Deonísio da Silva *
A maioria de nossos advogados não sabe escrever. Quem os denuncia são eles mesmos nas petições que protocolam. De vez em quando a sociedade, irritada, ameaça tomar alguma atitude contra eles e em defesa do direito e do idioma. Em notável autocrítica, frequentemente o Judiciário e o Ministério Público manifestam insatisfação com o estilo dos advogados. Por força dessas críticas, já houve alguns progressos, mas ainda falta muito.
Na semana passada, mais um passo relevante foi dado na direção de simplificar a aplicação do Direito. Foi lançado, no Palácio da Justiça, em Porto Alegre (RS), o Projeto Petição 10, Sentença 10, que tem apoio do Judiciário e do Ministério Público. (Zero Hora, 25/11/20, p. 14, e http://www2.tjrs.jus.br/peticao10sentenca10/index.html). Entre outras providências, o Projeto recomenda concisão em petições e sentenças, aconselhando seus autores a não usar mais do que dez páginas. Informa ainda que:
1) “A produção de 1 kg de papel consome 540 litros de água”;
2) “As plantações extensivas de eucalipto para produção de celulose esgotam os recursos hídricos, ressecando o solo e reduzindo drasticamente a biodiversidade”;
3) “O branqueamento do papel, no Brasil, é feito com o uso, entre outros produtos, de dióxido de cloro, que libera dioxinas, substâncias comprovadamente cancerígenas”.
Não é possível que para garantir a aplicação do Direito ainda se gaste tanto com impressoras, tinta e papel. E os funcionários certamente têm mais o que fazer do que cópias excessivas de calhamaços que, enxugados no estilo, dizem muito pouco a respeito dos temas que ocuparam os construtores das conhecidas Torres de Papel, cujo conteúdo é muito difícil de ser decifrado. Determinadas petições são entendidas apenas por quem as escreveu e às vezes nem por seus autores ou signatários.
No ano passado o Judiciário gastou no Rio Grande do Sul 100 milhões de folhas de papel para cumprir suas funções. Nos outros Estados não deve ter sido muito diferente, uma vez que os gaúchos são muito cuidadosos com a escrita, pois começaram cedo a aprender. Primeiro com os jesuítas, que, ainda nos séculos XVII e XVIII, ergueram naquelas plagas o complexo urbano dos Sete Povos Missioneiros, antes mesmo de o Rio Grande do Sul existir política, social e juridicamente. E nos séculos seguintes tiveram Júlio de Castilhos e os imigrantes europeus, sobretudo os alemães, que cuidaram de ter escolas e jornais em todos os lugares em que se estabeleciam.
Foram-se os tempos dos discípulos de Paulo Brossard, a quem Leonel Brizola, sem a cultura do desafeto, mas quase invencível num debate, qualificava de “Rui Barbosa em compota”. O caso é que Paulo Brossard sabia e sabe escrever bem, como demonstra ainda hoje nos artigos esparsos que publica na mídia. E Leonel Brizola sabia falar! E pouco escreveu!
Atualmente, os juízes, assoberbados com tantos processos, são obrigados a lidar com montanhas de detritos retóricos e figuras de linguagem de mau gosto, fora de lugar e de propósito, que não os ajudam a formar sua convicção. Afinal, "sentença" vem de "sentir" e, para sentir o que se passa entre os litigantes, é necessário que as petições sejam objetivas; do contrário, o juiz não sabe o que é que está sendo pleiteado.
Toda Torre de Papel acaba numa Torre de Babel. Nem o juiz entende o que está sendo reivindicado, nem as partes, depois de tantos floreios e divagações, lembram o que solicitaram.
Em resumo, faltam clareza, concisão e objetividade à maioria de nossos advogados. E esta insuficiência prejudica em primeiro lugar os seus clientes e em segundo lugar todo mundo. Pois quem paga tanto papel, tanta árvore derrubada para atendê-los? O distinto público, é claro.
Qual é a principal vítima do juridiquês? O cidadão. Exercer o direito requer os trabalhos de um advogado que o represente. Quando o advogado é incompetente, o prejudicado não é o representante, é o representado. No Judiciário, são mínimas as chances de um cidadão ser atendido quando seu advogado não é objetivo e não reivindica claramente o essencial. Fica ainda pior quando, jejuno em direito e em língua portuguesa, para disfarçar tais insuficiências recorre a floreios esquisitos, citações longas, impertinentes, fora de contexto, desnecessárias, que fazem seus autores revirarem nos túmulos.
Foram advogados grandes escritores brasileiros. Todavia, de umas décadas para cá, com o rebaixamento do ensino de língua portuguesa em quase todas as escolas de todos os níveis, temos advogados atuantes que, conquanto entendam da profissão que exercem, não a dominam com eficiência justamente porque as faculdades que cursaram não deram ao ato de escrever a importância essa profissão requer. Se não sabem escrever, é claro que também não sabem ler nem interpretar as leis que, se não as leem, deveriam lê-las. Comportam-se como Tiriricas do Judiciário.
Ainda que a Ordem dos Advogados do Brasil submeta os portadores de diploma de Bacharel em Direito a exames adicionais, ainda há muito que fazer. Os profissionais de Letras precisam ajudar o Judiciário e o Ministério Público nessa tarefa de erradicar o juridiquês, que é o analfabetismo empolado do Direito.
Talvez o STF pudesse fazer com a Suprema Corte dos EUA, que limitou o tamanho das petições entre 3.000 e 15.000 caracteres, isto é, entre duas e dez laudas, no máximo, que é exatamente a proposta agora feita pelos gaúchos.
Seria um reforço no processo de ensino e de aprendizagem de alfabetizados que, lendo menos do que devem, aumentam suas insuficiências na hora de escrever. (xx)
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