Não é de hoje que palavras e expressões da língua inglesa reverberam em nosso idioma
A expressão "Dia D" é tradução do inglês D-Day. O primeiro Dia D deu-se na Segunda Guerra Mundial. A invasão da Normandia estava marcada para 5 de junho de 1944. Como fez mau tempo, o desembarque deu-se no dia seguinte. "Dia D" migrou do meio militar para os dicionários com o fim de designar o começo de uma operação planejada com bastante antecedência.
Outra expressão nascida naquela guerra foi "blecaute", do inglês black out. De setembro de 1939 a abril de 1945, os ingleses eram obrigados por lei a cobrir as janelas antes de escurecer, para dificultar os bombardeios alemães. Hoje é mais comum "apagão" em vez de "blecaute".
Nós voltamos à estaca zero, mas originalmente a volta era à estaca um: "Back to square one". Nos albores da Era do Rádio, os ouvintes tinham dificuldade de entender um jogo que não viam. Uma representação gráfica do campo, imitando um tabuleiro de xadrez, passou a ser publicada nos jornais para que eles acompanhassem os jogos, voltando sempre que necessário à estaca um.
Guinéu
O porquinho-da-índia não é porco e não é da Índia. As Índias Ocidentais foram confundidas com a América do Sul, onde o bichinho era criado para alimento. Desde o século 19, o animal vem sendo usado como cobaia, que em inglês é guinea pig. Guinea designava, não apenas a Guiné, mas qualquer lugar muito distante dos EUA. E os bichinhos eram vendidos por marinheiros ingleses ao preço de um guinéu,
moeda de ouro. O nome pegou.
E ainda temos os problemas da tradução. "O xerife xis despachou o deputado Fulano para investigar um caso", estranhou Ruy Castro, que explicou a confusão: "o xerife estava dando ordens ao seu humilde auxiliar - deputy, em inglês."
Visitas, as palavras vindas do inglês devem ser bem recebidas, desde que não mandem em nossa casa, a língua portuguesa. Do contrário, o texto vira uma miscelânea, do latim miscellanea, a gororoba servida aos gladiadores. Aquela refeição poderia ser a última! Afinal, eles iam morrer!
*Escritor, doutor em letras pela USP, professor e vice-reitor de Cultura e Extensão da Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro
NOME DE POBRE NO BRASIL
quarta-feira, 23 de novembro de 2011
quinta-feira, 17 de novembro de 2011
CONGRESSO DE ESCRITORES: A OMISSÃO DA MÍDIA
O anfiteatro estava lotado no Congresso de Escritores para minha oficina A Arte de Narrar. Durou duas horas. Foram feitas perguntas muito pertinentes. Fábio Lucas, um dos melhores críticos literários do Brasil, assistiu à oficina inteirinha. Menalton Braft, grande escritor, com prêmios importantes na bagagem, inclusive alguns Jabutis, me apresentou ao distinto público, mas todos conheciam o autor ou sua obra e disseram que por isso mesmo se tinham inscrito.
No corredor, vejo o escritor Joaquim Botelho, presidente da UBE, que levou sua mãe, a tradutora de grego e de latim, para o Congresso. Que lindo gesto.
Nos corredores e restaurantes, encontro o escritor e tradutor Luís Avelima, quero saber o que anda fazendo, e ele me informa que está traduzindo uma antologia de autores russos. Encontro também a crítica literária Dirce Lorimier e o poeta e ensaísta Claudio Willer. Vejo nos recortes de jornais afixados na parede que o jornalista e biógrafo Fernando Morais e a romancista e psicanalista Betty Milan falaram no dia anterior a diversas das pessoas ali presentes. Betty enfatizou as relações entre autor, obra e público, e as dificuldades do autor para chegar ao leitor, dado o antigo (que parece eterno) problema da distribuição de livros. Fernando Morais queixou-se de que não vai poder pagar a indenização de R$ 500 mil, imposta em rumoroso processo judicial movido por Ronaldo Caiado, que se sentiu ofendido em certos trechos da biografia de Assis Chateaubriand.
Na sala ao lado, o jornalista e romancista José Nêumanne Pinto disserta sobre o que sabe de Lula e reitera que seu livro O que sei de Lula (Editora Topbooks) apresenta um Lula de direita, vindo das lutas sindicais que, segundo ele, tem projetos estranhos e parece ter como prioridade ocupar os aparelhos de Estado.
Se cobertura
Nos jornais e revistas nas bancas, nenhuma linha sobre o Congresso de Escritores. Minha memória começa a brotar. No primeiro, em 1945, eu ainda não tinha nascido, e dele só sei o que li, com destaque para a presença de Graciliano Ramos. Mas do segundo, em 1985, eu estava participando como escritor, já com oito livros publicados, pois que demorara quarenta anos para que fosse realizada aquela segunda edição.
Neste terceiro, agora com 33 livros publicados, e tendo chegado ao Outono, com meus 63 anos, o que vejo? O que vejo é pouco em comparação com o que vi em 1985. Tancredo Neves agonizava num hospital e morreria dali a dois ou três dias. Coubera-me, então, sentar ao lado de Rubem Braga, que a toda hora me pedia para olhar para a mesa onde estavam o presidente José Sarney, ao lado de Fernando Henrique Cardoso. O sabiá da crônica, seu melhor epíteto, me cochichava ao ouvido: “Como esse Fernando Henrique é cínico!”
Mas em 1985 havia a imprensa espelhando aquele Congresso. Deste, a mídia, com raras exceções, esteve ausente. Mas nas navegações ao longo da vida também se rema contra a corrente, e aqui estamos, em Ribeirão Preto, a postos mais uma vez. Tomara que ao próximo Congresso de Escritores a imprensa vá e informe ao distinto público o que ocorrer. Do contrário, a mídia, obcecada com denúncias de todos os tipos, deixará de informar um momento decisivo da vida dos escritores.
Bem, esta é uma crítica de mídia, e, no caso, foi a crítica de um sentida ausência. Não sei por que os jornais, as revistas, as emissoras de rádio e TV não foram cobrir o Congresso. Só sei que não foram e aqui deixo da ausência tão notada este inconformado registro.
No corredor, vejo o escritor Joaquim Botelho, presidente da UBE, que levou sua mãe, a tradutora de grego e de latim, para o Congresso. Que lindo gesto.
Nos corredores e restaurantes, encontro o escritor e tradutor Luís Avelima, quero saber o que anda fazendo, e ele me informa que está traduzindo uma antologia de autores russos. Encontro também a crítica literária Dirce Lorimier e o poeta e ensaísta Claudio Willer. Vejo nos recortes de jornais afixados na parede que o jornalista e biógrafo Fernando Morais e a romancista e psicanalista Betty Milan falaram no dia anterior a diversas das pessoas ali presentes. Betty enfatizou as relações entre autor, obra e público, e as dificuldades do autor para chegar ao leitor, dado o antigo (que parece eterno) problema da distribuição de livros. Fernando Morais queixou-se de que não vai poder pagar a indenização de R$ 500 mil, imposta em rumoroso processo judicial movido por Ronaldo Caiado, que se sentiu ofendido em certos trechos da biografia de Assis Chateaubriand.
Na sala ao lado, o jornalista e romancista José Nêumanne Pinto disserta sobre o que sabe de Lula e reitera que seu livro O que sei de Lula (Editora Topbooks) apresenta um Lula de direita, vindo das lutas sindicais que, segundo ele, tem projetos estranhos e parece ter como prioridade ocupar os aparelhos de Estado.
Se cobertura
Nos jornais e revistas nas bancas, nenhuma linha sobre o Congresso de Escritores. Minha memória começa a brotar. No primeiro, em 1945, eu ainda não tinha nascido, e dele só sei o que li, com destaque para a presença de Graciliano Ramos. Mas do segundo, em 1985, eu estava participando como escritor, já com oito livros publicados, pois que demorara quarenta anos para que fosse realizada aquela segunda edição.
Neste terceiro, agora com 33 livros publicados, e tendo chegado ao Outono, com meus 63 anos, o que vejo? O que vejo é pouco em comparação com o que vi em 1985. Tancredo Neves agonizava num hospital e morreria dali a dois ou três dias. Coubera-me, então, sentar ao lado de Rubem Braga, que a toda hora me pedia para olhar para a mesa onde estavam o presidente José Sarney, ao lado de Fernando Henrique Cardoso. O sabiá da crônica, seu melhor epíteto, me cochichava ao ouvido: “Como esse Fernando Henrique é cínico!”
Mas em 1985 havia a imprensa espelhando aquele Congresso. Deste, a mídia, com raras exceções, esteve ausente. Mas nas navegações ao longo da vida também se rema contra a corrente, e aqui estamos, em Ribeirão Preto, a postos mais uma vez. Tomara que ao próximo Congresso de Escritores a imprensa vá e informe ao distinto público o que ocorrer. Do contrário, a mídia, obcecada com denúncias de todos os tipos, deixará de informar um momento decisivo da vida dos escritores.
Bem, esta é uma crítica de mídia, e, no caso, foi a crítica de um sentida ausência. Não sei por que os jornais, as revistas, as emissoras de rádio e TV não foram cobrir o Congresso. Só sei que não foram e aqui deixo da ausência tão notada este inconformado registro.
terça-feira, 18 de outubro de 2011
ETIMOLOGIA: CHARADA, ESFEROGRÁFICA, NÉCESSAIRE ETC
Charada: do francês charade, ligada ao provençal charrado, conversa para passar o tempo, donde algumas charadas publicadas na imprensa serem denominadas também passatempo. Malba Tahan, pseudônimo do brasileiro Júlio César de Mello e Souza (1895-1974), apresenta várias charadas em seus livros, como esta, extraída de Matemática Divertida e Curiosa: vários sábios reunidos no palácio de um califa pedem ao geômetra persa Beremiz Samir que escreva uma expressão igual a 100 na qual constem, sem repetição, nove algarismos. Ele responde com a seguinte: 1+2+3+4+5+6+7+8 x 9=100. E ainda lhes dá uma segunda opção: 91+542/638=100. Em geral, charada designa um problema que pode ser resolvido mediante reflexão e criatividade, como na expressão “matou a charada”, isto é, encontrou uma solução para o problema.
Denominar: do latim denominare, formado da preposição de e do verbo nominare, nomear, com sentido diferente, pois nomear aplica-se mais a indicar oficialmente para um cargo e designar é dar nomes, seja a pessoas, seja a lugares, para identificá-los. No Brasil, há nomes folclóricos, como Hímen: o irmão mais velho do nascituro era fã da personagem He Man, o pai não soube dizer direito e o escrivão fez o resto do estrago, sem se dar conta de que referia um seriado infantil da televisão. Também têm denominações curiosas alguns municípios do País, como Doutor Pedrinho (SC), nome do filho do governador da época, e Anta Gorda (RS), que foi mudado para o do então governador, mas não foi aceito pela população, que consolidou o nome do animal. Brasil: Almanaque de Cultura Popular registra outros nomes curiosos de municípios, como Varre-Sai (RJ) e Não-Me-Toque (RS).
Esferográfica: do grego sphaîra, esfera, e graphikós, gráfico, referente ao ato de escrever. Quem inventou esse tipo de caneta foi o judeu húngaro Laszló Biró (1899-1985), em 1938. Ele e o irmão Georg, químico, solicitaram a patente da esferográfica na Hungria, na França e na Suíça, em 1938. Fugindo dos nazistas, Laszló e Georg receberam a patente em Paris. Na Iugoslávia, Laszló conheceu Agustín Pedro Justo (1976-1943), presidente da Argentina entre 1932 e 1938. Para lá emigraram e, com a ajuda do amigo argentino Juan Jorge Meyne, os irmãos Biró fundaram a companhia Biró y Meyne, em 1940. Essa segunda patente saiu em 1943. Em 1944, foi vendida a um grupo industrial norte-americano por 2 milhões de dólares, mas reservando a propriedade na Europa a Marcel Bich (1914-1994). Para facilitar a pronúncia do sobrenome, a caneta passou a ser comercializada sob a marca Bic, na Europa, em 1949; em 1959, nos Estados Unidos; e a seguir em muitos outros países.
Municipal: do latim municipalis, ligado a municipium, pela formação munus, cargo, ofício, e capere, referente e ligado a jurisdições maiores, originalmente províncias de Roma e hoje unidades políticas e administrativas dos Estados, com o fim de assegurar direitos aos cidadãos romanos. A origem remota é a raiz indo-europeia “*mei”, mudar, trocar. As palavras municipium e municipalis tinham no latim vinculações com munus facere, desempenhar o cargo, fazer alguma coisa, donde praefectus, prefeito, ligado ao verbo praeficire, evoluído de prae facere, fazer antes, antecipar-se.
Nécessaire: do francês nécessaire, redução de nécessaire de toilette, estojo, maleta, valise ou bolsa contendo objetos indispensáveis, no Brasil mais usada por mulheres, que levam no recipiente batom, pente, pó, escova e outros recursos de toalete e maquiagem rápida, embora seja designada nécessaire também quando utilizado para levar agulha, linha e outres itens de costura, ou, ainda, pequenas ferramentas de uso manual em alguns ofícios. A palavra ainda não foi aportuguesada, embora esteja há três séculos entre nós.
Tamanho: provavelmente do latim tam magnus, tão grande, mas que acabou se tornando termo de comparação também para coisas menores. O Brasil é tão grande que só no Município de Altamira (PA), o maior do País, caberiam quatro Holandas, mas é habitado por apenas 105000 pessoas. O menor do Brasil em extensão é Santa Cruz de Minas (MG). Já os cerca de 800 habitantes de Borá (SP), o menor município do Brasil, caberiam num avião.
Denominar: do latim denominare, formado da preposição de e do verbo nominare, nomear, com sentido diferente, pois nomear aplica-se mais a indicar oficialmente para um cargo e designar é dar nomes, seja a pessoas, seja a lugares, para identificá-los. No Brasil, há nomes folclóricos, como Hímen: o irmão mais velho do nascituro era fã da personagem He Man, o pai não soube dizer direito e o escrivão fez o resto do estrago, sem se dar conta de que referia um seriado infantil da televisão. Também têm denominações curiosas alguns municípios do País, como Doutor Pedrinho (SC), nome do filho do governador da época, e Anta Gorda (RS), que foi mudado para o do então governador, mas não foi aceito pela população, que consolidou o nome do animal. Brasil: Almanaque de Cultura Popular registra outros nomes curiosos de municípios, como Varre-Sai (RJ) e Não-Me-Toque (RS).
