
No momento, escrevo esta coluna num notebook cuja tela é de 16,1 polegadas. É nela que vejo surgirem, luminosos, os dois dedos de prosa que mantenho com vocês toda semana. Para ligar a máquina, usei uma senha digital: passei meu dedo num sensor. E enquanto escrevo, o cursor, antigo escravo romano que seguia o dono pelas ruas da antiga Roma, segue as palavras, marcando espaços entre uma e outra e entre as linhas e parágrafos.
E que meço com os dedos estendidos? Da ponta do dedo mínimo à ponta do polegar são mais ou menos oito polegadas. Pelo sistema métrico, uma polegada mede 2,75 cm. Este é o comprimento de um palmo, medida que, multiplicada por sete, resulta nos conhecidos sete palmos, que designam também o buraco na terra para receber a última embalagem de nosso corpo, o caixão. A primeira foi a placenta. Por isso dei o título de A placenta e o caixão a meu mais recente livro de crônicas.
A propósito, são da cantora inglesa Britney Spears esses versos: “Mantenha nossos corações batendo/ Batendo ainda/ A sete palmos/ Um funeral por todos os amores que perdemos/ Vamos enterrar o ontem/ As coisas que eu nunca disse antes/ Sempre a sete palmos”.
Para medir, mudamos o gênero do braço, passando a braça. Fizemos isso porque em latim braço é bracchium, mas como não era masculino nem feminino, era neutro na língua-mãe, ao inventarmos a medida, usamos os dois braços, e o plural neutro de bracchium é bracchia. Nos dois casos, transformamos em som de “s” aquilo que tinha som de “k”. Mas nosso plural é feito com “s” e por isso começamos a dizer “braças” e não “braça”apenas, para o plural.
Do antigo Egito, onde os hebreus viveram como escravos, trouxeram a medida denominada côvado, que, para os egípcios resultava mais ou menos em 45 centímetros. O homem foi aumentando de estatura e hoje é possível que um côvado tenha como referência 52 centímetros. Côvado veio do latim cubitus, cotovelo, designando também o antebraço. Assim, a medida era resultante da extensão do cotovelo à ponta do dedo médio.
Ao determinar a Noé o tamanho da Arca, Deus utilizou o côvado como medida: “Farás uma arca de três andares, com 300 côvados de comprimento, 50 de largura e 30 de altura. Farás o teto um côvado mais alto”.
É uma lenda bíblica, provavelmente influenciada por outro dilúvio, o de Gilgamesh. Afinal, o cativeiro dos judeus na Babilônica durou quase meio século.
Todos nós embarcamos em 2011, preocupados em medir o próximo. Com a mesma medida, seremos medidos. (xx)
• Escritor, professor, Doutor em Letras pela USP, Deonísio da Silva é Pró-reitor de Cultura e Extensão da Universidade Estácio de Sá, no Rio.
NOME DE POBRE NO BRASIL
sexta-feira, 31 de dezembro de 2010
terça-feira, 21 de dezembro de 2010
OS FUZILADOS DE SOCA, NO URUGUAI
A falta que faz um WikiLeaks na América do Sul! Estou no Uruguai por uns dias. Viajo de carro. Vi a algumas dezenas de quilômetros de Montevideu uma plaquinha na estrada indicando Memorial dos Fuzilados de Soca, com saída à direita, para quem vem de Punta del Este. Estranhei que, lendo jornais todos os dias no Brasil, não tenha sabido disso. Em 1974, seis uruguaios foram sequestrados na Argentina e fuzilados na localidade de Soca. Um sobreviveu e contou a história, em 2004, trinta anos depois, mas em 1985 a Armada uruguaia já pedira perdão a um capitão de fragata, que é irmão de uma das vítimas. Amaral García, menino naquela época, é filho de uma vítimas. Em agosto deste ano os ditadores uruguaios Juan Matia Bordaberry e Gregorio "Goyo"Alvarez foram condenados por estes e outros crimes. Goyo pegou 25 anos de prisão. Está com 84. Era a tristemente famosa Operação Condor, que quase deu certo em Porto Alegre. Os gaúchos devem lembrar dos jornalistas Lilian e Gumercindo, e do Didi Pedalada, figuras do caso!
