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quarta-feira, 23 de maio de 2012

RÉQUIEM PARA STEFAN ZWEIG, POR WANDER LOURENÇO

Em Lotte & Zweig, romance recém-publicado pelo escritor e professor Deonísio da Silva, nota-se que se intercalam versões distintas referentes ao fatídico episódio ocorrido no município de Petrópolis, na noite de 22 de fevereiro 1942, em pleno contexto da Segunda Guerra Mundial e do governo de Getulio Vargas. Uma das vertentes de interpretação, decerto, impelirá o leitor a deduzir que a ficcionalização da tragédia vivenciada por Stefan Zweig servirá de palimpsesto para se desmascarar uma imposição histórica ditada por interesses políticos de questionável ordem diplomática entre Brasil e Alemanha. Por esta linha de raciocínio, a propagação oficial do suicídio seria contestada pela segunda parte do livro em questão, a partir de um suposto homicídio que abreviara a existência do escritor judeu de origem austríaca. Por um dos diletos subterfúgios narrativos da escrita contemporânea, o enredo da obra literária Lotte & Zweigse estrutura pelo viés de uma voz narrativa em primeira pessoa; todavia, a narração se bifurcará mais adiante pelos meandros de uma onisciente perspectiva a se equilibrar pelos parâmetros de um mistério à luz do Holocausto nazista. A consoada de Zweig se instaura pelas evidências da preparação para um suicídio anunciado por inúmeras missivas endereçadas a destinatários mundo afora. Por outro ângulo, o narrador irá inserir elementos fictícios para comprovação de uma trama alemã capitaneada por Joseph, Frida, Helmut, Gustav etc. Acrescenta-se a isto que uma terceira voz narrativa, cujas menções entrelaçam os múltiplos discursos vigentes, margeará a trama por intermédio de um frágil fluxo de consciência provindo da figura que intitula o livro, Lotte, o que, aliás, pouco acrescenta à espinha dorsal da tessitura arquitetada pelas hábeis mãos de um ficcionista em pleno domínio da técnica do romance moderno. A História sofre as investidas da ficção engendradas pelo intelectual apto a afirmar que a ferramenta do escritor é a imaginação, conquanto não se admita a intervenção do bisturi verbal do artista a interferir no amálgama nevrálgico do conflito étnico. De antemão deve-se, ao menos, se depreender que a escritura se predispõe a arraigar-se por uma tênue hermenêutica da suspeita, em diálogo com a ambiguidade que se instaura pela fresta a incutir a dúvida referente ao ato de renúncia praticado por um homem perseguido pelo antissemitismo cultuado pelo cenário europeu. Destarte, como poder-se-ia forjar a identidade criminal sem se abster da insigne inclemência de historiadores e biógrafos de Stefan Zweig, autores de teses absolutistas não refratárias ao diagnóstico oficial assinalado pela perícia dos discípulos de Getulio Vargas e Adolf Hitler? Curiosamente, não seria desperdício de causa afiançar que estas duas personagens históricas, Hitler e Vargas, também padeceriam com o estigma de um suicídio mal prefaciado por sobrescritos apócrifos. Entretanto, em retorno ao livro, quiçá seja de bom alvitre advertir que a dialética da sensatez não se ancora em cais de aviltamento. De outra feita, se as palpáveis diretrizes da narrativa que se interpenetram, no tocante à personalidade austríaca que preludia o suicídio e ao narrador que aventa a possibilidade do assassínio, por que considerar que o autor de Lotte & Zweig se responsabilizaria pela rubrica assinalada no laudo ou testamento, que apontaria como causa mortis de cunho político do intelectual de estirpe hebreia? Caberia enfatizar que a percepção do leitor se equilibrará por sobre um picadeiro de suposições acrobáticas, para abarcar as múltiplas expectativas de um desenlace que, no mínimo, irá se escorar na hipótese do questionamento. Muito provavelmente alguns incautos obterão a certeza de que a posição do alter ego de Deonísio da Silva se pautará pelas prédicas do homicídio contra a família Zweig. Contudo, julgo que mais condizente seria afirmar que, com a proposição do discurso que se alicerça pelo movediço espaço da dubiedade, Lotte & Zweig instigará o debate com requintes de subversão e complexidade. *Wander Lourenço de Oliveira, doutor em letras pela UFF, é escritor e professor universitário. Seus livros mais recentes são 'O enigma Diadorim' (Nitpress) e 'Antologia teatral' (Ed. Macabéa).

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