Esferográfica: do grego sphaîra, esfera, e graphikós, gráfico, referente ao ato de escrever. Quem inventou esse tipo de caneta foi o judeu húngaro Laszló Biró (1899-1985), em 1938. Ele e o irmão Georg, químico, solicitaram a patente da esferográfica na Hungria, na França e na Suíça, em 1938. Fugindo dos nazistas, Laszló e Georg receberam a patente em Paris. Na Iugoslávia, Laszló conheceu Agustín Pedro Justo (1976-1943), presidente da Argentina entre 1932 e 1938. Para lá emigraram e, com a ajuda do amigo argentino Juan Jorge Meyne, os irmãos Biró fundaram a companhia Biró y Meyne, em 1940. Essa segunda patente saiu em 1943. Em 1944, foi vendida a um grupo industrial norte-americano por 2 milhões de dólares, mas reservando a propriedade na Europa a Marcel Bich (1914-1994). Para facilitar a pronúncia do sobrenome, a caneta passou a ser comercializada sob a marca Bic, na Europa, em 1949; em 1959, nos Estados Unidos; e a seguir em muitos outros países.
Municipal: do latim municipalis, ligado a municipium, pela formação munus, cargo, ofício, e capere, referente e ligado a jurisdições maiores, originalmente províncias de Roma e hoje unidades políticas e administrativas dos Estados, com o fim de assegurar direitos aos cidadãos romanos. A origem remota é a raiz indo-europeia “*mei”, mudar, trocar. As palavras municipium e municipalis tinham no latim vinculações com munus facere, desempenhar o cargo, fazer alguma coisa, donde praefectus, prefeito, ligado ao verbo praeficire, evoluído de prae facere, fazer antes, antecipar-se.
Nécessaire: do francês nécessaire, redução de nécessaire de toilette, estojo, maleta, valise ou bolsa contendo objetos indispensáveis, no Brasil mais usada por mulheres, que levam no recipiente batom, pente, pó, escova e outros recursos de toalete e maquiagem rápida, embora seja designada nécessaire também quando utilizado para levar agulha, linha e outres itens de costura, ou, ainda, pequenas ferramentas de uso manual em alguns ofícios. A palavra ainda não foi aportuguesada, embora esteja há três séculos entre nós.
Tamanho: provavelmente do latim tam magnus, tão grande, mas que acabou se tornando termo de comparação também para coisas menores. O Brasil é tão grande que só no Município de Altamira (PA), o maior do País, caberiam quatro Holandas, mas é habitado por apenas 105000 pessoas. O menor do Brasil em extensão é Santa Cruz de Minas (MG). Já os cerca de 800 habitantes de Borá (SP), o menor município do Brasil, caberiam num avião.
‘Sociedade 43 x governo zero’
A liberdade de expressão é importante para quem quer ser livre, mas é mais importante ainda para a sociedade, que tem o direito de saber o que pensam aqueles que escrevem. E daí, sim, discordar ou concordar com eles.
Antes de ser levada ao ar, a peça publicitária com Gisele Bündchen foi escrita, isto é, pensada. Podemos falar sem pensar, o que vale para muitas desculpas, mas escrever sem pensar, não! A letra de cada palavra é digitada e isso toma muito tempo.
Felizmente, o Brasil que presta se mexeu, como diz Augusto Nunes em suas criativas indignações. E a manhã do dia 13 de outubro de 2011 vai ficar na História do Brasil e principalmente nos anais da defesa da liberdade de expressão. O Conselho de Ética do Conar recomendou o arquivamento da Representação Hope/Gisele Bündchen.
A decisão da 1ª. e da 8ª. Câmaras do Conselho de Ética foi tomada por unanimidade: 43 votos a zero a favor da manutenção da peça publicitária da campanha da Hope, fabricante de lingeries. A ministra Iriny Lopes pode recorrer da decisão. Não se sabe se exercerá esse direito.
Recordemos! A peça publicitária, estrelada por Gisele Bündchen, foi criada pela Giovanni+DraftFCB. Diz a ata: “Os membros do Conselho de Ética presentes à sessão de julgamento, realizada na manhã de hoje, na sede do Conar, em São Paulo, acompanharam o voto do relator, que considerou que os estereótipos presentes na campanha são comuns à sociedade e facilmente identificados por ela, não desmerecendo a condição feminina”.
A representação tinha sido aberta por denúncias formuladas ao Conar por cerca de 40 consumidores e também pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. Representantes da Secretaria, do anunciante e da agência participaram da sessão de julgamento.
A ministra Iriny Lopes anda metendo os pés pelas mãos há algum tempo. Já enviou ofício à Rede Globo sugerindo uma mudança no andamento de Fina Estampa. O personagem Baltazar (Alexandre Nero) humilha e bate na esposa, Celeste (Dira Paes). A ministra pede que Celeste vá atrás da Rede de Atendimento à Mulher por meio do número telefônico 180. Além disso, quer que Baltazar seja levado a algum centro de reabilitação, conforme previsto na Lei Maria da Penha. Se Os irmãos Karamazóv ou qualquer outro livro de Dostoiévski for transposto para a telinha, o que vai “sugerir” a ministra? Que os filhos não matem os pais? Para Crime e Castigo vai sugerir que Raskolnikov seja punido por agressão a idosa? Até Chapeuzinho Vermelho está em perigo. Por que vovó foi abandonada num asilo florestal?
O fascismo não consiste apenas em proibir uma coisa. Os fascistas querem obrigar a dizer ou a fazer outra! O autor do roteiro de Fina Stampa, o escritor Aguinaldo Silva, quem diria, sucede a Dias Gomes também nesse particular: Roque Santeiro foi proibido durante a ditadura militar, mas nenhum censor atreveu-se a ensinar Dias Gomes a escrever. Essa ministra quer mais: ela sugere, compreendem?
Antes de ser levada ao ar, a peça publicitária com Gisele Bündchen foi escrita, isto é, pensada. Podemos falar sem pensar, o que vale para muitas desculpas, mas escrever sem pensar, não! A letra de cada palavra é digitada e isso toma muito tempo.
Felizmente, o Brasil que presta se mexeu, como diz Augusto Nunes em suas criativas indignações. E a manhã do dia 13 de outubro de 2011 vai ficar na História do Brasil e principalmente nos anais da defesa da liberdade de expressão. O Conselho de Ética do Conar recomendou o arquivamento da Representação Hope/Gisele Bündchen.
A decisão da 1ª. e da 8ª. Câmaras do Conselho de Ética foi tomada por unanimidade: 43 votos a zero a favor da manutenção da peça publicitária da campanha da Hope, fabricante de lingeries. A ministra Iriny Lopes pode recorrer da decisão. Não se sabe se exercerá esse direito.
Recordemos! A peça publicitária, estrelada por Gisele Bündchen, foi criada pela Giovanni+DraftFCB. Diz a ata: “Os membros do Conselho de Ética presentes à sessão de julgamento, realizada na manhã de hoje, na sede do Conar, em São Paulo, acompanharam o voto do relator, que considerou que os estereótipos presentes na campanha são comuns à sociedade e facilmente identificados por ela, não desmerecendo a condição feminina”.
A representação tinha sido aberta por denúncias formuladas ao Conar por cerca de 40 consumidores e também pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. Representantes da Secretaria, do anunciante e da agência participaram da sessão de julgamento.
A ministra Iriny Lopes anda metendo os pés pelas mãos há algum tempo. Já enviou ofício à Rede Globo sugerindo uma mudança no andamento de Fina Estampa. O personagem Baltazar (Alexandre Nero) humilha e bate na esposa, Celeste (Dira Paes). A ministra pede que Celeste vá atrás da Rede de Atendimento à Mulher por meio do número telefônico 180. Além disso, quer que Baltazar seja levado a algum centro de reabilitação, conforme previsto na Lei Maria da Penha. Se Os irmãos Karamazóv ou qualquer outro livro de Dostoiévski for transposto para a telinha, o que vai “sugerir” a ministra? Que os filhos não matem os pais? Para Crime e Castigo vai sugerir que Raskolnikov seja punido por agressão a idosa? Até Chapeuzinho Vermelho está em perigo. Por que vovó foi abandonada num asilo florestal?
O fascismo não consiste apenas em proibir uma coisa. Os fascistas querem obrigar a dizer ou a fazer outra! O autor do roteiro de Fina Stampa, o escritor Aguinaldo Silva, quem diria, sucede a Dias Gomes também nesse particular: Roque Santeiro foi proibido durante a ditadura militar, mas nenhum censor atreveu-se a ensinar Dias Gomes a escrever. Essa ministra quer mais: ela sugere, compreendem?
quarta-feira, 28 de setembro de 2011
ETIMOLOGIA DE 28 DE SETEMBRO DE 2011
Conquistador: de conquistar, do latim vulgar conquisitare, do latim clássico conquirere, mas remotamente radicado em quaerere, procurar. Designou originalmente o chefe militar vitorioso que anexava territórios e ainda trazia os bens confiscados do vencido. Pitigrilli, pseudônimo do escritor e jornalista italiano Dino Segri (1893-1975), escreveu que quando levaram um pirata à presença do rei macedônio Alexandre, o Grande (356-323) para ser interrogado, este lhe perguntou: “Não te envergonhas do teu ofício?”. Ouviu em resposta: “Sou pirata porque possuo apenas um navio. Se possuísse uma esquadra, seria um conquistador.” Conquistador tem também o sentido de namorador.
Dita: do latim dicta, coisas ditas, feminino plural de dictum, dito, particípio do verbo dicere, dizer. Ganhou o sentido de destino, sorte, donde ditoso, feliz, e também desdita, falta de sorte. Em Os Lusíadas, de Luiz Vaz de Camões (1524-1580), Portugal é assim definido: “Esta é a ditosa pátria minha amada,/ À qual se o Céu me dá que eu sem perigo/ Torne com esta empresa já acabada,/ Acabe-se esta luz aqui comigo.”
Livralhada: de livro, do latim livrum, livro, declinação de liber, película entre a madeirae a casca das árvores. Era nesse tipo de material que se escrevia antes da descoberta do papiro, mas o nome se consolidou, mesmo quando o livro passou a ser impresso. Até o livro eletrônico é chamado de livro, e-book, abreviação do inglês eletronic book. Livralhada formou-se de livro e alhada, com exclusão do “o” em livro. O estranho e pejorativo coletivo é dito também livraiada, mas Eduardo Frieiro (1889-1982), escritor e professor mineiro hoje meio esquecido, preferiu livroxada, como se lê em Os Livros Nossos Amigos: “Acontece frequentemente que estes livros, pela maior parte, não são lidos e nem ao menos abertos. Essa livroxada vai-se então acumulando a um canto.”
Presbítero: do grego presbíteros, velho, ancião. Passou a designar autoridade importante na Igreja, sacerdote referencial, em cargo atribuído a um homem dentre os mais velhos da comunidade. Para os protestantes, presbítero equivale a bispo. Em algumas igrejas, presbítero é a pessoa eleita pela congregação para ser o chefe espiritual. Nos albores do cristianismo, a língua grega forneceu a designação para várias funções e instituições eclesiásticas e esses étimos permanecem na língua portuguesa, tendo ou não passado pelo latim, como eclésia, diocese, bispo, episcopal. E este é o caso de presbítero.
Seguro: do latim securus, firme, tranquilo, certo, adjetivo que indica ausência de risco, de perigo, isto é, sine cura, sem cuidado, mas aqui com o sentido de dispensar preocupação, inquietação, aflição, angústia, tarefa delegada a outrem, como no caso de seguro contratado. Como substantivo designa contrato pelo qual o segurador se obriga a pagar ao segurado uma indenização, caso ocorra algum sinistro. O professor Julio Cezar da Silva Pauzeiro (47), da Universidade Estácio de Sá, engenheiro e pós-graduado por várias instituições, fez estudos muito pertinentes sobre o tema, abordando em especial a relação entre segurados, corretores e empresas, num livro de leitura imperdível, intitulado As Estratégias Adotadas pelos Corretores de Seguros na Gestão de seus Negócios: um Estudo de Múltiplos Casos, publicado pela Escola Nacional de Seguros.
Tuitar: do inglês twitter, trinar como um passarinho, imitando seu canto. O sentido de postar comentários em microblogues, limitados a 140 caracteres, foi introduzido em 2006. Veio para o inglês do antigo alto alemão zwizziron, hoje zwistschern, gorjear ou tomar um gole.
Ultrapassar: do prefixo ultra, do latim ultra, para além de, mais longe, transpor, exceder, e de passar, do latim vulgar passare, afastar as pernas, passar. O prefixo está presente em ultramontano, para além dos montes, e o verbo ultrapassar aparece com frequência nos avisos de trânsito, quando sinais de advertência lembram que é proibido seguir em velocidade maior do que a do carro que está na frente ou mediante sinais nos quais aparece a figura de um veículo com uma faixa indicando proibição. Uma linha amarela contínua no leito da estrada, à esquerda do motorista, também indica que é proibido ultrapassar naquele trecho.
Dita: do latim dicta, coisas ditas, feminino plural de dictum, dito, particípio do verbo dicere, dizer. Ganhou o sentido de destino, sorte, donde ditoso, feliz, e também desdita, falta de sorte. Em Os Lusíadas, de Luiz Vaz de Camões (1524-1580), Portugal é assim definido: “Esta é a ditosa pátria minha amada,/ À qual se o Céu me dá que eu sem perigo/ Torne com esta empresa já acabada,/ Acabe-se esta luz aqui comigo.”
Livralhada: de livro, do latim livrum, livro, declinação de liber, película entre a madeirae a casca das árvores. Era nesse tipo de material que se escrevia antes da descoberta do papiro, mas o nome se consolidou, mesmo quando o livro passou a ser impresso. Até o livro eletrônico é chamado de livro, e-book, abreviação do inglês eletronic book. Livralhada formou-se de livro e alhada, com exclusão do “o” em livro. O estranho e pejorativo coletivo é dito também livraiada, mas Eduardo Frieiro (1889-1982), escritor e professor mineiro hoje meio esquecido, preferiu livroxada, como se lê em Os Livros Nossos Amigos: “Acontece frequentemente que estes livros, pela maior parte, não são lidos e nem ao menos abertos. Essa livroxada vai-se então acumulando a um canto.”
Presbítero: do grego presbíteros, velho, ancião. Passou a designar autoridade importante na Igreja, sacerdote referencial, em cargo atribuído a um homem dentre os mais velhos da comunidade. Para os protestantes, presbítero equivale a bispo. Em algumas igrejas, presbítero é a pessoa eleita pela congregação para ser o chefe espiritual. Nos albores do cristianismo, a língua grega forneceu a designação para várias funções e instituições eclesiásticas e esses étimos permanecem na língua portuguesa, tendo ou não passado pelo latim, como eclésia, diocese, bispo, episcopal. E este é o caso de presbítero.