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
ETIMOLOGIA: ALBATROZ, GLOBOSFERA, INCREMENTO, SONDAR, TULIPA.
Etimologia
Maior ave voadora do planeta, cantada no poema O Navio Negreiro pelo poeta baiano Castro Alves, albatroz teve origem no árabe al-gattás, mergulhador. Tulipa, flor cultivada atualmente até mesmo no Brasil, veio do turco tulbend, que designa também o turbante.
por Deonísio da Silva*
Albatroz: do inglês albatross, pelo francês albatros, com influência do espanhol alcatraz, pelicano. A origem remota é o árabe al-gattás, mergulhador. Designa a maior ave voadora do mundo, cujas asas chegam a medir 3,5 metros de uma ponta à outra. Tal distância é denominada envergadura. O poeta baiano Castro Alves (1847-1871) a ela se refere em O Navio Negreiro: "Albatroz! Albatroz! Águia do oceano,/ Tu que dormes das nuvens por entre as gazas:/ Sacode as penas, Leviatã do espaço!; Albatroz! Albatroz! Dá-me essas asas!".
Globosfera: de globo, do latim globus, e de esfera, do latim sphera, que, pela junção das duas palavras, passou a constituir-se como sinônimo de blogosfera, espaço da rede mundial de computadores onde jornais e revistas podem ser lidos antes ou depois de impressos, incluindo conteúdos que jamais serão publicados em papel, além de músicas e vídeos que também podem ser editados e publicados na globosfera, de que são exemplos os materiais encontrados no Youtube. O Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, um dos mais antigos diários brasileiros, abandonou leitores em bancas e assinantes, deixando de ser impresso, e agora está disponível apenas na Internet.
Incremento: do latim incrementum, do mesmo étimo de crescer, de excremento e de excrescência, mas nesses dois últimos justamente o prefixo "ex" muda-lhes o sentido. Designa o crescimento, visto como desenvolvimento. O poeta paulista Manuel Batista Cepelos (1868-1915), autor de poemas nacionalistas como Os Bandeirantes, usa a palavra como sinônimo de crescimento no poema O Fundador de São Paulo, em que trata de José de Anchieta (1534-1597): "Estende-se o comércio, em soberbo incremento;/ Circula como um sangue a riqueza na praça;/ E, numa rapidez superior à do vento,/ Os prelos dão à luz e o trem de ferro passa.../ E na sua modéstia e na sua roupeta,/ De repente me surge a figura de Anchieta,/ Melancolicamente apoiada a um bordão...".
Sondar: do latim subundare, ir para debaixo da onda, pelo francês sonder. Em latim, onda é unda, isto é, água em movimento. O étimo está presente em inundar, inundação. Designa ato de examinar alguma coisa para além da superfície, às vezes usando uma sonda, do francês sonde, para fazer isso. Em sentido figurado significa conhecer algo para além das aparências, procurando as profundezas. Quando uma pessoa diz que foi sondada para ser ministra da presidente eleita Dilma Rousseff (62) - fará 63 anos no próximo dia 14 -, o que quer dizer é que alguém a consultou antes de anunciar a escolha. Todavia alguns dizem que foram sondados, mas não o foram.
