NOME DE POBRE NO BRASIL

domingo, 23 de novembro de 2014

O DESTINO VAI E VEM DE TREM

A Estrada de Ferro Donna Thereza Christina tem este nome em homenagem à esposa de Dom Pedro II, a última imperatriz do Brasil. A pequena ferrovia tem apenas 164 km de extensão e foi construída pelos ingleses entre os anos de 1880 e 1884. Seu objetivo era transportar carvão, mas levava também vagões de passageiros. Tudo começara na década de 1830, quando tropeiros que faziam o trajeto entre serra-abaixo e serra-acima, descobriram “pedras que se incendiavam”. O negócio não deu certo e em 1902 a República a encampou. Em 1996, já na Era FHC, a ferrovia foi privatizada por R$ 18,5 milhões, uma pechincha. Pouco tenho escrito sobre o trem em minha vida. Mas ele teve presença marcante em momentos decisivos. Incluindo os ramais, este pequeno trecho passava também por Urussanga, em cuja paróquia fui batizado pelo padre Agenor Marques; então com 33 anos, ele faleceu em 2006, aos 91 anos; por Tubarão, onde estudei no Seminário Nossa Senhora de Fátima; e por Siderópolis, onde nasci. Passando por essas então pequenas cidades, não passava entretanto por São Ludgero, onde fiz meu primeiro ano de ensino médio, no Educandário São Joaquim; nem por Jacinto Machado, em cujo Grupo Escolar de mesmo nome fiz o curso primário. Guardei os nomes das quatro professoras normalistas com as quais tanto aprendi naqueles anos: Edite, Priscila, Alda e Alzira. No ramal de Araranguá, embarcou rumo ao seminário, com o fim de preparar-se para o sacerdócio durante os próximos catorze anos, um coroinha chamado Deonísio, a quem o Padre Herval Fontanella ensinou o Latim necessário ao ofício. Na estação, empurrados pelos guardas, embarcaram também dois de três bêbados cambaleantes. O terceiro não conseguiu embarcar. Já no trem, perguntei se eles estavam tristes por que um dos amigos não tinha embarcado. Eles me responderam que quem deveria estar triste era o que ficou: eles tinham vindo à estação para se despedirem dele. (xx) º da Academia Brasileira de Filologia, escritor e professor, trabalha nas universidades Estácio (RJ) e Unisul (SC) e faz colunas de etimologia na Rádio Bandnews e na revista Caras.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

A ESPERANÇA, UM DOS MALES DA REPÚBLICA

A palavra república veio do Latim “res publica”, coisa pública. Os gregos usavam “politeia”: polis (cidade) governada por assembleia de cidadãos. Nem tudo no Brasil atrasa! Algumas coisas são antecipadas. O golpe de Estado que proclamou a República estava planejado para acontecer no dia 20 de novembro de 1889. Como era uma conspiração e o governo de Dom Pedro II descobriu a tempo, determinou a transferência dos líderes, a maioria deles maçons e militares, para províncias distantes. Os conspiradores souberam das intenções do imperador e o transferiram às pressas para o exílio, antecipando o golpe em cinco dias e cancelando as transferências. Afinal, ser transferido do Rio era um castigo! Tragédias e farsas presidiram aquela proclamação. O líder militar do levante, o marechal Deodoro da Fonseca, era monarquista. Quando, a cavalo, proclamou a República, tinha sido tirado da cama há apenas algumas horas. Estava muito doente, com febre, tanto que morreu menos de dois anos depois. O povo assistiu abestalhado ao que acontecia, pensando tratar-se de um desfile em homenagem a alguém, talvez ao próprio Dom Pedro II. Mas depois vieram as tragédias, algumas das quais persistem até hoje, sendo a da corrupção a mais grave. Afinal, se antes a república foi concebida como uma concessão dos militares ao povo, hoje é tida como uma concessão dos empresários ao povo. Por isso, o custo estratosférico das eleições! Ninguém sabe ao certo quanto custa uma eleição, mesmo porque algumas das verbas utilizadas são secretas.
Houve muitas lutas para consolidar o novo regime, sendo a de Canudos a mais retumbante, com milhares de mortos. Não fosse o talento do engenheiro e jornalista Euclides da Cunha, será que teríamos sabido direito o que aconteceu? Quem escreve, sempre faz falta quando não está. Foi assim também na Guerra do Paraguai, algumas décadas antes. O Visconde de Taunay estava lá para narrar a Retirada da Laguna. O povo brasileiro tem esperança de que a República melhore. Um dos males da caixa de Pandora era a esperança, pois ela poderia enganar-nos sobre o futuro. Mas a deusa Pandora, depois de deixar escapar todos os males do mundo da caixinha que não deveria abrir, mas abriu, fechou a tempo de guardar a esperança ali dentro. (xx). º da Academia Brasileira de Filologia, escritor, professor de videoaulas à distância na Estácio (RJ), colunista da Rádio Bandnews (RJ) e diretor-adjunto da Editora da Unisul (SC).