Seguro: do latim securus, firme, tranquilo, certo, adjetivo que indica ausência de risco, de perigo, isto é, sine cura, sem cuidado, mas aqui com o sentido de dispensar preocupação, inquietação, aflição, angústia, tarefa delegada a outrem, como no caso de seguro contratado. Como substantivo designa contrato pelo qual o segurador se obriga a pagar ao segurado uma indenização, caso ocorra algum sinistro. O professor Julio Cezar da Silva Pauzeiro (47), da Universidade Estácio de Sá, engenheiro e pós-graduado por várias instituições, fez estudos muito pertinentes sobre o tema, abordando em especial a relação entre segurados, corretores e empresas, num livro de leitura imperdível, intitulado As Estratégias Adotadas pelos Corretores de Seguros na Gestão de seus Negócios: um Estudo de Múltiplos Casos, publicado pela Escola Nacional de Seguros.
Tuitar: do inglês twitter, trinar como um passarinho, imitando seu canto. O sentido de postar comentários em microblogues, limitados a 140 caracteres, foi introduzido em 2006. Veio para o inglês do antigo alto alemão zwizziron, hoje zwistschern, gorjear ou tomar um gole.
Ultrapassar: do prefixo ultra, do latim ultra, para além de, mais longe, transpor, exceder, e de passar, do latim vulgar passare, afastar as pernas, passar. O prefixo está presente em ultramontano, para além dos montes, e o verbo ultrapassar aparece com frequência nos avisos de trânsito, quando sinais de advertência lembram que é proibido seguir em velocidade maior do que a do carro que está na frente ou mediante sinais nos quais aparece a figura de um veículo com uma faixa indicando proibição. Uma linha amarela contínua no leito da estrada, à esquerda do motorista, também indica que é proibido ultrapassar naquele trecho.
quinta-feira, 22 de setembro de 2011
ETIMOLOGIA DESTA SEMANA EM CARAS
Caderno: do latim quaternus, assim chamado porque originalmente era uma folha dobrada em quatro partes. Ele substituiu o rolo de papiro e a lousa portátil, depois que a grande lousa tornou-se recurso didático quase exclusivo do professor.
Difusão: do latim diffusione, declinação de diffusio, do mesmo étimo de fundere, espalhar, e de funda, funda, laçada de couro ou de borracha para atirar pedras. Na mídia, depois do jornal, do rádio e da televisão, a difusão ganhou dimensões de multimídia. Uma das conquistas mais recentes é expressa no neologismo podcast, palavra forjada pelo escritor britânico Ben Hammersley (36) a partir de iPod — I, eu, em inglês, e pod, acrônimo para portable on demand, portátil sob demanda, mas aqui com o sentido de Eu desejo — e broadcast, transmissão.
Lousa: do latim lausiae, pedra rasa assentada sobre a sepultura. Como redução de lausiae lapides, pedra de ardósia, designava a lousa, quadro de ardósia de tamanhos variados, com moldura de madeira, posta sobre a carteira escolar, fixada na parede ou sobre um cavalete, destinada a nela se escrever com giz. Desde a antiga Roma, o aluno levava a lousa para a schola, intervalo para aprender, depois que o ensino deixou a aula, o palácio, e foi levado a todos, livres ou escravos. Com o tempo, ficou apenas a lousa grande, que mudou de nome para quadro-negro, e em cuja superfície o aluno às vezes era instado a manifestar a todos os colegas e ao professor sua ignorância ou saber! No tablet, a ignorância e a sabedoria tornaram-se privativas de cada um, que vai partilhar apenas o que quiser!
Ouvir: do latim audire, a partir da raiz indo-europeia aus, orelha, presente no grego otós, genitivo de oûs, ouvido, étimo presente em otite e ótico. Não confundir com óptico. Ótico diz respeito ao ouvido, à audição. Óptico, à visão. Otite é inflamação do ouvido. Óptica diz respeito à visão e aos olhos. O poeta carioca Olavo Bilac (1865-1918) fez, entretanto, uma criativa e complexa união entre os dois verbos, ouvir e ver, nestes versos: “ ‘Ora (direis ) ouvir estrelas!/ Certo, perdestes o senso!’/ E eu vos direi, no entanto/ Que, para ouvi-las,/ muitas vezes desperto/ E abro as janelas, pálido de espanto./ E conversamos toda a noite,/ Enquanto a Via-Láctea, como um pálio aberto/ Cintila./ E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,/ Inda as procuro pelo céu deserto./ Direis agora: ‘Tresloucado amigo!/ Que conversas com elas?/ Que sentido tem o que dizem,/ Quando estão contigo?’/ E eu vos direi:/ ‘Amai para entendê-las!/Pois só quem ama pode ter ouvido/ Capaz de ouvir e de entender estrelas.’ ”
Tablet: do francês tablette, pelo inglês tablet, diminutivo de table, mesa, designando originalmente mesinha, placa, tabuinha e também livro de lembranças. Modernamente, aplica-se a computador pessoal, em formato fino e pequeno, que semelha a versão eletrônica da lousa usada para estudo entre os antigos romanos. Dispensando o mouse, é operado pelo sistema touch screen, toque na tela. O tablet não exclui o professor! Torna-o muito mais eficiente, por melhor aparelhá-lo! As bibliografias são inseridas, atualizadas e disponíveis, a um clique, o que permite a docentes e alunos um novo e poderoso quadro de referência para ensinar melhor. Há evidências de que a qualidade do ensino vem melhorando após a adoção do tablet.
Urbano: do latim urbanus, habitante da urbs, urbe, como era designada no latim a cidade, que passou depois a civitas. O étimo antigo ainda é predominante, como se constata em subúrbio, bairro nos arredores da cidade, e suburbano, aquele que mora nesses lugares. Urbano tomou o sentido de educado, em oposição a aldeão e vilão, habitantes da aldeia e da vila.
Vinheta: do latim vinea, vinha, pelo francês vignette, enfeite usado para adornar peça de mobília ou de louça e ilustrar manuscritos, servindo também para destacar ou separar certos trechos da escrita. Recebeu tal designação porque esses ornamentos tinham a forma de folhas de parreira e cachos de uva. No rádio e na televisão, designa chamada de curta duração utilizada em abertura, encerramento ou reinício dos programas, para destacar a estação, o conteúdo ou o patrocinador.
Difusão: do latim diffusione, declinação de diffusio, do mesmo étimo de fundere, espalhar, e de funda, funda, laçada de couro ou de borracha para atirar pedras. Na mídia, depois do jornal, do rádio e da televisão, a difusão ganhou dimensões de multimídia. Uma das conquistas mais recentes é expressa no neologismo podcast, palavra forjada pelo escritor britânico Ben Hammersley (36) a partir de iPod — I, eu, em inglês, e pod, acrônimo para portable on demand, portátil sob demanda, mas aqui com o sentido de Eu desejo — e broadcast, transmissão.
Lousa: do latim lausiae, pedra rasa assentada sobre a sepultura. Como redução de lausiae lapides, pedra de ardósia, designava a lousa, quadro de ardósia de tamanhos variados, com moldura de madeira, posta sobre a carteira escolar, fixada na parede ou sobre um cavalete, destinada a nela se escrever com giz. Desde a antiga Roma, o aluno levava a lousa para a schola, intervalo para aprender, depois que o ensino deixou a aula, o palácio, e foi levado a todos, livres ou escravos. Com o tempo, ficou apenas a lousa grande, que mudou de nome para quadro-negro, e em cuja superfície o aluno às vezes era instado a manifestar a todos os colegas e ao professor sua ignorância ou saber! No tablet, a ignorância e a sabedoria tornaram-se privativas de cada um, que vai partilhar apenas o que quiser!
Ouvir: do latim audire, a partir da raiz indo-europeia aus, orelha, presente no grego otós, genitivo de oûs, ouvido, étimo presente em otite e ótico. Não confundir com óptico. Ótico diz respeito ao ouvido, à audição. Óptico, à visão. Otite é inflamação do ouvido. Óptica diz respeito à visão e aos olhos. O poeta carioca Olavo Bilac (1865-1918) fez, entretanto, uma criativa e complexa união entre os dois verbos, ouvir e ver, nestes versos: “ ‘Ora (direis ) ouvir estrelas!/ Certo, perdestes o senso!’/ E eu vos direi, no entanto/ Que, para ouvi-las,/ muitas vezes desperto/ E abro as janelas, pálido de espanto./ E conversamos toda a noite,/ Enquanto a Via-Láctea, como um pálio aberto/ Cintila./ E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,/ Inda as procuro pelo céu deserto./ Direis agora: ‘Tresloucado amigo!/ Que conversas com elas?/ Que sentido tem o que dizem,/ Quando estão contigo?’/ E eu vos direi:/ ‘Amai para entendê-las!/Pois só quem ama pode ter ouvido/ Capaz de ouvir e de entender estrelas.’ ”
Tablet: do francês tablette, pelo inglês tablet, diminutivo de table, mesa, designando originalmente mesinha, placa, tabuinha e também livro de lembranças. Modernamente, aplica-se a computador pessoal, em formato fino e pequeno, que semelha a versão eletrônica da lousa usada para estudo entre os antigos romanos. Dispensando o mouse, é operado pelo sistema touch screen, toque na tela. O tablet não exclui o professor! Torna-o muito mais eficiente, por melhor aparelhá-lo! As bibliografias são inseridas, atualizadas e disponíveis, a um clique, o que permite a docentes e alunos um novo e poderoso quadro de referência para ensinar melhor. Há evidências de que a qualidade do ensino vem melhorando após a adoção do tablet.
Urbano: do latim urbanus, habitante da urbs, urbe, como era designada no latim a cidade, que passou depois a civitas. O étimo antigo ainda é predominante, como se constata em subúrbio, bairro nos arredores da cidade, e suburbano, aquele que mora nesses lugares. Urbano tomou o sentido de educado, em oposição a aldeão e vilão, habitantes da aldeia e da vila.
Vinheta: do latim vinea, vinha, pelo francês vignette, enfeite usado para adornar peça de mobília ou de louça e ilustrar manuscritos, servindo também para destacar ou separar certos trechos da escrita. Recebeu tal designação porque esses ornamentos tinham a forma de folhas de parreira e cachos de uva. No rádio e na televisão, designa chamada de curta duração utilizada em abertura, encerramento ou reinício dos programas, para destacar a estação, o conteúdo ou o patrocinador.
sexta-feira, 16 de setembro de 2011
MEC MOSTRA QUE ENSINO VAI MAL
MEC MOSTRA QUE ENSINO VAI MAL
De cada vez escolas públicas, oito não atingiram a média de 553,73 pontos nas provas do Exame de Ensino Médio (ENEM). A escala é de mil pontos. Assim, se a prova fosse bimestral, semestral ou final, os melhores alunos teriam tirado nota abaixo de seis!
É muito pouco! Mas a maioria nem a isso chegou. A escola classificada em primeiro lugar, o Colégio São Bento, do Rio, alcançou modestos 761,7 pontos. Também é pouco. Afinal, aluno que tem média 7,61 é um bom aluno, mas comparado a seus colegas europeus, americanos ou chineses não é!
A mídia está comparando as escolas públicas com as escolas privadas, mas são muitos os textos que omitem o seguinte: a rede pública responde por 88,2% de todos os alunos do ensino médio.
O ensino médio vai mal? Bem, nem precisava medir, o senso comum já sabe disso há muito tempo, mas de todo modo essas estatísticas servem para revisões e planejamentos, pois é preciso saber onde, quando, como e para que investir. O próprio MEC já sabia da situação calamitosa do ensino médio pelos exames do Sistema de Avaliação Básica (SAEB).
O que fazem as escolas que se saíram bem? Naturalmente, o óbvio: seus alunos estudam e têm melhores professores! Estas são as duas razões principais. Têm também melhores instalações.
O MEC já sabe o que fazer: reformar as instalações, pagar melhor os professores e exigir deles constantes estudos com o fim de aperfeiçoar o conhecimento das disciplinas que ministram, pois agora, com a atualização das bibliografias por meios eletrônicos (internet, tablet etc), eles correm o risco de saberem menos do que seus alunos mais aplicados, aos quais devem ensinar e não apenas com eles aprender.
A relação bunda-cadeira-hora, abandonada há anos na escola pública, que privilegia merenda, certamente necessária, mas os alunos não foram ali para comer, foram ali para estudar, deve ser retomada imediatamente. As escolas que ficaram nos primeiros lugares fazem no lugar onde estudam três refeições diárias e não apenas a merenda.
Seus alunos começam a estudar às 7h30 e saem às 16h20. Há ainda aulas de reforço em outros horários e provas e exames simulados aos sábados. Ali, porém, filhos de pobres não entram, a não ser em casos raríssimos: as mensalidades estão ao redor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).
Os melhoramentos aplicados nas escolas de excelência podem ser estendidos a todas as outras escolas, públicas ou privadas. O segundo e o sétimo lugares, por exemplo, couberam ao Instituto Dom Barreto e ao Educandário Santa Maria Goretti, do Piauí.
Há outras surpresas no ranking. São Paulo, o mais avançado estado da federação em tantos quesitos, aparece com uma única escola entre as dez mais, atrás do Piauí, com o Vértice Colégio. O estado de Minas Gerais ocupa quatro das dez primeiras posições. E certas regiões, tradicionalmente bem avaliadas, como o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e o Paraná, não têm nenhuma escola entre as dez mais.
É bom o MEC medir. Sabemos que vamos mal e isso é um bom começo: conhecer a realidade para saber o que fazer. (xx)
De cada vez escolas públicas, oito não atingiram a média de 553,73 pontos nas provas do Exame de Ensino Médio (ENEM). A escala é de mil pontos. Assim, se a prova fosse bimestral, semestral ou final, os melhores alunos teriam tirado nota abaixo de seis!
É muito pouco! Mas a maioria nem a isso chegou. A escola classificada em primeiro lugar, o Colégio São Bento, do Rio, alcançou modestos 761,7 pontos. Também é pouco. Afinal, aluno que tem média 7,61 é um bom aluno, mas comparado a seus colegas europeus, americanos ou chineses não é!
A mídia está comparando as escolas públicas com as escolas privadas, mas são muitos os textos que omitem o seguinte: a rede pública responde por 88,2% de todos os alunos do ensino médio.
O ensino médio vai mal? Bem, nem precisava medir, o senso comum já sabe disso há muito tempo, mas de todo modo essas estatísticas servem para revisões e planejamentos, pois é preciso saber onde, quando, como e para que investir. O próprio MEC já sabia da situação calamitosa do ensino médio pelos exames do Sistema de Avaliação Básica (SAEB).