Tulipa: do turco tulbend ou do persa dulband, pelo latim tulipa, e daí ao holandês tulipa e ao francês tulipe. No turco e no persa, a mesma palavra designa o turbante. A flor ganhou este nome porque sua forma lembra o pano enrolado à cabeça, por homens e mulheres do Oriente, costume que passou ao Ocidente como de exclusivo uso feminino. O primeiro registro da palavra aparece em carta que o embaixador Ogier Ghiselin de Busbecq (1522-1592), mais conhecido pelo nome latino Gislenius Busbequius, às vezes Augier Ghislain de Busbecq, escreveu a Ferdinando I, da Áustria (1503-1564), quando servia na corte de Suleimã, o Magnífico (1494-1566), informando em latim, sem dizer que o sultão era poeta e tinha três mulheres, que "per haec loca transeuntibus ingens ubique florum, copia offerebatur, narcissorum, hyacinthorum et eorum quos Turcae tulipam vocant". Francisco da Silveira Bueno (1898-1989), professor da Universidade de São Paulo por décadas, faz uma ironia no verbete, que registrou na página 4112 do 8º volume de seu Grande Dicionário Etimológico e Prosódico da Língua Portuguesa: "Se o leitor não souber traduzir este latim, recorra ao vigário da paróquia". Tal recomendação engraçada era válida na década de 1960, quando a Editora Saraiva publicou a obra de quase 5000 páginas. Naquele tempo, todos os alunos do ensino médio e secundário sabiam um pouco de latim, e os padres tinham domínio dessa língua, do contrário não seriam ordenados, pois não teriam passado nos cerca de 14 anos de preparação para o sacerdócio. Poucos embaixadores saberiam latim hoje. De todo modo, o trecho citado informa que por aqueles lugares (Império Otomano), os turcos chamavam tulipa a referida flor. O diplomata era filho bastardo do senhor do castelo Busbeck, origem de seu nome, com uma amante chamada Catarina. Pesquisador e sábio, foi ele também quem levou para a Europa o lilás e a cabra angorá.
* Deonísio da Silva (62), escritor, é doutor em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), professor, pró-reitor de Cultura e Extensão da Universidade Estácio de Sá, do Rio de Janeiro, e autor de A Placenta e o Caixão, Avante, Soldados: Para Trás e Contos Reunidos (Editora LeYa). Seus livros já foram premiados pelo MEC, Biblioteca Nacional e Casa de las Américas. E-mail: deonisio@terra.com.br
Maior ave voadora do planeta, cantada no poema O Navio Negreiro pelo poeta baiano Castro Alves, albatroz teve origem no árabe al-gattás, mergulhador. Tulipa, flor cultivada atualmente até mesmo no Brasil, veio do turco tulbend, que designa também o turbante.
por Deonísio da Silva*
Albatroz: do inglês albatross, pelo francês albatros, com influência do espanhol alcatraz, pelicano. A origem remota é o árabe al-gattás, mergulhador. Designa a maior ave voadora do mundo, cujas asas chegam a medir 3,5 metros de uma ponta à outra. Tal distância é denominada envergadura. O poeta baiano Castro Alves (1847-1871) a ela se refere em O Navio Negreiro: "Albatroz! Albatroz! Águia do oceano,/ Tu que dormes das nuvens por entre as gazas:/ Sacode as penas, Leviatã do espaço!; Albatroz! Albatroz! Dá-me essas asas!".
Globosfera: de globo, do latim globus, e de esfera, do latim sphera, que, pela junção das duas palavras, passou a constituir-se como sinônimo de blogosfera, espaço da rede mundial de computadores onde jornais e revistas podem ser lidos antes ou depois de impressos, incluindo conteúdos que jamais serão publicados em papel, além de músicas e vídeos que também podem ser editados e publicados na globosfera, de que são exemplos os materiais encontrados no Youtube. O Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, um dos mais antigos diários brasileiros, abandonou leitores em bancas e assinantes, deixando de ser impresso, e agora está disponível apenas na Internet.
Incremento: do latim incrementum, do mesmo étimo de crescer, de excremento e de excrescência, mas nesses dois últimos justamente o prefixo "ex" muda-lhes o sentido. Designa o crescimento, visto como desenvolvimento. O poeta paulista Manuel Batista Cepelos (1868-1915), autor de poemas nacionalistas como Os Bandeirantes, usa a palavra como sinônimo de crescimento no poema O Fundador de São Paulo, em que trata de José de Anchieta (1534-1597): "Estende-se o comércio, em soberbo incremento;/ Circula como um sangue a riqueza na praça;/ E, numa rapidez superior à do vento,/ Os prelos dão à luz e o trem de ferro passa.../ E na sua modéstia e na sua roupeta,/ De repente me surge a figura de Anchieta,/ Melancolicamente apoiada a um bordão...".
