NOME DE POBRE NO BRASIL
quinta-feira, 3 de julho de 2014
O IDIOMA DO FUTEBOL, O Globo (3/2014, p. 21)
Cronistas esportivos vêm dando impressionante contribuição à língua portuguesa
Na Copa de 62, enfrentando a Inglaterra, Garrincha disse a Didi: “O São Cristóvão está de uniforme novo.” Confundindo uma festa religiosa com a garantia constitucional do habeas corpus, o goleiro Manga declarou aos jornalistas: “O homem disse que, se me suspenderem, ele entra com um Corpus Christi.” Ao lado de tais frases lendárias, temos essas de Armando Nogueira: “Nem tudo o que cai na rede é peixe. Às vezes é frango.”
Cronistas esportivos, notadamente os de futebol, vêm dando impressionante contribuição à língua portuguesa, e não apenas com o anedotário do futebol, esporte que para os brasileiros não é o mesmo que é para o resto do mundo. Entre nós, o futebol ganha transcendências impressionantes e se espalha por outros campos, em velocidade e proporções extraordinárias.
A vitória tem de ser total, absoluta. Ser vice ou ficar em último dá no mesmo, como lembrou José Maria Marin, presidente da CBF, em entrevista ao GLOBO.
Tivemos duas grandes derrotas para o Uruguai. Numa delas perdemos parte do território nacional, na Guerra Cisplatina, em 1828, mas nossa força militar foi perdoada rapidamente. A seleção brasileira perdeu a Copa de 1950. Foi condenada para sempre.
Muitas frases do futebol são lendárias, mas outras podem ser comprovadas por meio de registros ouvidos, lidos e vistos, e muitas delas migraram do futebol para a vida cotidiana, de que são exemplos: fazer o meio de campo (encarregar-se de organizar algo); bater na trave (quase acertar); dar bola (dar atenção); entrar de sola (ser bruto, indelicado); ser freguês (ter insucesso constante; claro: é o freguês que sempre paga!); pendurar as chuteiras (aposentar-se); pisar na bola (atrapalhar-se); tirar o time de campo (desistir).
O futebol é uma invenção inglesa e por isso cedemos a neologismos do inglês, depois adaptados para o português, como football, match, shoot e goalkeeper, que viraram futebol, partida, chute e goleiro. E algumas foram inventadas, como arquibaldo e geraldino.
Outras expressões têm berço mais curioso. “Barba, cabelo e bigode” não veio das barbearias. Veio de quando no mesmo ano eram disputadas as séries infantojuvenil (os jogadores tinham cabelo, mas não tinham barba ainda), a de aspirantes (os jogadores já tinham barba, mas não tinham bigode) e a profissional (os jogadores tinham bigode, quando este era moda para os adultos).
“Bola pro mato que o jogo é de campeonato” não é sempre literal. Vem do tempo em que havia uma única bola em jogo. Se ela demorasse a voltar, o time pressionado tinha um certo alívio. Mas o mato podia ser um rio, uma lagoa etc.
Abreviações espontâneas foram surgindo. Em Maraca, em vez de Maracanã, dá-se o mesmo processo de profe para professor ou professora. Também o técnico é chamado de professor, ainda que jamais de profe.
Palavras e expressões, mesmo quando lendárias, influenciam muito a nossa vida.
Deonísio da Silva é escritor e professor
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/o-idioma-do-futebol-13113217#ixzz36Ph8wTpu
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Deonísio, deliciosa crônica para esta amante de futebol. Como sempre aprendendo com você: o barba cabelo e bigode jamais atinei que viria do jogo que também dá poesia. Nunca me esqueço de uma crônica de Nelson Rodrigues que me fez rir e chorar: "quando Garricha acerta as pombinhas da Cinelândia gritam: nosso irmãozinho fez um gol!"
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