O que fazem as escolas que se saíram bem? Naturalmente, o óbvio: seus alunos estudam e têm melhores professores! Estas são as duas razões principais. Têm também melhores instalações.
O MEC já sabe o que fazer: reformar as instalações, pagar melhor os professores e exigir deles constantes estudos com o fim de aperfeiçoar o conhecimento das disciplinas que ministram, pois agora, com a atualização das bibliografias por meios eletrônicos (internet, tablet etc), eles correm o risco de saberem menos do que seus alunos mais aplicados, aos quais devem ensinar e não apenas com eles aprender.
A relação bunda-cadeira-hora, abandonada há anos na escola pública, que privilegia merenda, certamente necessária, mas os alunos não foram ali para comer, foram ali para estudar, deve ser retomada imediatamente. As escolas que ficaram nos primeiros lugares fazem no lugar onde estudam três refeições diárias e não apenas a merenda.
Seus alunos começam a estudar às 7h30 e saem às 16h20. Há ainda aulas de reforço em outros horários e provas e exames simulados aos sábados. Ali, porém, filhos de pobres não entram, a não ser em casos raríssimos: as mensalidades estão ao redor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).
Os melhoramentos aplicados nas escolas de excelência podem ser estendidos a todas as outras escolas, públicas ou privadas. O segundo e o sétimo lugares, por exemplo, couberam ao Instituto Dom Barreto e ao Educandário Santa Maria Goretti, do Piauí.
Há outras surpresas no ranking. São Paulo, o mais avançado estado da federação em tantos quesitos, aparece com uma única escola entre as dez mais, atrás do Piauí, com o Vértice Colégio. O estado de Minas Gerais ocupa quatro das dez primeiras posições. E certas regiões, tradicionalmente bem avaliadas, como o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e o Paraná, não têm nenhuma escola entre as dez mais.
É bom o MEC medir. Sabemos que vamos mal e isso é um bom começo: conhecer a realidade para saber o que fazer. (xx)
segunda-feira, 12 de setembro de 2011
ETIMOLOGIA DE BRASILIENSE, PERFÍDIA ETC
Brasiliense: de Brasil, mas a partir do nome de nosso país em latim, Brasilia, que aportuguesado, com acento no “i”, veio a designar a atual capital brasileira. Brasiliense e braziliense foram usados como alternativas a brasileiro, nosso adjetivo pátrio. O sufixo “-eiro” indicou originalmente o comerciante de pau-brasil e não nossa nacionalidade. Assim, o primeiro jornal foi o Correio Braziliense e o atual Hino da Indepedência chamou-se inicialmente Hino Constitucional Braziliense.
Conto: do latim computus, conta, enumeração. O étimo de putare, julgar, está presente nesta palavra e também em computare, contar, que ganhou o sentido de narrar pela enumeração de acontecimentos e detalhes em uma história. O conto de fadas, que precedeu as narrativas literárias curtas, tem sua grande referência no dinamarquês Hans Christian Andersen (1805-1875), que escreveu 156 contos infantojuvenis. Sua influência é tão grande que o dia de seu nascimento, 2 de abril, é o Dia Internacinal do Livro Infantil. Os contos mais conhecidos de Andersen são: O Patinho Feio, A Pequena Sereia e O Soldadinho de Chumbo. Também os irmãos Jacob (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859), alemães, recolheram e reescreveram fábulas que podem ser lidas como contos infantojuvenis. Os mais conhecidos são: Branca de Neve, Cinderela, A Bela Adormecida e Rapunzel.
Garbo: do italiano garbo, talvez com raízes no árabe qalib, modelo, molde. Tomou o significado de cortesia, amabilidade. Aparece na última estrofe do Hino da Independência do Brasil: “Parabéns, oh brasileiros/ Já, com garbo varonil/ Do universo entre as nações/ Resplandece a do Brasil”. A primeira estrofe também foi escrita com palavras rebuscadas e sintaxe arrevesada, como era próprio do estilo epocal: “Já podeis da pátria, oh filhos/ Ver contente a mãe gentil/ Já raiou a liberdade/ no horizonte do Brasil”. “Mãe gentil”, qualificando a pátria, aparece também no Hino Nacional, em que está presente a mesma metáfora da liberdade como Sol, “raios fúlgidos”, e a luz e o brilho implícitos no conceito: “do universo entre as nações/ resplandece a do Brasil”.
Helicóptero: do francês hélicoptère, aeronave de asas rotativas, ditas móveis, ao contrário das do avião, que se ergue verticalmente do solo e se desloca para cima, para baixo e para os lados. O francês aproveitou os compsotos gregos héliks, hélice, movimento circular, da raiz indo-europeia wel/welw-, rolar, rodar, e pterón, pena, penacho, pluma. A invenção do helicóptero se deve a franceses, alemães e ingleses, mas quem realmente fez por merecer a sua invenção foram o alemão Anton Flettner (1885-1961) e o russo Igor Ivanovich Sikorsky (1889-1972), em 1909.
Perfídia: título de famoso tango, aparece em sofisticados versos do Hino da Independência: “Os grilhões que nos forjava/ Da perfídia astuto ardil/ Houve mão mais poderosa/ Zombou deles o Brasil”. Naqueles anos, apenas a elite culta e frequentadora dos palácios conhecia palavras tão raras. Em quatro pequenos versos, três palavras são incompreensíveis para incultos: perfídia, astuto, ardil. Também a inversão sintática atrapalha a comprensão. Na ordem direta ficaria assim: o astuto ardil da perfídia forjava grilhões para nós. Mas apareceu mão mais poderosa (e) o Brasil zombou deles (dos grilhões). Grilhões eram correntes de ferro para prender condenados ou escravos. Ardil é armadilha, cilada. E perfídia é traição.
Televisionar: de televisão, do francês télévision e do inglês television, palavras surgidas respectivamente em 1900 e 1907, fez-se este verbo que designa o ato de transmitir programas à distância pela televisão. As transmissões feitas por canais abertos, mais populares, contrastam com aquelas realizadas por televisão a cabo, efetuadas pela primeira vez por John Watson (1914-1993) e sua mulher, Margaret, proprietários da Companhia de Serviços Elétricos de Mahanoy City, na Pensilvânia. Ele instalou uma antena no alto de um morro e fez a imagem chegar lá por cabo, mas no caminho conectou as casas de vários de seus clientes a esse cabo central. Hoje a televisão a cabo está presente em 60% das residências nos EUA e na Europa e em muitas no Brasil.
Conto: do latim computus, conta, enumeração. O étimo de putare, julgar, está presente nesta palavra e também em computare, contar, que ganhou o sentido de narrar pela enumeração de acontecimentos e detalhes em uma história. O conto de fadas, que precedeu as narrativas literárias curtas, tem sua grande referência no dinamarquês Hans Christian Andersen (1805-1875), que escreveu 156 contos infantojuvenis. Sua influência é tão grande que o dia de seu nascimento, 2 de abril, é o Dia Internacinal do Livro Infantil. Os contos mais conhecidos de Andersen são: O Patinho Feio, A Pequena Sereia e O Soldadinho de Chumbo. Também os irmãos Jacob (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859), alemães, recolheram e reescreveram fábulas que podem ser lidas como contos infantojuvenis. Os mais conhecidos são: Branca de Neve, Cinderela, A Bela Adormecida e Rapunzel.
Garbo: do italiano garbo, talvez com raízes no árabe qalib, modelo, molde. Tomou o significado de cortesia, amabilidade. Aparece na última estrofe do Hino da Independência do Brasil: “Parabéns, oh brasileiros/ Já, com garbo varonil/ Do universo entre as nações/ Resplandece a do Brasil”. A primeira estrofe também foi escrita com palavras rebuscadas e sintaxe arrevesada, como era próprio do estilo epocal: “Já podeis da pátria, oh filhos/ Ver contente a mãe gentil/ Já raiou a liberdade/ no horizonte do Brasil”. “Mãe gentil”, qualificando a pátria, aparece também no Hino Nacional, em que está presente a mesma metáfora da liberdade como Sol, “raios fúlgidos”, e a luz e o brilho implícitos no conceito: “do universo entre as nações/ resplandece a do Brasil”.
Helicóptero: do francês hélicoptère, aeronave de asas rotativas, ditas móveis, ao contrário das do avião, que se ergue verticalmente do solo e se desloca para cima, para baixo e para os lados. O francês aproveitou os compsotos gregos héliks, hélice, movimento circular, da raiz indo-europeia wel/welw-, rolar, rodar, e pterón, pena, penacho, pluma. A invenção do helicóptero se deve a franceses, alemães e ingleses, mas quem realmente fez por merecer a sua invenção foram o alemão Anton Flettner (1885-1961) e o russo Igor Ivanovich Sikorsky (1889-1972), em 1909.
Perfídia: título de famoso tango, aparece em sofisticados versos do Hino da Independência: “Os grilhões que nos forjava/ Da perfídia astuto ardil/ Houve mão mais poderosa/ Zombou deles o Brasil”. Naqueles anos, apenas a elite culta e frequentadora dos palácios conhecia palavras tão raras. Em quatro pequenos versos, três palavras são incompreensíveis para incultos: perfídia, astuto, ardil. Também a inversão sintática atrapalha a comprensão. Na ordem direta ficaria assim: o astuto ardil da perfídia forjava grilhões para nós. Mas apareceu mão mais poderosa (e) o Brasil zombou deles (dos grilhões). Grilhões eram correntes de ferro para prender condenados ou escravos. Ardil é armadilha, cilada. E perfídia é traição.
Televisionar: de televisão, do francês télévision e do inglês television, palavras surgidas respectivamente em 1900 e 1907, fez-se este verbo que designa o ato de transmitir programas à distância pela televisão. As transmissões feitas por canais abertos, mais populares, contrastam com aquelas realizadas por televisão a cabo, efetuadas pela primeira vez por John Watson (1914-1993) e sua mulher, Margaret, proprietários da Companhia de Serviços Elétricos de Mahanoy City, na Pensilvânia. Ele instalou uma antena no alto de um morro e fez a imagem chegar lá por cabo, mas no caminho conectou as casas de vários de seus clientes a esse cabo central. Hoje a televisão a cabo está presente em 60% das residências nos EUA e na Europa e em muitas no Brasil.
sexta-feira, 9 de setembro de 2011
A placenta e o caixão
Quem de nós já não se irritou com algum tipo de embalagem? Ah, escritores românticos! Como ignorastes o cotidiano das pessoas numa sociedade que se industrializou desse modo!
É de manhã, o astro-rei espalha seus primeiros raios fúlgidos sobre a parte que lhe cabe da pátria, o torrão em que vivem você e a família que você preside, antigamente a célula-mater da sociedade e hoje a célula-mártir, tantas as preocupações que desabam sobre o lar. O seu dia nem bem começou e você já está todo atrapalhado.
Na verdade, seus atrapalhos começaram ao acordar. Você dá um pequeno tapa no rádio-relógio para que o instrumento de suplício pare de bombardear seu ouvido com aquele zuem-zuem, bip-bip ou nheco-nheco. Se você despertou com rádio ou televisão, responda depressa: por que tanta gritaria nos comerciais?
Você, enfim, levanta com o pé direito, supersticioso que é. Mas como tirar o aparelho de barbear daquele bunker em que puseram a parte que tem a lâmina? Está escrito descartável. Descartável para quem? Mais fácil os aliados destruírem o esconderijo de Hitler na Segunda Guerra Mundial do que você arrebentar o invólucro onde a gilete está escondida.
Feita a barba, você se sente glorioso: sobreviveu e está com a cara limpa. Mais daí aquela toalha da poderosa indústria têxtil que proclamou suas vantagens na televisão - você bem que, outra vez, acreditou, pois é um homem de fé e acredita em todos eles -, com a qual você acaba de enxugar o rosto, deixa aqueles ridículos fiapos sobre a sua face de brasileiro envergonhado da sociedade high tech em que vive. Sua meia desfia ao menor toque da unha. Com sua consorte, não é diferente. Ainda na caixinha, sua meia-calça já foi rasgada antes de sair dali.
Sim, é verdade que temos carros luxuosos, máquinas sofisticadas e um arsenal de leis impressionante, sendo essa Constituição uma das mais prolixas do mundo. Mas você pensa que os constituintes, que tabelaram de mentirinha os juros a 12% ao ano, poderiam fazer uma Constituição modesta e de verdade incrustando artigos que tratassem de melhorar o cotidiano dos cidadãos? Por exemplo: a tampa do dentifrício há de ser menor do que a circunferência do buraco da pia? E como ser feliz se a tampa, como a felicidade, nunca está onde nós a pusemos e sempre cai onde não queremos?
Se não nos é permitido sonhar com uma sociedade cuja Constituição garanta que todos sejam iguais perante a Lei, que pelo menos nos seja lícito exigir que as embalagens não nos façam sofrer tanto. De que serve você brilhar na sua profissão, vencendo um monte de obstáculos, se, do alto de seus saberes, você é derrotado pela caixinha de iogurte, cuja orelha, como a de Van Gogh, você extirpou na tentativa de sorver a delícia descrita em cores vivas no invólucro? Você manda a orelhinha arrebentada para a filha do fabricante como prova do incontido amor que você tem pela empresa?
Meu Deus, nossa primeira embalagem, a placenta que nos embrulhou na vinda para cá, já não era lá essas coisas. Talvez seja para compensar que enfeitemos tanto os mortos. Que o caixão, nosso derradeiro pacote, que nos levará deste para o outro mundo, sobre o qual temos muita curiosidade mas nenhuma pressa de ir, resista àqueles últimos amigos que nos haverão de carregar para a nossa última morada e também nosso último cacófato.
Já pensou se o fundo desprega e você cai no meio do corredorzinho do cemitério ou diante do altar, onde sua alma acabou de ser encomendada? O velho São Pedro, experiente, ranzinza e com estabilidade no emprego há quase dois milênios, aceitará a encomenda em embalagem assim esculhambada?
• Escritor e professor, Deonísio da Silva é Coordenador Geral de Letras e um dos Vice-reitores da Universidade Estácio de Sá. É autor de 33 livros, alguns deles publicados também em outros países e membro da Academia Brasileira de Filologia.
É de manhã, o astro-rei espalha seus primeiros raios fúlgidos sobre a parte que lhe cabe da pátria, o torrão em que vivem você e a família que você preside, antigamente a célula-mater da sociedade e hoje a célula-mártir, tantas as preocupações que desabam sobre o lar. O seu dia nem bem começou e você já está todo atrapalhado.
Na verdade, seus atrapalhos começaram ao acordar. Você dá um pequeno tapa no rádio-relógio para que o instrumento de suplício pare de bombardear seu ouvido com aquele zuem-zuem, bip-bip ou nheco-nheco. Se você despertou com rádio ou televisão, responda depressa: por que tanta gritaria nos comerciais?