Sondar: do latim subundare, ir para debaixo da onda, pelo francês sonder. Em latim, onda é unda, isto é, água em movimento. O étimo está presente em inundar, inundação. Designa ato de examinar alguma coisa para além da superfície, às vezes usando uma sonda, do francês sonde, para fazer isso. Em sentido figurado significa conhecer algo para além das aparências, procurando as profundezas. Quando uma pessoa diz que foi sondada para ser ministra da presidente eleita Dilma Rousseff (62) - fará 63 anos no próximo dia 14 -, o que quer dizer é que alguém a consultou antes de anunciar a escolha. Todavia alguns dizem que foram sondados, mas não o foram.
Tulipa: do turco tulbend ou do persa dulband, pelo latim tulipa, e daí ao holandês tulipa e ao francês tulipe. No turco e no persa, a mesma palavra designa o turbante. A flor ganhou este nome porque sua forma lembra o pano enrolado à cabeça, por homens e mulheres do Oriente, costume que passou ao Ocidente como de exclusivo uso feminino. O primeiro registro da palavra aparece em carta que o embaixador Ogier Ghiselin de Busbecq (1522-1592), mais conhecido pelo nome latino Gislenius Busbequius, às vezes Augier Ghislain de Busbecq, escreveu a Ferdinando I, da Áustria (1503-1564), quando servia na corte de Suleimã, o Magnífico (1494-1566), informando em latim, sem dizer que o sultão era poeta e tinha três mulheres, que "per haec loca transeuntibus ingens ubique florum, copia offerebatur, narcissorum, hyacinthorum et eorum quos Turcae tulipam vocant". Francisco da Silveira Bueno (1898-1989), professor da Universidade de São Paulo por décadas, faz uma ironia no verbete, que registrou na página 4112 do 8º volume de seu Grande Dicionário Etimológico e Prosódico da Língua Portuguesa: "Se o leitor não souber traduzir este latim, recorra ao vigário da paróquia". Tal recomendação engraçada era válida na década de 1960, quando a Editora Saraiva publicou a obra de quase 5000 páginas. Naquele tempo, todos os alunos do ensino médio e secundário sabiam um pouco de latim, e os padres tinham domínio dessa língua, do contrário não seriam ordenados, pois não teriam passado nos cerca de 14 anos de preparação para o sacerdócio. Poucos embaixadores saberiam latim hoje. De todo modo, o trecho citado informa que por aqueles lugares (Império Otomano), os turcos chamavam tulipa a referida flor. O diplomata era filho bastardo do senhor do castelo Busbeck, origem de seu nome, com uma amante chamada Catarina. Pesquisador e sábio, foi ele também quem levou para a Europa o lilás e a cabra angorá.
* Deonísio da Silva (62), escritor, é doutor em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), professor, pró-reitor de Cultura e Extensão da Universidade Estácio de Sá, do Rio de Janeiro, e autor de A Placenta e o Caixão, Avante, Soldados: Para Trás e Contos Reunidos (Editora LeYa). Seus livros já foram premiados pelo MEC, Biblioteca Nacional e Casa de las Américas. E-mail: deonisio@terra.com.br
sábado, 4 de dezembro de 2010
ETIMOLOGIA
Etimologia
Expressão muito comum, conto do vigário formou-se de conto, da redução do latim computus, cômputo, cálculo, derivado de computare, contar, mas com o sentido de narrar, e de vigário, do latim vicarius, que está no lugar de outro. De vigário originou-se vigarista, que significa ladrão.
por Deonísio da Silva*
Atalaia: do árabe at-talaia, plural de talaia, lugar alto, de onde se exerce vigilância; sentinela; sobreaviso. Aparece neste trecho de Contrastes e Confrontos, obra do escritor paulista Euclides da Cunha (1866-1909): "Adensaram-se em batalhões as patrulhas errantes e dispersas dos pedestres; e avançaram ao acaso pelas matas em busca dos adversários invisíveis. Os garimpeiros remontavam às serras: espalhavam-se em atalaias; grupavam-se em guerrilhas diminutas; e por vezes os graves intendentes confessavam aos conselhos de ultramar a 'vitória de uma emboscada de salteadores' ".
