Por Deonísio da Silva em 23/11/2010 | |
A floração da inteligência brasileira vai começar. Estamos em 1550 e já começamos tarde. Perdemos meio século! Os jesuítas começam a ensinar latim no Colégio dos Meninos, em São Vicente, prosseguindo na Bahia em 1553, em São Paulo em 1554, no Rio em 1567, chegando ao Pará, no Norte, e à colônia de Sacramento, no Sul. Ensinam latim porque quem aprende latim, aprende a pensar, aprende lógica, aprende História, aprende Geografia, aprende cultura e civilização e, principalmente, aprende a ler e a escrever. Não que esse seja o caminho único, mas porque é o que melhor dominam, paradoxais homens do Renascimento e da Reforma no alvorecer do século 16, mas que servem à Contrarreforma. Padres e letrados, ou melhor, padres letrados, plantaram a inteligência no Brasil. Ou, no dizer de Nelson Werneck Sodré, transplantaram-na. Ainda hoje a nação deve muito a ordens religiosas, masculinas ou femininas, e a igrejas confessionais e a outras religiões, o cuidado com a escola, com a cultura, sempre abandonadas pelo poder público, nos tempos monárquicos como nos republicanos, com pequenos períodos de bons tratos, nem sempre aplicados a todos os níveis de ensino. Ora se cuidava mais do ensino superior, ora do ensino fundamental, médio e secundário, como hoje se cuida mais da pós-graduação do que de todos os outros. E assim temos verdadeiros brutamontes, desprovidos de qualquer verniz cultural, com a arrogância comum a PhD’s que, às vezes, sabem da caspa e da unha encravada, ou da ponta da língua de um biguá, mas se mostram incapazes de entender o Brasil ou fazer algo relevante pelo país que proveu suas condições de estudo, aqui ou no exterior. Para tomar coca-colaMas como começou e como se formou a inteligência no Brasil? A Editora da Universidade Estadual de Ponta Grossa acaba de relançar, acrescida de textos até então inéditos, a obra referencial de Wilson Martins, a coleção História da Inteligência Brasileira, agora em sete volumes. É a terceira edição de uma obra lançada originalmente pela Cultrix, entre 1976 e 1979, e reeditada pela T, A. Queiroz, entre 1992 e 1994. O autor, paulista de nascimento, passou a viver em Curitiba aos nove anos e na adolescência estudou em Ponta Grossa (PR), a mesma cidade que hoje sedia a universidade que ousou relançar esta obra indispensável. Seu percurso intelectual revela sutis complexidades das vantagens propriamente de formação que recebia quem cursasse Direito antes da rude predominância das exigências do mercado sobre esse curso. Fazia-se Direito nas famílias, não com o objetivo estreito e específico de obter um emprego definido, mas como um valor absoluto na educação. Houve um tempo, no Brasil, em que o ato de estudar não estava submetido ao mercado, como hoje. Afinal, a cultura não tem esta estreiteza que lhe querem atribuir a ferro e fogo. Você pode querer aprender mandarim para entender o universo cultural do país mais antigo do mundo, sem que tal aprendizado cumpra o objetivo de você tornar-se tradutor profissional ou professor. Naturalmente, acima do lastro cultural que a língua e sua literatura lhe darão, estará também a notável ferramenta de trabalho que o mandarim é hoje no mundo, dada a relevância da China, não apenas no mercado, mas no cenário internacional. E nem se estuda inglês para tomar coca-cola e comer hambúrguer nas viagens quase compulsórias a Disney, mas para ler e entender melhor Shakespeare, assim como o francês, o italiano, o espanhol e o alemão, ao lado de outras línguas de cultura, nos tornarão mais homens depois de lermos Proust, Dante, Cervantes, Goethe e as notáveis florações de seus companheiros de letras em todas as épocas. Enganando o distinto públicoTanto que, concluído o curso de Direito, Wilson Martins vai fazer o curso de Letras, estudando em Paris e concluindo seu doutorado pela Universidade Federal do Paraná, a mais antiga do Brasil. Seu saber, conquanto atento à realidade brasileira, jamais foi provinciano ou paroquial, sobretudo porque, além de leitor compulsivo, ele procurou e obteve, sem quotas e por mérito, apoios importantes para prosseguir seus estudos e pesquisas na forma de bolsas de estudos na Europa e nos EUA. E acabou por lecionar em universidades americanas, de 1962 a 1991, quando se aposentou pela Universidade de Nova York. Por muito menos, colegas de ofício receberam da mídia os mais estabanados e exagerados destaques. Wilson Martins, não. Dada sua independência intelectual, desarrumava com frequência arranjos como esses que hoje nos querem impor, ora com um, ora com outro escritor, enganando o distinto público, ao apresentá-los como expoentes de nossas letras, quando o prestígio dos aclamados provém de razões extraliterárias. Desastre totalFoi no exercício da docência e da crítica que Wilson Martins mais desconcertou o status quo da inteligência brasileira, isto é, dos aparelhos que a formam e constituem. Num tempo em que os turiferários de praxe na mídia queimavam incenso a pretensos críticos que, no máximo, tinham estudado a obra de um único autor, quando não um único livro do escritor escolhido, usufruindo por muitas décadas de um prestígio epocal obtido há tempos, pondo-se improdutivos para o resto de seus dias, ele estava no batente crítico todas as semanas, desde que estreara como comentarista de livros no jornal O Dia, em 1942, de lá migrando para O Estado de S. Paulo, O Globo, Jornal do Brasil e Gazeta do Povo, em Curitiba, onde viria a morrer, em janeiro de 2010. Estão aí os sete volumes na praça. Naturalmente, as livrarias talvez os escondam lá no fundo das lojas, nas últimas prateleiras, ou, pior ainda, terão registrado nos computadores – ah, a modernidade! –, mas não os terão disponíveis quando o leitor quiser. Mas – que boa a modernidade! –, se você tem acesso à rede mundial e um cartão crédito, pode adquirir todos os volumes já, com algumas simples dedilhadas no teclado do seu computador. Será, adicionalmente, uma forma de gratidão a quem dedilhou a vida inteira para levar aos leitores a sua interpretação dos autores referenciais de nossa inteligência. Wilson Martins faria falta a qualquer país. No Brasil, sua falta é um desastre total. Não há mais nenhum crítico em atividade. A crítica foi confinada aos minimalismos universitários, quando não à própria ignorância de mestres e alunos sobre quem tanto fez pelo Brasil. |
NOME DE POBRE NO BRASIL
terça-feira, 23 de novembro de 2010
WILSON MARTINS (1921-2010): O ARTESANATO DA CRÍTICA
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