Você, enfim, levanta com o pé direito, supersticioso que é. Mas como tirar o aparelho de barbear daquele bunker em que puseram a parte que tem a lâmina? Está escrito descartável. Descartável para quem? Mais fácil os aliados destruírem o esconderijo de Hitler na Segunda Guerra Mundial do que você arrebentar o invólucro onde a gilete está escondida.
Feita a barba, você se sente glorioso: sobreviveu e está com a cara limpa. Mais daí aquela toalha da poderosa indústria têxtil que proclamou suas vantagens na televisão - você bem que, outra vez, acreditou, pois é um homem de fé e acredita em todos eles -, com a qual você acaba de enxugar o rosto, deixa aqueles ridículos fiapos sobre a sua face de brasileiro envergonhado da sociedade high tech em que vive. Sua meia desfia ao menor toque da unha. Com sua consorte, não é diferente. Ainda na caixinha, sua meia-calça já foi rasgada antes de sair dali.
Sim, é verdade que temos carros luxuosos, máquinas sofisticadas e um arsenal de leis impressionante, sendo essa Constituição uma das mais prolixas do mundo. Mas você pensa que os constituintes, que tabelaram de mentirinha os juros a 12% ao ano, poderiam fazer uma Constituição modesta e de verdade incrustando artigos que tratassem de melhorar o cotidiano dos cidadãos? Por exemplo: a tampa do dentifrício há de ser menor do que a circunferência do buraco da pia? E como ser feliz se a tampa, como a felicidade, nunca está onde nós a pusemos e sempre cai onde não queremos?
Se não nos é permitido sonhar com uma sociedade cuja Constituição garanta que todos sejam iguais perante a Lei, que pelo menos nos seja lícito exigir que as embalagens não nos façam sofrer tanto. De que serve você brilhar na sua profissão, vencendo um monte de obstáculos, se, do alto de seus saberes, você é derrotado pela caixinha de iogurte, cuja orelha, como a de Van Gogh, você extirpou na tentativa de sorver a delícia descrita em cores vivas no invólucro? Você manda a orelhinha arrebentada para a filha do fabricante como prova do incontido amor que você tem pela empresa?
Meu Deus, nossa primeira embalagem, a placenta que nos embrulhou na vinda para cá, já não era lá essas coisas. Talvez seja para compensar que enfeitemos tanto os mortos. Que o caixão, nosso derradeiro pacote, que nos levará deste para o outro mundo, sobre o qual temos muita curiosidade mas nenhuma pressa de ir, resista àqueles últimos amigos que nos haverão de carregar para a nossa última morada e também nosso último cacófato.
Já pensou se o fundo desprega e você cai no meio do corredorzinho do cemitério ou diante do altar, onde sua alma acabou de ser encomendada? O velho São Pedro, experiente, ranzinza e com estabilidade no emprego há quase dois milênios, aceitará a encomenda em embalagem assim esculhambada?
• Escritor e professor, Deonísio da Silva é Coordenador Geral de Letras e um dos Vice-reitores da Universidade Estácio de Sá. É autor de 33 livros, alguns deles publicados também em outros países e membro da Academia Brasileira de Filologia.
terça-feira, 30 de agosto de 2011
IMORTAL SAÚDA CONTERRÂNEO
Da coluna do cronista Sérgio da Costa Ramos, da Academia Catarinense de Letras, saudando a eleição do conterrâneo para a ABRAFIL: "Pelo unânime sufrágio dos 33 votantes, o catarinense de Siderópolis Deonísio da Silva foi eleito, sábado último, para a Academia Brasileira de Filologia, espécie de Butantã dos mestres da palavra, presidido pelo filólogo Antônio Martins de Araújo.
Autor de cinco livros que tratam de etimologia e morfologia, entre eles o best-seller “De Onde Vem as Palavras” – além de uma vintena de livros de uma literatura de vanguarda, em que pontifica o premiado “Avante Soldados, Para Trás!” – Deonísio da Silva é o romancista catarinense mais conhecido e traduzido no exterior. Filólogos do renome de Evanildo Bechara, Domício Proença Filho e Amós Coelho da Silva votaram no catarinense como uma “homenagem a um intelectual totalmente devotado à história da palavra e da literatura”.
Autor de cinco livros que tratam de etimologia e morfologia, entre eles o best-seller “De Onde Vem as Palavras” – além de uma vintena de livros de uma literatura de vanguarda, em que pontifica o premiado “Avante Soldados, Para Trás!” – Deonísio da Silva é o romancista catarinense mais conhecido e traduzido no exterior. Filólogos do renome de Evanildo Bechara, Domício Proença Filho e Amós Coelho da Silva votaram no catarinense como uma “homenagem a um intelectual totalmente devotado à história da palavra e da literatura”.
quarta-feira, 24 de agosto de 2011
O OCASO DAS RAPOSAS FELPUDAS
É provável que a palavra raposa tenha vindo do espanhol rabosa, por influência do enorme rabo. Virou raposa por influência de rapiega, designação do macho desse animal nas Astúrias.
José Pedro Machado, grande pesquisador da etimologia de nosso idioma, registrou a presença de raposa em textos do século 12, quando, ainda preso ao latim, mas recebendo influências de línguas e formas dialetais da Península Ibérica, o português intentava consolidar-se como língua autônoma.
Raposa foi palavra tomada pela mídia nacional, provavelmente a partir da obsessão com que o rádio e os jornais, bem antes da televisão e da internet, passaram a acompanhar os políticos, quando figuras referenciais mandavam e desmandavam na vida brasileira, o que deve ter ocorrido depois das Revoluções das décadas de 1920 e 30. Luciano Martins Costa tratou dos políticos raposões em comentário neste Observatório (“No tempo das raposas felpudas“, na segunda-feira (22/8).
Custo da corrupção
Mas a esperteza das novas raposas é outra. Não se distinguem mais no proscênio ou nos bastidores, ordenando a vida institucional e política a partir de diálogos cuja veracidade era de difícil comprovação ou simplesmente folclóricos, com o fim último de fazer prevalecer o “brasileiro cordial”, esse duro embuste sociológico que nos é empurrado há décadas, como se fôssemos de fato cordiais.
Rios vermelhos de sangue atravessam a vida brasileira, frutos de revoluções, sebaças, arruaças, revoltas, bagunças etc, ainda que, se liderados pela elite política, sejam sempre chamados revoluções. Quando o povo intenta conduzir a inconformidade por si mesmo, daí não pode se beneficiar do manto redentor de um nome tão chique como revolução. Assim, movimentos armados como a Revolução Farroupilha e a Revolução de 1930, com tal designação estratégica, ganham o brilho de outras duas grandes revoluções, a Francesa, no século 18, e a Russa, no século 19.
Todavia a guerra praticada por outros meios, isto é, propriamente políticos, recebeu numerosos contingentes de atores que de raposa só têm o rabo. E de rabo preso eles dizem estar apenas com os eleitores que os enviaram a Brasília para representá-los.
A mídia fez crer muitas vezes que tinha acuado os políticos corruptos, cúmplices ou omissos diante de falcatruas. “Estou me lixando para a opinião pública. Vocês batem, mas a gente se reelege”, disse em 2009 um dos denunciados.
Mas há uma novidade na cena política brasileira. No Executivo, a faxina ética que a presidente Dilma Rousseff empreende já repercute no exterior, com destaque para o apoio dos empresários à faxina e a lembrança de que a corrupção custa R$ 50 bilhões por ano, verba suficiente para construir 57.000 escolas.
“Lenta surpresa”
Dilma substituiu José Dirceu na Casa Civil. E Lula na Presidência da República. Os substituídos tratavam de outra maneira corruptos e corruptores, que vivem se repetindo há séculos no Brasil. Mas Dilma não os repetiu. Nem na Casa Civil, nem na Presidência.
Em A Trama, conto de Jorge Luís Borges, o mote é a célebre frase de Júlio César a Júnio Bruto, seu filho adotivo – “Até tu, Bruto, meu filho?” –, popularizada pelo teatro de Shakespeare.
Diz o narrador:
“Ao destino agradam as repetições, as variantes, as simetrias; dezenove séculos depois, no sul da província de Buenos Aires, um gaúcho é agredido por outros gaúchos e, ao cair, reconhece um afilhado seu e lhe diz com mansa reprovação e lenta surpresa (estas palavras devem ser ouvidas, não lidas): ‘Pero, che!’. Matam-no e ele não sabe que morre para que se repita uma cena”.
***
[Deonísio da Silva é escritor e professor universitário]
José Pedro Machado, grande pesquisador da etimologia de nosso idioma, registrou a presença de raposa em textos do século 12, quando, ainda preso ao latim, mas recebendo influências de línguas e formas dialetais da Península Ibérica, o português intentava consolidar-se como língua autônoma.
Raposa foi palavra tomada pela mídia nacional, provavelmente a partir da obsessão com que o rádio e os jornais, bem antes da televisão e da internet, passaram a acompanhar os políticos, quando figuras referenciais mandavam e desmandavam na vida brasileira, o que deve ter ocorrido depois das Revoluções das décadas de 1920 e 30. Luciano Martins Costa tratou dos políticos raposões em comentário neste Observatório (“No tempo das raposas felpudas“, na segunda-feira (22/8).
Custo da corrupção
Mas a esperteza das novas raposas é outra. Não se distinguem mais no proscênio ou nos bastidores, ordenando a vida institucional e política a partir de diálogos cuja veracidade era de difícil comprovação ou simplesmente folclóricos, com o fim último de fazer prevalecer o “brasileiro cordial”, esse duro embuste sociológico que nos é empurrado há décadas, como se fôssemos de fato cordiais.
Rios vermelhos de sangue atravessam a vida brasileira, frutos de revoluções, sebaças, arruaças, revoltas, bagunças etc, ainda que, se liderados pela elite política, sejam sempre chamados revoluções. Quando o povo intenta conduzir a inconformidade por si mesmo, daí não pode se beneficiar do manto redentor de um nome tão chique como revolução. Assim, movimentos armados como a Revolução Farroupilha e a Revolução de 1930, com tal designação estratégica, ganham o brilho de outras duas grandes revoluções, a Francesa, no século 18, e a Russa, no século 19.
Todavia a guerra praticada por outros meios, isto é, propriamente políticos, recebeu numerosos contingentes de atores que de raposa só têm o rabo. E de rabo preso eles dizem estar apenas com os eleitores que os enviaram a Brasília para representá-los.
A mídia fez crer muitas vezes que tinha acuado os políticos corruptos, cúmplices ou omissos diante de falcatruas. “Estou me lixando para a opinião pública. Vocês batem, mas a gente se reelege”, disse em 2009 um dos denunciados.
Mas há uma novidade na cena política brasileira. No Executivo, a faxina ética que a presidente Dilma Rousseff empreende já repercute no exterior, com destaque para o apoio dos empresários à faxina e a lembrança de que a corrupção custa R$ 50 bilhões por ano, verba suficiente para construir 57.000 escolas.
“Lenta surpresa”
Dilma substituiu José Dirceu na Casa Civil. E Lula na Presidência da República. Os substituídos tratavam de outra maneira corruptos e corruptores, que vivem se repetindo há séculos no Brasil. Mas Dilma não os repetiu. Nem na Casa Civil, nem na Presidência.
Em A Trama, conto de Jorge Luís Borges, o mote é a célebre frase de Júlio César a Júnio Bruto, seu filho adotivo – “Até tu, Bruto, meu filho?” –, popularizada pelo teatro de Shakespeare.
Diz o narrador:
“Ao destino agradam as repetições, as variantes, as simetrias; dezenove séculos depois, no sul da província de Buenos Aires, um gaúcho é agredido por outros gaúchos e, ao cair, reconhece um afilhado seu e lhe diz com mansa reprovação e lenta surpresa (estas palavras devem ser ouvidas, não lidas): ‘Pero, che!’. Matam-no e ele não sabe que morre para que se repita uma cena”.
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[Deonísio da Silva é escritor e professor universitário]
segunda-feira, 15 de agosto de 2011
TABLET: FERRAMENTA DE ENSINO
Essa nova ferramenta vai revolucionar o modo de ensinar! O tablet, cujo nome inglês é adaptação do francês tablete - mesinha, placa, tabuinha, caderno de anotações e lembranças - é a versão eletrônica da lousa.
Lousa é palavra que veio do latim lausiae, pedra rasa assentada sobre a sepultura, redução de lausiae lapides, pedra de ardósia, de tamanhos variados, com moldura de madeira, posta sobre a carteira escolar, fixada na parede ou sobre um cavalete, destinada a nela se escrever com giz.
Desde a antiga Roma, o aluno levava a lousa para a schola, intervalo para aprender, depois que o ensino deixou a aula, o palácio, e foi levado a todos, livres ou escravos. Aula passou a designar depois a hora gasta no intervalo para aprender alguma coisa.
Com o tempo, ficou apenas a lousa grande, que mudou de nome para quadro-negro, e em cuja superfície o aluno às vezes era instado a manifestar a todos os colegas e ao professor sua ignorância ou saber! No tablet, a ignorância ou a sabedoria tornaram-se privativas de cada um, que vai partilhar, com liberdade, apenas o que quiser!
Caderno, do latim quaternus, assim chamado porque originalmente era uma folha dobrada em quatro partes, para substituir o papiro e a lousa, vai receber poderosa ajuda do tablet, que será também caderno eletrônico.
E livro, do latim liber, do mesmo étimo de libertas, liberdade, que nos torna livres da ignorância, vai continuar nas bibliotecas, mas os capítulos que o aluno precisa ler ou consultar estarão destacados no tablet.
Sempre houve a difusão do conhecimento, do latim diffusione, declinação de diffusio, do mesmo étimo de fundere, espalhar, e de funda, funda, laçada de couro ou de borracha para atirar pedras. Mas era restrita à escola, à família, a parentes e vizinhos. O surgimento do jornal deu poderosa ajuda a professores, que, por meio de recortes, levaram para a sala de aula matérias mais atualizadas das que estavam nos livros. Na mídia, depois do jornal, do rádio e da televisão, a difusão ganhou dimensões de multimídia.
Agora professores e alunos podem ler mais, não apenas em quantidade, mas também em qualidade, uma vez que no tablet estarão textos editados por docentes que entendem da matéria e não vão depender, como dependiam antes, de autores que escreviam livros referenciais, mas estavam longe da sala de aula, ainda o lugar para, face a face ou à distância, aprender com o professor.
Ao investir contra os franquistas que invadiram a Universidade de Salamanca para prendê-lo, o reitor Miguel de Unamuno definiu no calor da hora o lugar em que fazia seu trabalho e quem era ele: “Este é o templo da inteligência! E eu sou o seu sumo sacerdote! Vós estais a profanar o meu recinto sagrado. Vencerão, mas não convencerão, porque convencer significa persuadir.”