Conto do vigário: de conto, da redução do latim computus, cômputo, cálculo, derivado de computare, contar, mas com o sentido de narrar, por enumerar os detalhes; e de vigário, do latim vicarius, que está no lugar de outro, que o substitui. Na hierarquia católica, designou originalmente aquele que o capítulo da diocese nomeava para substituir o bispo ou o padre em caso de morte ou transferência. No Brasil, como os provisórios são quase sempre definitivos, veio a indicar o pároco titular de uma paróquia. Antes do recente Acordo Ortográfico, era escrito "conto-do-vigário", com dois hifens, para designar o que continua designando: trapaça, engano, embuste.
Espreitar: da mistura de duas palavras latinas, spectare, olhar, observar, e explicitare, revelar com detalhes, derivado de explicare, explicar. O verbo é muito praticado pelos paparazzi, plural de paparazzo, apresentados pelo cineasta italiano Federico Fellini (1920-1993) no filme A Doce Vida (1960). Ele se inspirou no fotógrafo italiano Tazio Secchiaroli (1925-1998), que surpreendia as celebridades, clicando-as nos momentos mais inesperados, como faziam os paparazzi com a personagem vivida pela atriz sueca Anita Ekberg (79). Em 1898, o chanceler do Império Alemão, Otto von Bismark (1815-1898), fotografado no leito de morte, declarou: "Nunca se sabe se alguém vai ser fotografado ou morto por tais indivíduos".
Homofobia: dos compostos homo e fobia, vindos dos étimos gregos homos, semelhante, igual, e fóbos, medo. Designa aversão ou ódio a homossexuais, mais aos homossexuais masculinos do que às lésbicas. Num tempo em que as lutas pelas liberdades alcançaram também a opção sexual, os homofóbicos representam atraso e chegam a agredir homossexuais nas cidades, principalmente nas grandes metrópoles, praticando crimes diversos.
Vigarista: de vigário, do latim vicarius, e sufixo ista. Substantivo de dois gêneros, designa ladrão, ladra, meretriz, trapaceiro e sobretudo o autor do conto do vigário, que inventa uma história mirabolante que, apesar das complicações, tem verossimilhança. O objetivo é enganar os incautos. No livro Os Contos e os Vigários: Uma História da Trapaça no Brasil, José Augusto Dias Júnior (49), doutor em História Cultural pela Universidade de Campinas (Unicamp), em São Paulo, examina o livro Os Ladrões no Rio, publicado em 1903 pelo delegado de polícia Vicente Reis. Um falso pároco espanhol envia ao brasileiro José Martins Barbosa, de Lorena, em São Paulo, cartas em que relata que um coronel do Exército espanhol, Eduardo Martinez Castellano, por perseguição de inimigos, foi condenado à morte. Ouvido em confissão, segredou ao tal vigário que deixou uma herança de 2,45 milhões de pesetas para uma órfã chamada Luiza, de 13 anos. E, como o brasileiro foi a pessoa de melhor índole que conheceu em sua estada no Brasil, pede ao vigário que o localize e lhe confie fortuna e filha. O dinheiro está, porém, no fundo falso de uma mala embargada judicialmente. Para retirá-la, é preciso pagar as custas do processo. Também o poeta português Fernando Pessoa (1888-1935) tratou do tema. Segundo ele, a origem é o nome português Manuel Peres Vigário. Dias Júnior esclarece: "Não é necessário que Manuel Peres Vigário tenha existido ou feito o que lhe é atribuído; basta que o chiste tenha caído no gosto popular". Já o catedrático da Universidade de São Paulo Francisco da Silveira Bueno (1898-1989), em Grande Dicionário Etimológico Prosódico da Língua Portuguesa, volume 8, dá outra explicação: "A origem desta expressão estará, certamente, no espírito irreverente do povo que não leva a sério as narrações piedosas dos párocos a respeito da outra vida ou da intercessão milagrosa dos santos, etc.".