terça-feira, 11 de novembro de 2014

MEDOS E PAVORES TROCARAM DE LUGAR (O Globo, 10 nov 2014)

Tal como Constantinopla, nossas cidades já não nos protegem mais, pois os inimigos não vêm de fora, eles estão no meio de nós.
O pavor do homem medieval era chegar tarde da noite e encontrar fechadas as portas da cidade. Protegidos por muralhas, seus habitantes tinham medo de ataques de inimigos, de aves de rapina e de animais ferozes, principalmente de lobos, e até do vilão, o morador da vila, que, desde então, tem servido para caracterizar o personagem que representa o mal em romances, peças de teatro, novelas e filmes. Sem contar que não apenas os vilões, mas também animais ferozes e lendários chegaram à cultura brasileira, de que é exemplo o lobisomem. Surgido na Grécia antiga, o homem-lobo aportou ao Brasil, depois de escala em Portugal, e foi personagem referencial de romances e de peças de teatro e telenovelas, de que são exemplos “O coronel e o lobisomem”, de José Cândido de Carvalho, e “Roque Santeiro”, de Alfredo Dias Gomes. Nos arredores de Viseu, em Portugal, ainda existe a Cova do Lobisomem, onde o bicho se escondia depois dos ataques noturnos e aguardava o amanhecer, quando voltava a ser homem outra vez. O vilão ganhou má fama porque ladrões, assassinos e outros malfeitores, quando podiam evitar prisões e masmorras, ou delas fugir, iam esconder-se nas vilas, misturando-se a seus inocentes e rudes habitantes, tal como nos mostrou o filme “O feitiço de Áquila”, ambientado na Europa medieval, no século XIII. Nessa história lendária, um bispo apaixona-se por uma bela mulher (Isabeau D’Anjou), cujo pai morreu na Primeira Cruzada. Quando esta foge com um militar (Etienne de Navarre), o bispo faz um pacto com o demônio, com o fim de garantir que os amantes fiquem “sempre juntos, mas eternamente separados”. Para isso, Isabeau é transformada em falcão durante o dia, e Etienne em lobo, durante a noite. Um ladrão fugitivo (Philippe Gaston), que vive entre os vilões, um caçador de lobos (Cezar) e um monge confessor que exerce a medicina (Imperius) também se destacam nas tramas, que incluem um eclipse solar de três dias, quando o feitiço poderá ser quebrado, pois haverá “um dia sem noite e uma noite sem dia”. Outras narrativas lendárias representaram medos diversos, como Chapeuzinho Vermelho, o lobo e o cordeiro, a mula sem cabeça etc. Mas hoje o grande medo não é mais morar na selva, transformada em santuário, ou em pequenas povoações e cidades. Ao contrário, quanto maior a cidade, maiores os perigos. É por isso que a segurança e a violência urbana, vestindo outras roupas, vêm sendo temas inevitáveis de eleições presidenciais, estaduais e municipais, tanto para cargos no Executivo como no Legislativo.
A Idade Média defendeu suas cidades com muralhas até o dia 29 de maio de 1453, quando os exércitos de Maomé II, utilizando canhões, abriram imensos buracos nas muralhas de Constantinopla, atual Istambul, por onde entraram para derrubar o ainda poderoso império bizantino. As lutas foram tão sanguinolentas e desorganizadas que o corpo de Constantino XI, o último imperador bizantino, nunca foi encontrado. Naquela semana, realizava-se dentro das muralhas um simpósio que discutia se os anjos tinham sexo, expressão que passou a designar a perda de tempo com assuntos inúteis, enquanto temas importantes são ignorados. Governantes e governados, por exemplo, desconheciam o canhão, mas sabiam distinguir anjos, arcanjos, querubins, serafins, tronos, potestades e demais cargos da hierarquia celestial! Tal como Constantinopla, nossas cidades já não nos protegem mais, pois os inimigos não vêm de fora, eles estão no meio de nós. E muitas vezes são eles que nos governam. Mas todos os candidatos, como Pezão, cujo apelido se deve ao fato de calçar 47 e meio, isto é, quarenta e sete grãos de cevada e meio, origem do número dos sapatos, e o “bispo” Crivella prometeram resolver todos os nossos problemas. Bastaria que tivéssemos votado neles! (xx) Deonísio da Silva é escritor e professor.