Docentes, sumos sacerdotes no templo que é a sala de aula, acabam de receber um novo e revolucionário paramento: o tablet. Depois dele, o ensino nunca mais será o mesmo. Será melhor! (xx)
Lousa é palavra que veio do latim lausiae, pedra rasa assentada sobre a sepultura, redução de lausiae lapides, pedra de ardósia, de tamanhos variados, com moldura de madeira, posta sobre a carteira escolar, fixada na parede ou sobre um cavalete, destinada a nela se escrever com giz.
Desde a antiga Roma, o aluno levava a lousa para a schola, intervalo para aprender, depois que o ensino deixou a aula, o palácio, e foi levado a todos, livres ou escravos. Aula passou a designar depois a hora gasta no intervalo para aprender alguma coisa.
Com o tempo, ficou apenas a lousa grande, que mudou de nome para quadro-negro, e em cuja superfície o aluno às vezes era instado a manifestar a todos os colegas e ao professor sua ignorância ou saber! No tablet, a ignorância ou a sabedoria tornaram-se privativas de cada um, que vai partilhar, com liberdade, apenas o que quiser!
Caderno, do latim quaternus, assim chamado porque originalmente era uma folha dobrada em quatro partes, para substituir o papiro e a lousa, vai receber poderosa ajuda do tablet, que será também caderno eletrônico.
E livro, do latim liber, do mesmo étimo de libertas, liberdade, que nos torna livres da ignorância, vai continuar nas bibliotecas, mas os capítulos que o aluno precisa ler ou consultar estarão destacados no tablet.
Sempre houve a difusão do conhecimento, do latim diffusione, declinação de diffusio, do mesmo étimo de fundere, espalhar, e de funda, funda, laçada de couro ou de borracha para atirar pedras. Mas era restrita à escola, à família, a parentes e vizinhos. O surgimento do jornal deu poderosa ajuda a professores, que, por meio de recortes, levaram para a sala de aula matérias mais atualizadas das que estavam nos livros. Na mídia, depois do jornal, do rádio e da televisão, a difusão ganhou dimensões de multimídia.
Agora professores e alunos podem ler mais, não apenas em quantidade, mas também em qualidade, uma vez que no tablet estarão textos editados por docentes que entendem da matéria e não vão depender, como dependiam antes, de autores que escreviam livros referenciais, mas estavam longe da sala de aula, ainda o lugar para, face a face ou à distância, aprender com o professor.
Ao investir contra os franquistas que invadiram a Universidade de Salamanca para prendê-lo, o reitor Miguel de Unamuno definiu no calor da hora o lugar em que fazia seu trabalho e quem era ele: “Este é o templo da inteligência! E eu sou o seu sumo sacerdote! Vós estais a profanar o meu recinto sagrado. Vencerão, mas não convencerão, porque convencer significa persuadir.”
Docentes, sumos sacerdotes no templo que é a sala de aula, acabam de receber um novo e revolucionário paramento: o tablet. Depois dele, o ensino nunca mais será o mesmo. Será melhor! (xx)
terça-feira, 5 de julho de 2011
PREFÁCIO A ROMANCE DE LUÍZA LOBO
Antes que um piano, já comido de cupins, sirva de lenha para o fogão e tenha suas peças metálicas vendidas ao ferro-velho, delicadas mãos de moça bem-educada dedilharão nele músicas clássicas referenciais da bucólica vida levada ali.
“Da grandeza de meu tetravô materno só guardei as vassouras; das fazendas só as fotografias... E agora escrevi este livro”, diz a autora neste romance arrebatador e imaginoso, mas fincado numa fazenda cuja memória brota dos escombros.
Os escravos, “inimigos inconciliáveis do dono”, são personagens solares deste notável romance, que consegue conciliar documento e ficção numa prosa de fascinantes recursos criadores.
As escolhas de Luiza Lobo lembram as da escritora americana Dorothy Marie Johnson, cujo conto, adaptado para o cinema, resultou em O homem que matou o facínora, o inesquecível filme de John Ford.
A escritora sabe lidar com maestria invejável, trazendo para seu romance o escravo que tinha sido rei ou príncipe em sua terra e agora, inconformado com a má sorte, transforma-se em profeta raivoso para, no terreiro, báculo nas mãos, anunciar o fim dos barões do café: “Os barões e fazendeiros e os filhos de seus filhos vão sofrer tanto quanto nós sofremos no cativeiro!”.
Esta maldição será, mais que dita, entoada ao longo do romance como bordão, enquanto a vida passa pela fazenda e pelo romance ao som da fúria dos acasos, que irrompem aqui e ali como que para mostrar fragilidades escondidas.
Os leitores têm diante dos olhos um romance vigoroso, que conta a história da velha ordem a partir de um mirante encantador: a de quem vive na memória, hoje, um mundo que desapareceu, mas cujas raízes profundíssimas ainda moldam a vida de todos os brasileiros.
“O passado não abre a sua porta e não quer entender a nossa pena”, diz Cecília Meirelles no Romanceiro da Inconfidência. Mas para pessoas com a sensibilidade dela e de Luiza Lobo, abre, sim, e faz com que, por meio delas, venhamos sentir como ainda pulsa ali o coração do Brasil.
DEONÍSIO DA SILVA (xx)
“Da grandeza de meu tetravô materno só guardei as vassouras; das fazendas só as fotografias... E agora escrevi este livro”, diz a autora neste romance arrebatador e imaginoso, mas fincado numa fazenda cuja memória brota dos escombros.
Os escravos, “inimigos inconciliáveis do dono”, são personagens solares deste notável romance, que consegue conciliar documento e ficção numa prosa de fascinantes recursos criadores.
As escolhas de Luiza Lobo lembram as da escritora americana Dorothy Marie Johnson, cujo conto, adaptado para o cinema, resultou em O homem que matou o facínora, o inesquecível filme de John Ford.
A escritora sabe lidar com maestria invejável, trazendo para seu romance o escravo que tinha sido rei ou príncipe em sua terra e agora, inconformado com a má sorte, transforma-se em profeta raivoso para, no terreiro, báculo nas mãos, anunciar o fim dos barões do café: “Os barões e fazendeiros e os filhos de seus filhos vão sofrer tanto quanto nós sofremos no cativeiro!”.
Esta maldição será, mais que dita, entoada ao longo do romance como bordão, enquanto a vida passa pela fazenda e pelo romance ao som da fúria dos acasos, que irrompem aqui e ali como que para mostrar fragilidades escondidas.
Os leitores têm diante dos olhos um romance vigoroso, que conta a história da velha ordem a partir de um mirante encantador: a de quem vive na memória, hoje, um mundo que desapareceu, mas cujas raízes profundíssimas ainda moldam a vida de todos os brasileiros.
“O passado não abre a sua porta e não quer entender a nossa pena”, diz Cecília Meirelles no Romanceiro da Inconfidência. Mas para pessoas com a sensibilidade dela e de Luiza Lobo, abre, sim, e faz com que, por meio delas, venhamos sentir como ainda pulsa ali o coração do Brasil.
DEONÍSIO DA SILVA (xx)
segunda-feira, 23 de maio de 2011
RESPOSTA AOS AIATOLÁS DO IDIOMA (NA VEJA ON-LINE)
Os aiatolás do idioma insistem na vigarice lucrativa e levam mais um troco do escritor Deonísio da Silva
A Ação Educativa, irmandade que congrega a turma que acha que falar errado está certo, divulgou uma Nota Pública em que agradece “o apoio da comunidade científica e dos especialistas no ensino da língua” ao livro “Por uma vida melhor”, também conhecido como “Nós pega o peixe”. Ainda grogues com a vigorosa reação dos brasileiros sensatos, os aiatolás do idioma resolveram fazer de conta que ganharam a briga para não perder o acesso aos cofres do MEC, que publica essas lucrativas vigarices com o patrocínio involuntário dos que pagam impostos. Vejam a nota que viola o artigo 171 do Código Penal. E leiam em seguida outro merecidíssimo corretivo aplicado pelo escritor e professor Deonísio da Silva. Assim será até que a turma que deseduca aprenda que o dever de um professor é ensinar. (AN)
NOTA PÚBLICA
Alguns dias depois do início da polêmica em torno de uma frase retirada da obra “Por uma vida melhor”, o debate ganha argumentos mais qualificados na imprensa. Autores como Marcos Bagno (UnB), Sírio Possenti (Unicamp), Carlos Alberto Faraco (UFPR), Magda Soares Becker (UFMG) e tantos outros vieram a público se posicionar sobre a polêmica, que classificaram como “falsa” e “vazia”.
Com exceção de alguns que insistem em insinuar que o livro “ensina errado”, parece ter ficado claro à opinião pública que o objetivo da obra é ensinar a norma culta, sim, mas a partir da consideração de variantes populares do idioma que o adulto traz consigo ao chegar à escola. Em outras palavras, o livro mostra a frase “Nós pega” para, em seguida, ensinar a forma “Nós pegamos”. Infelizmente, ao pinçar apenas a primeira parte, a notícia publicada em um blog de política do IG e reproduzida por outros veículos não trazia elementos de contextualização a seus leitores.
Lamentamos a postura de alguns parlamentares que se apropriaram da discussão de maneira superficial e usam o episódio para atacar opositores e criar novas falsas polêmicas. Como corretamente publicou a Folha de S. Paulo (18/5), o livro segue as normas dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), vigentes desde 1997.
Sabemos que o debate público é fundamental para promover a qualidade e equidade na educação, e reafirmamos nossa disposição em participar de toda discussão nesses termos.
RESPOSTA DE DEONÍSIO DA SILVA
1) No ensino fundamental e médio há a disciplina Linguística? Não! Os professores são pagos para ensinar Português!
2) Vamos conceder, apenas para argumentar, que o livro em questão ensine Linguística. Por que o MEC deveria comprar cerca de 500 000 exemplares desse título para distribuir em todas as escolas do ensino fundamental e médio? Linguística é matéria dos Cursos de Letras!
3) Muitos dos professores que defendem esses crimes de lesa-língua estão apavorados com a reação da sociedade. Para defender o que defendem, ganham bolsas de CNPQ, do CNPQ do B, de outras financiadoras de projetos etc. Enfim, para tudo há dinheiro público, nossa carga tributária é inversamente proporcional às posições do Brasil nas classificações de educação e cultura: os tributos estão lá em cima, os serviços prestados, lá embaixo!
4) Esses professores são dispensados de trabalhos nas universidades, onde deveriam dar mais aulas, justamente para “pesquisar” isso! Se só fazem isso, ganham muito mais do que valem! Se depois de tantos anos chegaram ao português de analfabetos, o que fizeram esses anos todos? Pesquisa? Bem, decerto não é à toa que até Stálin meteu-se com Linguística e ensino de russo! Sim, o Stálin é autor de um livro de Linguistica! Por que ignoram na bibliografia o colega? Medo? De quê? O Céline é fascista, eu abomino o fascismo, qualquer fascismo, mas a-do-ro os romances dele!
5) Há uma questão de fundo na qual, ao que saiba, ninguém tocou. Ou, se tocou, não li os artigos. Eles querem falar mal de Fernando Henrique Cardoso, que escreve melhor do que eles. Uma vez, FHC escorregou num “propiamente” e eles caíram de pau, mas Lula pode tudo, é um 007 que tem licença para matar a pauladas a língua portuguesa, a lógica, a coerência, a coesão, o estilo, o bom gosto etc, onde quer que os encontre! E quando o apedeuta fala, para muitos deles, como a célebre doutora, tudo se ilumina!
6) Por que defendem uma língua que não usam? Ascenderam socialmente com a língua que defendem? Não! Por que negam o mesmo direito aos outros? Machado – preto, pobre, epiléptico, gago etc – venceu todos os preconceitos, menos o de quem ainda não leu o gênio! Um dia desses o Moacir Japiassu demonstrou que um deles confundiu OC I, 1093, indicando a Obra Completa (de Machado de Assis), com um texto de Osório Cochat, e estranhou a falta de intimidade do professor com Machado de Assis e sua inabilidade ou pressa em consultar bibliografias.
7) É raro um professor vir a público para reforçar a norma culta. É mais frequente que venha para espinafrar quem defenda os bons costumes na língua e para justificar que cada um deve escrever como lhe apraz, seja canela ou sassafrás. Mas não praticaram as transgressões gramaticais que tanto defendem para obter seus títulos e serem aprovados em provas e entrevistas que os qualificaram para ensinar em escolas e universidades, do contrário teriam sido reprovados.
8 ) Há uma sede do público por aprender língua portuguesa. Não é por acaso que grandes jornais e grandes empresas procuram ter em seus quadros referências solares da técnica e da arte de escrever. Profissionais como Sérgio Nogueira no sistema Globo; Pasquale Cipro Neto, na Folha de S.Paulo; Cláudio Moreno, no jornal Zero Hora; Dad Squarisi, no Correio Braziliense. Português é difícil? Dad Squarisi nasceu no Líbano e hoje ensina os brasileiros a escrever: sua coluna “Dicas de Português” é publicada em 15 jornais.
Enfim, se há quem se esmere tanto em cuidar, isso é sintoma de que escolas e universidades estão falhando em outra técnica e em outra arte: a de ensinar. É por isso também que muitos jovens inteligentes abandonam os professores no meio do caminho e desistem dos cursos que faziam e vão trabalhar ou aprender em outro lugar, pois têm mais o que fazer do que ouvir besteiras!
A Ação Educativa, irmandade que congrega a turma que acha que falar errado está certo, divulgou uma Nota Pública em que agradece “o apoio da comunidade científica e dos especialistas no ensino da língua” ao livro “Por uma vida melhor”, também conhecido como “Nós pega o peixe”. Ainda grogues com a vigorosa reação dos brasileiros sensatos, os aiatolás do idioma resolveram fazer de conta que ganharam a briga para não perder o acesso aos cofres do MEC, que publica essas lucrativas vigarices com o patrocínio involuntário dos que pagam impostos. Vejam a nota que viola o artigo 171 do Código Penal. E leiam em seguida outro merecidíssimo corretivo aplicado pelo escritor e professor Deonísio da Silva. Assim será até que a turma que deseduca aprenda que o dever de um professor é ensinar. (AN)
NOTA PÚBLICA
Alguns dias depois do início da polêmica em torno de uma frase retirada da obra “Por uma vida melhor”, o debate ganha argumentos mais qualificados na imprensa. Autores como Marcos Bagno (UnB), Sírio Possenti (Unicamp), Carlos Alberto Faraco (UFPR), Magda Soares Becker (UFMG) e tantos outros vieram a público se posicionar sobre a polêmica, que classificaram como “falsa” e “vazia”.