* Deonísio da Silva (62), escritor, é doutor em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), professor, pró-reitor de Cultura e Extensão da Universidade Estácio de Sá, do Rio de Janeiro, e autor de A Placenta e o Caixão, Avante, Soldados: Para Trás e Contos Reunidos (Editora LeYa). Seus livros já foram premiados pelo MEC, Biblioteca Nacional e Casa de las Américas. E-mail: deonisio@terra.com.br
Expressão muito comum, conto do vigário formou-se de conto, da redução do latim computus, cômputo, cálculo, derivado de computare, contar, mas com o sentido de narrar, e de vigário, do latim vicarius, que está no lugar de outro. De vigário originou-se vigarista, que significa ladrão.
por Deonísio da Silva*
Atalaia: do árabe at-talaia, plural de talaia, lugar alto, de onde se exerce vigilância; sentinela; sobreaviso. Aparece neste trecho de Contrastes e Confrontos, obra do escritor paulista Euclides da Cunha (1866-1909): "Adensaram-se em batalhões as patrulhas errantes e dispersas dos pedestres; e avançaram ao acaso pelas matas em busca dos adversários invisíveis. Os garimpeiros remontavam às serras: espalhavam-se em atalaias; grupavam-se em guerrilhas diminutas; e por vezes os graves intendentes confessavam aos conselhos de ultramar a 'vitória de uma emboscada de salteadores' ".
Conto do vigário: de conto, da redução do latim computus, cômputo, cálculo, derivado de computare, contar, mas com o sentido de narrar, por enumerar os detalhes; e de vigário, do latim vicarius, que está no lugar de outro, que o substitui. Na hierarquia católica, designou originalmente aquele que o capítulo da diocese nomeava para substituir o bispo ou o padre em caso de morte ou transferência. No Brasil, como os provisórios são quase sempre definitivos, veio a indicar o pároco titular de uma paróquia. Antes do recente Acordo Ortográfico, era escrito "conto-do-vigário", com dois hifens, para designar o que continua designando: trapaça, engano, embuste.
Espreitar: da mistura de duas palavras latinas, spectare, olhar, observar, e explicitare, revelar com detalhes, derivado de explicare, explicar. O verbo é muito praticado pelos paparazzi, plural de paparazzo, apresentados pelo cineasta italiano Federico Fellini (1920-1993) no filme A Doce Vida (1960). Ele se inspirou no fotógrafo italiano Tazio Secchiaroli (1925-1998), que surpreendia as celebridades, clicando-as nos momentos mais inesperados, como faziam os paparazzi com a personagem vivida pela atriz sueca Anita Ekberg (79). Em 1898, o chanceler do Império Alemão, Otto von Bismark (1815-1898), fotografado no leito de morte, declarou: "Nunca se sabe se alguém vai ser fotografado ou morto por tais indivíduos".
Homofobia: dos compostos homo e fobia, vindos dos étimos gregos homos, semelhante, igual, e fóbos, medo. Designa aversão ou ódio a homossexuais, mais aos homossexuais masculinos do que às lésbicas. Num tempo em que as lutas pelas liberdades alcançaram também a opção sexual, os homofóbicos representam atraso e chegam a agredir homossexuais nas cidades, principalmente nas grandes metrópoles, praticando crimes diversos.