sábado, 8 de novembro de 2014

MEIO SÉCULO SEM CECÍLIA MEIRELES

Faz cinquenta anos que morreu Cecília Meireles, escritora homenageada em São Carlos com o nome de um colégio. Foi Cecília Meireles quem fundou a primeira biblioteca infantil do Brasil, em 1934, aos 33 anos. E em sua obra poética destacam-se versos encantadores, escritos especialmente para as crianças, como estes: “Esta menina/ tão pequenina/ quer ser bailarina”. “Não conhece nem dó nem ré/ mas inclina o corpo para cá e para lá”. (...) “Mas depois esquece todas as danças,/ e também quer dormir como as outras crianças”. Estes versos de “Mulher ao Espelho” estavam na parede do quarto de Manuela, quando pequenina: “Já fui loura, já morena,/ já fui Margarida e Beatriz,/ já fui Maria e Madalena./ Só não pude ser como quis”.
Cecília, órfã, foi criada pela avó, pode ter encontrado refúgio no catolicismo e no espiritismo. No “Pequeno Oratório de Santa Clara”, santa de sua devoção, escreverá: “os santos, com seus serviços./ Entre os humanos tormentos,/ São exemplo e aviso,/ pois estamos tão cercados,/ de ciladas e inimigos!”. Cecília publicou o primeiro livro aos 18 anos. Três anos depois, aos 21, casava com o português Fernando Correia Dias, artista plástico, que, sempre muito depressivo, suicidou-se em 1935. Cecília voltou a casar-se em 1940, com Heitor Vinícius da Silveira Grilo, professor e engenheiro agrônomo, que, viúvo de Cecília, morreu em 1972. Para mim, sua obra solar é o “Romanceiro da Inconfidência”. Extraí das páginas mais gloriosas do longo poema os versos para as epígrafes de todos os capítulos de “Avante, soldados: para trás”, que recebeu em Cuba o Prêmio Internacional Casa de las Américas, em 1992. Alguns dias depois, na UFSCar, um colega me disse no cafezinho: “Por que será que te premiaram?”. Repliquei: “Você leu o romance?”. “Não”. “Então”. Penso que não sabe até hoje que a equipe presidida por José Saramago estava enganada. Talvez a tenham fascinado as epígrafes. º da Academia Brasileira de Filologia, escritor, professor de videoaulas à distância na Estácio (RJ), colunista da Rádio Bandnews (RJ) e diretor-adjunto da Editora da Unisul (SC).

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

BOMBÁSTICO, CARTEIRA E CARTEIRAÇO

Este programa, da Rádio BandNews FM, é ouvido até em Siderópolis (SC), minha terra natal. Foi postado pela cantora e compositora Isis Bez Birolo. Ontem, quinta-feira, demos a etimologia de CARTEIRA, CARTEIRAÇO E BOMBÁSTICO, entre outras palavras da semana, a propósito do entrevero entre o juiz, que abusou da autoridade, e Luciana Tamburini, funcionária do Detran, que cumpriu a lei e foi punida! E justamente por um juiz, valha-nos, Deus, que recusou - e conseguiu! - ser "mais igual" do que os outros diante da Lei Seca. Maíra Gama Martins também participou, como sempre, principalmente nos bastidores. https://www.youtube.com/watch?v=MVwnkoGc9P0&feature=youtu.be

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

ACENDER UMA VELA A DEUS, OUTRA AO DIABO

Descobri o quanto o azeite foi importante para Santo Agostinho escrever seus livros depois de integrar uma banca de tese de uma cantora lírica, Ria Fucci Amato, que fez uma pesquisa abordando o que famoso santo e filósofo tinha escrito sobre MÚSICA. No estudo descobri também que Nero foi acusado de ter posto fogo em Roma porque tinha feito a Reforma Agrária na África e contrariado poderosos chefes militares que tinham ficado latifundiários com as conquistas. Mas nosso assunto de hoje foi uma expressão curiosa, invocada quando a pessoa quer agradar lados contrários entre si: ACENDER UMA VELA A DEUS, OUTRA AO DIABO. A expressão veio da França para Portugal, e daí ao Brasil, mas os personagens foram trocados: na França, diz-se acender uma vela a São Miguel, outra à sua Serpente.
O Diabo tomou a forma de serpente ainda no Paraíso quando tentou Adão e Eva. Satanás, seu outro nome, não conseguiu nada com Adão, mas com Eva, sim! Quem mais profundamente escreveu sobre esta e outras questões teológicas foi Santo Agostinho. Ele nasceu em Tagaste, ma África, e foi bispo de Hipona, também na África. Na época em que ele, voltando de Milão e de Roma, foi viver no continente em que nascera, a África produzia muito azeite e por isso ele pôde ler, estudar e escrever muito à noite, porque todos podiam manter acesas as lamparinas de azeite. Era ele quem rezava assim: "Senhor, dai-me a castidade, mas não já", porque teve muitas namoradas, e teve um filho com uma delas, a que chamou Adeodato,que significa "A Deus dado".