Com exceção de alguns que insistem em insinuar que o livro “ensina errado”, parece ter ficado claro à opinião pública que o objetivo da obra é ensinar a norma culta, sim, mas a partir da consideração de variantes populares do idioma que o adulto traz consigo ao chegar à escola. Em outras palavras, o livro mostra a frase “Nós pega” para, em seguida, ensinar a forma “Nós pegamos”. Infelizmente, ao pinçar apenas a primeira parte, a notícia publicada em um blog de política do IG e reproduzida por outros veículos não trazia elementos de contextualização a seus leitores.
Lamentamos a postura de alguns parlamentares que se apropriaram da discussão de maneira superficial e usam o episódio para atacar opositores e criar novas falsas polêmicas. Como corretamente publicou a Folha de S. Paulo (18/5), o livro segue as normas dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), vigentes desde 1997.
Sabemos que o debate público é fundamental para promover a qualidade e equidade na educação, e reafirmamos nossa disposição em participar de toda discussão nesses termos.
RESPOSTA DE DEONÍSIO DA SILVA
1) No ensino fundamental e médio há a disciplina Linguística? Não! Os professores são pagos para ensinar Português!
2) Vamos conceder, apenas para argumentar, que o livro em questão ensine Linguística. Por que o MEC deveria comprar cerca de 500 000 exemplares desse título para distribuir em todas as escolas do ensino fundamental e médio? Linguística é matéria dos Cursos de Letras!
3) Muitos dos professores que defendem esses crimes de lesa-língua estão apavorados com a reação da sociedade. Para defender o que defendem, ganham bolsas de CNPQ, do CNPQ do B, de outras financiadoras de projetos etc. Enfim, para tudo há dinheiro público, nossa carga tributária é inversamente proporcional às posições do Brasil nas classificações de educação e cultura: os tributos estão lá em cima, os serviços prestados, lá embaixo!
4) Esses professores são dispensados de trabalhos nas universidades, onde deveriam dar mais aulas, justamente para “pesquisar” isso! Se só fazem isso, ganham muito mais do que valem! Se depois de tantos anos chegaram ao português de analfabetos, o que fizeram esses anos todos? Pesquisa? Bem, decerto não é à toa que até Stálin meteu-se com Linguística e ensino de russo! Sim, o Stálin é autor de um livro de Linguistica! Por que ignoram na bibliografia o colega? Medo? De quê? O Céline é fascista, eu abomino o fascismo, qualquer fascismo, mas a-do-ro os romances dele!
5) Há uma questão de fundo na qual, ao que saiba, ninguém tocou. Ou, se tocou, não li os artigos. Eles querem falar mal de Fernando Henrique Cardoso, que escreve melhor do que eles. Uma vez, FHC escorregou num “propiamente” e eles caíram de pau, mas Lula pode tudo, é um 007 que tem licença para matar a pauladas a língua portuguesa, a lógica, a coerência, a coesão, o estilo, o bom gosto etc, onde quer que os encontre! E quando o apedeuta fala, para muitos deles, como a célebre doutora, tudo se ilumina!
6) Por que defendem uma língua que não usam? Ascenderam socialmente com a língua que defendem? Não! Por que negam o mesmo direito aos outros? Machado – preto, pobre, epiléptico, gago etc – venceu todos os preconceitos, menos o de quem ainda não leu o gênio! Um dia desses o Moacir Japiassu demonstrou que um deles confundiu OC I, 1093, indicando a Obra Completa (de Machado de Assis), com um texto de Osório Cochat, e estranhou a falta de intimidade do professor com Machado de Assis e sua inabilidade ou pressa em consultar bibliografias.
7) É raro um professor vir a público para reforçar a norma culta. É mais frequente que venha para espinafrar quem defenda os bons costumes na língua e para justificar que cada um deve escrever como lhe apraz, seja canela ou sassafrás. Mas não praticaram as transgressões gramaticais que tanto defendem para obter seus títulos e serem aprovados em provas e entrevistas que os qualificaram para ensinar em escolas e universidades, do contrário teriam sido reprovados.
8 ) Há uma sede do público por aprender língua portuguesa. Não é por acaso que grandes jornais e grandes empresas procuram ter em seus quadros referências solares da técnica e da arte de escrever. Profissionais como Sérgio Nogueira no sistema Globo; Pasquale Cipro Neto, na Folha de S.Paulo; Cláudio Moreno, no jornal Zero Hora; Dad Squarisi, no Correio Braziliense. Português é difícil? Dad Squarisi nasceu no Líbano e hoje ensina os brasileiros a escrever: sua coluna “Dicas de Português” é publicada em 15 jornais.
Enfim, se há quem se esmere tanto em cuidar, isso é sintoma de que escolas e universidades estão falhando em outra técnica e em outra arte: a de ensinar. É por isso também que muitos jovens inteligentes abandonam os professores no meio do caminho e desistem dos cursos que faziam e vão trabalhar ou aprender em outro lugar, pois têm mais o que fazer do que ouvir besteiras!
O ENSINO DE PORTUGUÊS NA BERLINDA
De Edmar Bacha (67 anos), ex-presidente do BNDES, um dos pais do Plano Real e criador da expressão "Belíndia" para designar a sociedade brasileira, grande economista que hoje curte a bucólica Fazenda do Pinhal, onde começou o município de São Carlos (SP), que tem um PhD para 250 habitantes, deixando Genebra em segundo lugar no mundo nesse quesito, citado na coluna de Ancelmo Gois (O Globo, 16/5):
"Agora que o MEC achou solução para nossa incapacidade de alfabetizar os brasileiros, ao apontar o errado como certo, tem gaiato sugerindo a Guido Mantega baixar uma MP para revogar a lei da oferta e da procura para baixar a inflação sem afetar o crescimento. Com todo o respeito..."
Perguntinha básica para o MEC, mais uma vez centro dessa polêmica que revela o rebaixamento de seus quadros, em sua maioria ali chegados por indicação partidária, e não por mérito: se os alunos podem continuar a falar e a escrever "os livro", "nós vai" etc., o que é que eles e os professores estão fazendo na escola?
O Globo repercutiu a polêmica na segunda-feira (16/5) em primeira página, informando que 485.000 alunos receberam o livro que está no centro de mais um debate que revela coisas ainda mais sombrias, como a tiragem do volume. Isto é, com o dinheiro do contribuinte foram pagas comissões que escolheram mal uma bibliografia estratégica, como a de Língua Portuguesa, com a qual se ensinam todas as outras disciplinas, e levaram a questão ao Jornal Nacional e a toda a mídia.
Deveríamos todos ter sido alunos dessa professora, autora do livro Por uma vida melhor, que integra uma coleção chamada "Viver, Aprender", e foi adotado pelo Ministério da Educação? Ou temos que respeitar quem pensa diferentemente dela, ao lado de professores como Sérgio Nogueira, Cláudio Moreno e Evanildo Bechara, entre outros?
Sólida formação humanista
Contendo o espanto, e talvez a desesperança do alto de seus 83 anos, Bechara, autor de dicionário e gramática, nomeado autoridade suprema do Acordo Ortográfico pela Academia Brasileira de Letras, que ainda apresenta programas de Língua Portuguesa em rádios e escreve colunas em jornais, disse:
"O aluno não vai para a escola para aprender ‘nós pega o peixe’. Isso ele já diz de casa, já é aquilo que nós chamamos de língua familiar, a língua do contexto doméstico. O grande problema é uma confusão que se faz, e que o livro também faz, entre a tarefa de um cientista, de um linguista e a tarefa de um professor de português."
E acrescentou:
"No meu tempo de aluno, nós tínhamos apenas dois livros: durante quatro, cinco anos, tínhamos a mesma antologia e a mesma gramática. Mas, embora os professores não tivessem tirado o proveito das universidades, eles levavam para a escola uma cultura geral muito boa. E era essa cultura geral do professor de matemática, de física, de química, de português, o grande atrativo para o aluno. Mas o professor que se limita ao programa estabelecido pelo livro didático é um professor que é conduzido, é um professor que não tem conhecimento suficiente para sair dos trilhos oferecidos pelo livro didático."
A polêmica, e principalmente as intervenções do professor Bechara, fizeram brotar neste colunista um pedaço de memorial, que já deu as caras em meu romance Teresa D’Ávila, cuja primeira parte se passa num seminário, onde o estudo era levado muito, mas muito a sério, como na maioria das escolas de então, principalmente as públicas.
Depois de sucessivas reformas, o ensino fundamental e médio apresenta um quadro complicado. Onde foi que erramos tanto e como é possível consertar o estrago? Avanços houve, ninguém pode negá-los, mas há desarrumações por todos os lados e em todas as séries.
E como era antes? Os saudosistas dizem que a escola era melhor. Era, mas não em todas as áreas. Muitos alunos terminavam o curso científico – que era opção ao clássico, depois do ginásio – sem nunca terem visto um laboratório. Em compensação, ninguém chegava ali sem uma sólida formação humanista.
Linha de passe
É verdade que havia também alguns exageros. Nas provas de Geografia, era exigido dos alunos que decorassem os nomes dos afluentes do rio Amazonas pela margem direita e pela margem esquerda. Várias pessoas ainda hoje sabem isso de cor, mas ignoram para que serve tal conhecimento. E já houve a saudável controvérsia se o maior rio do mundo é o Amazonas, o Nilo ou o Mississipi. Daqui a pouco corremos o risco de saber que é algum rio da China...
Um dia, esses antigos alunos foram meninas ou meninos que quebraram a cabeça para saber o que era pororoca (quando o Amazonas se encontrava com o mar, acho que ainda se encontra, mas não nos interessa mais...) e para responder se os rios Javari, Juruá, Purus, Madeira, Tapajós e Xingu chegavam ao rio mais caudaloso do mundo pela esquerda ou pela direita. Içá, Japuru, Negro, Trombetas, Paru e Jari chegavam pelo outro lado, mas qual era a margem correta?
Mais fácil era saber a seleção brasileira, com jogadores do Botafogo e do Santos mesclados de alguns poucos de outros times. Por que não levavam logo a linha do Botafogo, que jamais fez feio na seleção, como no bicampeonato de 1962, com Garrincha, Didi, Vavá, Amarildo e Zagalo? Menino ainda, tive que ouvir de outro botafoguense o seguinte: "Teria sido melhor levar o ataque do Botafogo todo, com o Quarentinha, o Vavá está velho, haveria maior entrosamento, mas, sabe como é, era preciso contentar o Vasco". "E o Santos, o Palmeiras e o Bangu", acrescentava outro, "ou você acha que convocaram o Zózimo por quê?" Zózimo era um dos melhores zagueiros do mundo, mas somente dele exigíamos explicação.
Iracema piauiense
Saber disso não nos impedia de decorar trechos inteiros de Camões, começados por "As armas e os barões assinalados/ Que da ocidental praia lusitana/ Por mares nunca dantes navegados..." Cada estrofe tinha oito versos e o objeto direto da oração principal estava no primeiro verso da primeira estrofe, enquanto o sujeito o aguardava no penúltimo da segunda estrofe, disfarçado ao lado de um gerúndio: "(cantando) espalharei por toda parte".
Tínhamos certas técnicas. Espetar o sujeito e sair à cata dos objetos diretos, indiretos, adjuntos nominais, adjuntos adverbiais etc. Tinham valor aqueles exercícios? Tinham. Aprendíamos lógica, sintaxe, complexos plurais e gêneros, história antiga, astronomia, geografia. E aprendíamos a estudar. Aprendíamos que o melhor método era a relação bunda-cadeira-hora, sem a qual nada se aprende.
Em Geografia, tropeçava Castro Alves, poeta de nossa preferência, que fazia famosos rios atravessarem o Saara e situava Angola bem no meio do deserto! Mas escrevia bonito e fizera mais pela Abolição do que todos os que sabiam geografia! "Andrada! Arranca este pendão dos ares!/ Colombo! Fecha a porta de teus mares!" E havia ainda Machado de Assis: "Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis". Até aqui, fácil, mas depois vinha o vocabulário. Gatuno, sabíamos o que era, mas peralta, pelintra, aluá, seguidilha e regaço, o que eram? Machado não era o mais difícil. Vinha Gonçalves Dias, cujos versos, de tão belos, tinham ido parar no Hino Nacional: "Nossos bosques têm mais vida", "nossa vida no teu seio mais amores". Wilson, de todos nós o mais lido, explicava: "No teu solo eles botaram depois".
Depois era a vez de José de Alencar: "Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira." E ainda tivemos que ouvir no recreio, em irrepreensível lógica, que, como o romance se passava no Ceará e Iracema nascera "além daquela serra, que ainda azula no horizonte", e depois do horizonte vinha outro estado da federação, Iracema nascera no Piauí. Portanto, "a virgem dos lábios de mel" era piauiense!
Nem literatura nem mulher
E ainda nem tínhamos ouvido falar de Euclides da Cunha. Para nos humilhar, um dos padres-professores leria um trecho de artigo de jornal – e ele sublinhava "de jornal!" como coisa menor, já que o melhor daquele autor estava nos livros. "Publicado em 1904!", ele acrescentava, "quando os leitores ao menos sabiam sinônimos!" Depois dessas advertências repletas de exclamações, vinha o trecho:
"Li há tempos alentada dissertação sobre um singularíssimo direito expresso em velhas leis consuetudinárias da Borgonha. Direito de roubo... Recordo-me que, surpreendido com tal antinomia, tão revolucionária, sobretudo para aquela época, ainda mais alarmado fiquei notando que a patrocinava o maior dos teólogos, S. Tomás de Aquino."
Concluía: "Esta é a primeira das questões dos deveres para casa, vamos à segunda..." O jeito era dividir a tarefa em grupos: quem ficaria com os sinônimos de alentada, dissertação, consuetudinárias, antinomia, alarmado. E Borgonha, onde ficava Borgonha? Quem tinha sido Tomás de Aquino?
E ainda não tínhamos chegado ao Armagedon de Os Sertões, quando até os primeiros da classe se achariam analfabetos completos diante do estilo e das palavras do autor que tinha sido morto pelo amante da própria mulher. Um dos nossos foi ainda mais catastrófico: "Já pensou se ele sobrevivesse? Morreu aos 43 anos e já escrevia assim! Aos sessenta, usaria todo o dicionário e mais um pouco. Bom, dele só sei que nasceu em Cantagalo e morreu no Rio."
Coitado daquele colega. Não gostava de literatura nem de mulher. E não pôde esperar o voto do STF consagrando o que ele mais praticava, a homoafetividade que naqueles tempos tinha sua designação resumida ao nome de um animalzinho muito querido, o Bambi, que ainda não saltitava nas savanas do Discovery, apenas nos quadrinhos de Walt Disney.