Vigarista: de vigário, do latim vicarius, e sufixo ista. Substantivo de dois gêneros, designa ladrão, ladra, meretriz, trapaceiro e sobretudo o autor do conto do vigário, que inventa uma história mirabolante que, apesar das complicações, tem verossimilhança. O objetivo é enganar os incautos. No livro Os Contos e os Vigários: Uma História da Trapaça no Brasil, José Augusto Dias Júnior (49), doutor em História Cultural pela Universidade de Campinas (Unicamp), em São Paulo, examina o livro Os Ladrões no Rio, publicado em 1903 pelo delegado de polícia Vicente Reis. Um falso pároco espanhol envia ao brasileiro José Martins Barbosa, de Lorena, em São Paulo, cartas em que relata que um coronel do Exército espanhol, Eduardo Martinez Castellano, por perseguição de inimigos, foi condenado à morte. Ouvido em confissão, segredou ao tal vigário que deixou uma herança de 2,45 milhões de pesetas para uma órfã chamada Luiza, de 13 anos. E, como o brasileiro foi a pessoa de melhor índole que conheceu em sua estada no Brasil, pede ao vigário que o localize e lhe confie fortuna e filha. O dinheiro está, porém, no fundo falso de uma mala embargada judicialmente. Para retirá-la, é preciso pagar as custas do processo. Também o poeta português Fernando Pessoa (1888-1935) tratou do tema. Segundo ele, a origem é o nome português Manuel Peres Vigário. Dias Júnior esclarece: "Não é necessário que Manuel Peres Vigário tenha existido ou feito o que lhe é atribuído; basta que o chiste tenha caído no gosto popular". Já o catedrático da Universidade de São Paulo Francisco da Silveira Bueno (1898-1989), em Grande Dicionário Etimológico Prosódico da Língua Portuguesa, volume 8, dá outra explicação: "A origem desta expressão estará, certamente, no espírito irreverente do povo que não leva a sério as narrações piedosas dos párocos a respeito da outra vida ou da intercessão milagrosa dos santos, etc.".
* Deonísio da Silva (62), escritor, é doutor em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), professor, pró-reitor de Cultura e Extensão da Universidade Estácio de Sá, do Rio de Janeiro, e autor de A Placenta e o Caixão, Avante, Soldados: Para Trás e Contos Reunidos (Editora LeYa). Seus livros já foram premiados pelo MEC, Biblioteca Nacional e Casa de las Américas. E-mail: deonisio@terra.com.br
sexta-feira, 3 de dezembro de 2010
WIKILEAKS, por Deonísio da Silva
Wikileaks, uma palavra composta, está na ordem do dia. Wiki, para todos, como existe a Wikipedia, uma enciclopédia livre, onde todos podem colaborar dando informações que todos podem também consultar. Isto é, todos os que têm computador e banda larga. E leak, vazar, em inglês. Significa também mijar, mas aqui o sentido é divulgar informações confidenciais. Por causa do Wikileaks, o jornalista australiano Julian Assange é notícia no mundo inteiro. Até no Brasil.
Digo até no Brasil porque em português as coisas demoram mais a chegar a todos. Aqui o palhaço Tiririca foi eleito deputado federal por São Paulo, o mais avançado estado da federação, e antes de ser diplomado teve que provar que sabe ler e escrever. É esse tipo de gente que faz leis para o cidadão leitor, eleitor ou não, cumprir!
Poucos leem em português. Dos poucos que leem temos que descontar aqueles que não entendem o que leem. As provas de ENEM, ENADE e congêneres demonstram isso com uma frequência aterradora.
Mas o que faz Julian Assange para merecer a atenção do mundo? Em dezembro de 2006, ele fundou uma organização transnacional, sediada na Suécia, que faz o seguinte: posta documentos, fotos e vídeos confidenciais vazados do mundo inteiro.
No portal da Wikileaks você encontra de tudo. Desde um vídeo que mostra soldados americanos matando de propósito civis iraquianos num ataque aéreo até a execução de civis por forças do governo que deveriam protegê-los.
Em julho de 2010, o Wikileaks irritou o governo dos EUA, especialmente a secretária de Estado, Hillary Clinton, porque vazou documentos secretos sobre a Guerra do Afeganistão.
