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terça-feira, 11 de novembro de 2014

MEDOS E PAVORES TROCARAM DE LUGAR (O Globo, 10 nov 2014)

Tal como Constantinopla, nossas cidades já não nos protegem mais, pois os inimigos não vêm de fora, eles estão no meio de nós.
O pavor do homem medieval era chegar tarde da noite e encontrar fechadas as portas da cidade. Protegidos por muralhas, seus habitantes tinham medo de ataques de inimigos, de aves de rapina e de animais ferozes, principalmente de lobos, e até do vilão, o morador da vila, que, desde então, tem servido para caracterizar o personagem que representa o mal em romances, peças de teatro, novelas e filmes. Sem contar que não apenas os vilões, mas também animais ferozes e lendários chegaram à cultura brasileira, de que é exemplo o lobisomem. Surgido na Grécia antiga, o homem-lobo aportou ao Brasil, depois de escala em Portugal, e foi personagem referencial de romances e de peças de teatro e telenovelas, de que são exemplos “O coronel e o lobisomem”, de José Cândido de Carvalho, e “Roque Santeiro”, de Alfredo Dias Gomes. Nos arredores de Viseu, em Portugal, ainda existe a Cova do Lobisomem, onde o bicho se escondia depois dos ataques noturnos e aguardava o amanhecer, quando voltava a ser homem outra vez. O vilão ganhou má fama porque ladrões, assassinos e outros malfeitores, quando podiam evitar prisões e masmorras, ou delas fugir, iam esconder-se nas vilas, misturando-se a seus inocentes e rudes habitantes, tal como nos mostrou o filme “O feitiço de Áquila”, ambientado na Europa medieval, no século XIII. Nessa história lendária, um bispo apaixona-se por uma bela mulher (Isabeau D’Anjou), cujo pai morreu na Primeira Cruzada. Quando esta foge com um militar (Etienne de Navarre), o bispo faz um pacto com o demônio, com o fim de garantir que os amantes fiquem “sempre juntos, mas eternamente separados”. Para isso, Isabeau é transformada em falcão durante o dia, e Etienne em lobo, durante a noite. Um ladrão fugitivo (Philippe Gaston), que vive entre os vilões, um caçador de lobos (Cezar) e um monge confessor que exerce a medicina (Imperius) também se destacam nas tramas, que incluem um eclipse solar de três dias, quando o feitiço poderá ser quebrado, pois haverá “um dia sem noite e uma noite sem dia”. Outras narrativas lendárias representaram medos diversos, como Chapeuzinho Vermelho, o lobo e o cordeiro, a mula sem cabeça etc. Mas hoje o grande medo não é mais morar na selva, transformada em santuário, ou em pequenas povoações e cidades. Ao contrário, quanto maior a cidade, maiores os perigos. É por isso que a segurança e a violência urbana, vestindo outras roupas, vêm sendo temas inevitáveis de eleições presidenciais, estaduais e municipais, tanto para cargos no Executivo como no Legislativo.
A Idade Média defendeu suas cidades com muralhas até o dia 29 de maio de 1453, quando os exércitos de Maomé II, utilizando canhões, abriram imensos buracos nas muralhas de Constantinopla, atual Istambul, por onde entraram para derrubar o ainda poderoso império bizantino. As lutas foram tão sanguinolentas e desorganizadas que o corpo de Constantino XI, o último imperador bizantino, nunca foi encontrado. Naquela semana, realizava-se dentro das muralhas um simpósio que discutia se os anjos tinham sexo, expressão que passou a designar a perda de tempo com assuntos inúteis, enquanto temas importantes são ignorados. Governantes e governados, por exemplo, desconheciam o canhão, mas sabiam distinguir anjos, arcanjos, querubins, serafins, tronos, potestades e demais cargos da hierarquia celestial! Tal como Constantinopla, nossas cidades já não nos protegem mais, pois os inimigos não vêm de fora, eles estão no meio de nós. E muitas vezes são eles que nos governam. Mas todos os candidatos, como Pezão, cujo apelido se deve ao fato de calçar 47 e meio, isto é, quarenta e sete grãos de cevada e meio, origem do número dos sapatos, e o “bispo” Crivella prometeram resolver todos os nossos problemas. Bastaria que tivéssemos votado neles! (xx) Deonísio da Silva é escritor e professor.

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