No dia 28 de novembro deste ano, publicou um pacote de telegramas secretos de embaixadas e do governo americano. Foi quando a coisa chegou ao governo brasileiro. Pelo jeito vai sair muito mais.
Todavia já se sabe que Nelson Jobim, atual ministro da Defesa, que já declarou em público e foi gravado quando disse isso, que incrustou na Constituição alguns artigos que ninguém mais sabe quais foram, e que não foram votados, apareceu num despacho do embaixador dos EUA no Brasil dizendo que Evo Morales, presidente da Bolívia, tem um tumor no cérebro e que isso explica certas dificuldades que vem tendo para falar. Disse também que há uma briga de diplomatas no Itamaraty. Que uns são muito contra os EUA, deixando entredito que os afagos no ditador do Irã são apenas a ponta de um iceberg para outras confusões.
O Wikileaks não passa de um portal de fofocas, dizem seus críticos. Pode ser verdade, mas são fofocas que estão tirando o sono de governantes no mundo inteiro.
Bertolt Brecht, pensando sobre a guerra, escreveu estes versos: “O homem, meu general, é muito útil:/Sabe voar e sabe matar/ Mas tem um defeito:/ Sabe pensar”. Os versos estão citados no portal.
Ninguém faz nada sem gente qualificada! E entre civis, militares ou eclesiásticos, sempre haverá alguém capaz de contar o que todos queriam saber, mas era segredo guardado a sete chaves. (xx)
Digo até no Brasil porque em português as coisas demoram mais a chegar a todos. Aqui o palhaço Tiririca foi eleito deputado federal por São Paulo, o mais avançado estado da federação, e antes de ser diplomado teve que provar que sabe ler e escrever. É esse tipo de gente que faz leis para o cidadão leitor, eleitor ou não, cumprir!
Poucos leem em português. Dos poucos que leem temos que descontar aqueles que não entendem o que leem. As provas de ENEM, ENADE e congêneres demonstram isso com uma frequência aterradora.
Mas o que faz Julian Assange para merecer a atenção do mundo? Em dezembro de 2006, ele fundou uma organização transnacional, sediada na Suécia, que faz o seguinte: posta documentos, fotos e vídeos confidenciais vazados do mundo inteiro.
No portal da Wikileaks você encontra de tudo. Desde um vídeo que mostra soldados americanos matando de propósito civis iraquianos num ataque aéreo até a execução de civis por forças do governo que deveriam protegê-los.
Em julho de 2010, o Wikileaks irritou o governo dos EUA, especialmente a secretária de Estado, Hillary Clinton, porque vazou documentos secretos sobre a Guerra do Afeganistão.
No dia 28 de novembro deste ano, publicou um pacote de telegramas secretos de embaixadas e do governo americano. Foi quando a coisa chegou ao governo brasileiro. Pelo jeito vai sair muito mais.
Todavia já se sabe que Nelson Jobim, atual ministro da Defesa, que já declarou em público e foi gravado quando disse isso, que incrustou na Constituição alguns artigos que ninguém mais sabe quais foram, e que não foram votados, apareceu num despacho do embaixador dos EUA no Brasil dizendo que Evo Morales, presidente da Bolívia, tem um tumor no cérebro e que isso explica certas dificuldades que vem tendo para falar. Disse também que há uma briga de diplomatas no Itamaraty. Que uns são muito contra os EUA, deixando entredito que os afagos no ditador do Irã são apenas a ponta de um iceberg para outras confusões.
O Wikileaks não passa de um portal de fofocas, dizem seus críticos. Pode ser verdade, mas são fofocas que estão tirando o sono de governantes no mundo inteiro.
Bertolt Brecht, pensando sobre a guerra, escreveu estes versos: “O homem, meu general, é muito útil:/Sabe voar e sabe matar/ Mas tem um defeito:/ Sabe pensar”. Os versos estão citados no portal.
Ninguém faz nada sem gente qualificada! E entre civis, militares ou eclesiásticos, sempre haverá alguém capaz de contar o que todos queriam saber, mas era segredo guardado a sete chaves. (xx)
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