"A vergonha de ser honesto"
Mas escapou de ouvir em rede nacional que não é preciso estudar nada, muito menos Língua Portuguesa, sem a qual não aprendemos nenhuma outra matéria, pois todas são ensinadas em português.
Paulo Rónai, judeu-húngaro, que se perdeu de amores pelo Brasil e pela língua portuguesa, esmerou-se em estudar e ensinar latim depois que descobriu ser o português filho do latim. E deixou-nos essa preciosidade que é o livro Não perca o seu latim, explicando, não apenas com dezenas, mas com centenas de provérbios, ditados, máximas, lemas, divisas, inscrições, epitáfios, locuções etc., como o latim está presente, não apenas nos livros de português, mas na vida brasileira. O lema do município de São Paulo, por exemplo, é Duco, non ducor (Conduzo, não sou conduzido).
É oportuno lembrar também que pacta sunt servanda (os contratos devem ser cumpridos). Que o contribuinte contrata professores para cuidar do ensino, não para rebaixá-lo desse modo. E se para o MEC vale tudo, até o português errado, então para que atormentar os alunos com tantos exames? Enem, Enade, vestibulares, concursos para funcionários e professores etc. foram instituídos para quê? Para humilhar os jovens, sobretudo os mais pobres, cujos pais não podem pagar por boas escolas, e cujas respostas e redações, depois de corrigidas, servem de pasto às maledicências que depois são disseminadas na internet?
O tempora! O mores! (Oh! tempos! Oh! costumes!), exclamava Cícero, pai dos oradores em todo mundo, um século antes de Cristo.
Pois é. Os tempos e os costumes brasileiros nos levaram a esses descalabros, mas convém olhar todo o panorama. A polêmica, conquanto incendiária, dá conta de apenas um aspecto de nosso fracasso educacional. Muitos outros temas e problemas continuam encobertos e é por isso que é estratégico dar um jeito de controlar a mídia, do contrário vamos acabar sabendo de tudo! E ficaremos ainda mais espantados!
Concluamos com Rui Barbosa:
"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto."
"Agora que o MEC achou solução para nossa incapacidade de alfabetizar os brasileiros, ao apontar o errado como certo, tem gaiato sugerindo a Guido Mantega baixar uma MP para revogar a lei da oferta e da procura para baixar a inflação sem afetar o crescimento. Com todo o respeito..."
Perguntinha básica para o MEC, mais uma vez centro dessa polêmica que revela o rebaixamento de seus quadros, em sua maioria ali chegados por indicação partidária, e não por mérito: se os alunos podem continuar a falar e a escrever "os livro", "nós vai" etc., o que é que eles e os professores estão fazendo na escola?
O Globo repercutiu a polêmica na segunda-feira (16/5) em primeira página, informando que 485.000 alunos receberam o livro que está no centro de mais um debate que revela coisas ainda mais sombrias, como a tiragem do volume. Isto é, com o dinheiro do contribuinte foram pagas comissões que escolheram mal uma bibliografia estratégica, como a de Língua Portuguesa, com a qual se ensinam todas as outras disciplinas, e levaram a questão ao Jornal Nacional e a toda a mídia.
Deveríamos todos ter sido alunos dessa professora, autora do livro Por uma vida melhor, que integra uma coleção chamada "Viver, Aprender", e foi adotado pelo Ministério da Educação? Ou temos que respeitar quem pensa diferentemente dela, ao lado de professores como Sérgio Nogueira, Cláudio Moreno e Evanildo Bechara, entre outros?
Sólida formação humanista
Contendo o espanto, e talvez a desesperança do alto de seus 83 anos, Bechara, autor de dicionário e gramática, nomeado autoridade suprema do Acordo Ortográfico pela Academia Brasileira de Letras, que ainda apresenta programas de Língua Portuguesa em rádios e escreve colunas em jornais, disse:
"O aluno não vai para a escola para aprender ‘nós pega o peixe’. Isso ele já diz de casa, já é aquilo que nós chamamos de língua familiar, a língua do contexto doméstico. O grande problema é uma confusão que se faz, e que o livro também faz, entre a tarefa de um cientista, de um linguista e a tarefa de um professor de português."
E acrescentou:
"No meu tempo de aluno, nós tínhamos apenas dois livros: durante quatro, cinco anos, tínhamos a mesma antologia e a mesma gramática. Mas, embora os professores não tivessem tirado o proveito das universidades, eles levavam para a escola uma cultura geral muito boa. E era essa cultura geral do professor de matemática, de física, de química, de português, o grande atrativo para o aluno. Mas o professor que se limita ao programa estabelecido pelo livro didático é um professor que é conduzido, é um professor que não tem conhecimento suficiente para sair dos trilhos oferecidos pelo livro didático."
A polêmica, e principalmente as intervenções do professor Bechara, fizeram brotar neste colunista um pedaço de memorial, que já deu as caras em meu romance Teresa D’Ávila, cuja primeira parte se passa num seminário, onde o estudo era levado muito, mas muito a sério, como na maioria das escolas de então, principalmente as públicas.
Depois de sucessivas reformas, o ensino fundamental e médio apresenta um quadro complicado. Onde foi que erramos tanto e como é possível consertar o estrago? Avanços houve, ninguém pode negá-los, mas há desarrumações por todos os lados e em todas as séries.
E como era antes? Os saudosistas dizem que a escola era melhor. Era, mas não em todas as áreas. Muitos alunos terminavam o curso científico – que era opção ao clássico, depois do ginásio – sem nunca terem visto um laboratório. Em compensação, ninguém chegava ali sem uma sólida formação humanista.
Linha de passe
É verdade que havia também alguns exageros. Nas provas de Geografia, era exigido dos alunos que decorassem os nomes dos afluentes do rio Amazonas pela margem direita e pela margem esquerda. Várias pessoas ainda hoje sabem isso de cor, mas ignoram para que serve tal conhecimento. E já houve a saudável controvérsia se o maior rio do mundo é o Amazonas, o Nilo ou o Mississipi. Daqui a pouco corremos o risco de saber que é algum rio da China...
Um dia, esses antigos alunos foram meninas ou meninos que quebraram a cabeça para saber o que era pororoca (quando o Amazonas se encontrava com o mar, acho que ainda se encontra, mas não nos interessa mais...) e para responder se os rios Javari, Juruá, Purus, Madeira, Tapajós e Xingu chegavam ao rio mais caudaloso do mundo pela esquerda ou pela direita. Içá, Japuru, Negro, Trombetas, Paru e Jari chegavam pelo outro lado, mas qual era a margem correta?
Mais fácil era saber a seleção brasileira, com jogadores do Botafogo e do Santos mesclados de alguns poucos de outros times. Por que não levavam logo a linha do Botafogo, que jamais fez feio na seleção, como no bicampeonato de 1962, com Garrincha, Didi, Vavá, Amarildo e Zagalo? Menino ainda, tive que ouvir de outro botafoguense o seguinte: "Teria sido melhor levar o ataque do Botafogo todo, com o Quarentinha, o Vavá está velho, haveria maior entrosamento, mas, sabe como é, era preciso contentar o Vasco". "E o Santos, o Palmeiras e o Bangu", acrescentava outro, "ou você acha que convocaram o Zózimo por quê?" Zózimo era um dos melhores zagueiros do mundo, mas somente dele exigíamos explicação.
Iracema piauiense
Saber disso não nos impedia de decorar trechos inteiros de Camões, começados por "As armas e os barões assinalados/ Que da ocidental praia lusitana/ Por mares nunca dantes navegados..." Cada estrofe tinha oito versos e o objeto direto da oração principal estava no primeiro verso da primeira estrofe, enquanto o sujeito o aguardava no penúltimo da segunda estrofe, disfarçado ao lado de um gerúndio: "(cantando) espalharei por toda parte".
Tínhamos certas técnicas. Espetar o sujeito e sair à cata dos objetos diretos, indiretos, adjuntos nominais, adjuntos adverbiais etc. Tinham valor aqueles exercícios? Tinham. Aprendíamos lógica, sintaxe, complexos plurais e gêneros, história antiga, astronomia, geografia. E aprendíamos a estudar. Aprendíamos que o melhor método era a relação bunda-cadeira-hora, sem a qual nada se aprende.
Em Geografia, tropeçava Castro Alves, poeta de nossa preferência, que fazia famosos rios atravessarem o Saara e situava Angola bem no meio do deserto! Mas escrevia bonito e fizera mais pela Abolição do que todos os que sabiam geografia! "Andrada! Arranca este pendão dos ares!/ Colombo! Fecha a porta de teus mares!" E havia ainda Machado de Assis: "Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis". Até aqui, fácil, mas depois vinha o vocabulário. Gatuno, sabíamos o que era, mas peralta, pelintra, aluá, seguidilha e regaço, o que eram? Machado não era o mais difícil. Vinha Gonçalves Dias, cujos versos, de tão belos, tinham ido parar no Hino Nacional: "Nossos bosques têm mais vida", "nossa vida no teu seio mais amores". Wilson, de todos nós o mais lido, explicava: "No teu solo eles botaram depois".
Depois era a vez de José de Alencar: "Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira." E ainda tivemos que ouvir no recreio, em irrepreensível lógica, que, como o romance se passava no Ceará e Iracema nascera "além daquela serra, que ainda azula no horizonte", e depois do horizonte vinha outro estado da federação, Iracema nascera no Piauí. Portanto, "a virgem dos lábios de mel" era piauiense!
Nem literatura nem mulher
E ainda nem tínhamos ouvido falar de Euclides da Cunha. Para nos humilhar, um dos padres-professores leria um trecho de artigo de jornal – e ele sublinhava "de jornal!" como coisa menor, já que o melhor daquele autor estava nos livros. "Publicado em 1904!", ele acrescentava, "quando os leitores ao menos sabiam sinônimos!" Depois dessas advertências repletas de exclamações, vinha o trecho:
"Li há tempos alentada dissertação sobre um singularíssimo direito expresso em velhas leis consuetudinárias da Borgonha. Direito de roubo... Recordo-me que, surpreendido com tal antinomia, tão revolucionária, sobretudo para aquela época, ainda mais alarmado fiquei notando que a patrocinava o maior dos teólogos, S. Tomás de Aquino."
Concluía: "Esta é a primeira das questões dos deveres para casa, vamos à segunda..." O jeito era dividir a tarefa em grupos: quem ficaria com os sinônimos de alentada, dissertação, consuetudinárias, antinomia, alarmado. E Borgonha, onde ficava Borgonha? Quem tinha sido Tomás de Aquino?
E ainda não tínhamos chegado ao Armagedon de Os Sertões, quando até os primeiros da classe se achariam analfabetos completos diante do estilo e das palavras do autor que tinha sido morto pelo amante da própria mulher. Um dos nossos foi ainda mais catastrófico: "Já pensou se ele sobrevivesse? Morreu aos 43 anos e já escrevia assim! Aos sessenta, usaria todo o dicionário e mais um pouco. Bom, dele só sei que nasceu em Cantagalo e morreu no Rio."
Coitado daquele colega. Não gostava de literatura nem de mulher. E não pôde esperar o voto do STF consagrando o que ele mais praticava, a homoafetividade que naqueles tempos tinha sua designação resumida ao nome de um animalzinho muito querido, o Bambi, que ainda não saltitava nas savanas do Discovery, apenas nos quadrinhos de Walt Disney.
"A vergonha de ser honesto"
Mas escapou de ouvir em rede nacional que não é preciso estudar nada, muito menos Língua Portuguesa, sem a qual não aprendemos nenhuma outra matéria, pois todas são ensinadas em português.
Paulo Rónai, judeu-húngaro, que se perdeu de amores pelo Brasil e pela língua portuguesa, esmerou-se em estudar e ensinar latim depois que descobriu ser o português filho do latim. E deixou-nos essa preciosidade que é o livro Não perca o seu latim, explicando, não apenas com dezenas, mas com centenas de provérbios, ditados, máximas, lemas, divisas, inscrições, epitáfios, locuções etc., como o latim está presente, não apenas nos livros de português, mas na vida brasileira. O lema do município de São Paulo, por exemplo, é Duco, non ducor (Conduzo, não sou conduzido).
É oportuno lembrar também que pacta sunt servanda (os contratos devem ser cumpridos). Que o contribuinte contrata professores para cuidar do ensino, não para rebaixá-lo desse modo. E se para o MEC vale tudo, até o português errado, então para que atormentar os alunos com tantos exames? Enem, Enade, vestibulares, concursos para funcionários e professores etc. foram instituídos para quê? Para humilhar os jovens, sobretudo os mais pobres, cujos pais não podem pagar por boas escolas, e cujas respostas e redações, depois de corrigidas, servem de pasto às maledicências que depois são disseminadas na internet?
O tempora! O mores! (Oh! tempos! Oh! costumes!), exclamava Cícero, pai dos oradores em todo mundo, um século antes de Cristo.
Pois é. Os tempos e os costumes brasileiros nos levaram a esses descalabros, mas convém olhar todo o panorama. A polêmica, conquanto incendiária, dá conta de apenas um aspecto de nosso fracasso educacional. Muitos outros temas e problemas continuam encobertos e é por isso que é estratégico dar um jeito de controlar a mídia, do contrário vamos acabar sabendo de tudo! E ficaremos ainda mais espantados!
Concluamos com Rui Barbosa:
"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto."
sexta-feira, 22 de abril de 2011
CONFUSO, DUPLICIDADE, ESQUIZOFRÊNICO, FATALIDADE ETC
Etimologia
Deonísio da Silva, na revista CARAS
Confuso, do latim confusus, formado a partir de cum, com, e fundire, fundir, é o mínimo que se pode dizer do autor do massacre de 12 adolescentes em escola carioca. Para especialistas, o rapaz era esquizofrênico, adjetivo formado de esquizofrenia, do francês schizophrénie.
por Deonísio da Silva*
Aleúte: de origem obscura, provavelmente do inglês aleut, adjetivo gentílico para designar o habitante ou nativo das ilhas Aleutas, situadas no noroeste da América do Norte, e de certas partes do Estado do Alasca. Esses povos falam duas línguas aleútes, aparentadas com o esquimó. A palavra pode ter chegado ali depois de levada para o russo de algum dialeto da Ásia. Do russo chegou ao inglês, disseminando-se do latim do império americano para diversas outras línguas, inclusive para o português. Há poucas palavras do aleúte na língua portuguesa. Uma delas é parca.
Confuso: do latim confusus, confuso, misturado, palavra formada a partir de cum, com, e fundire, fundir. A confusão mental extrema pode levar a atos criminosos como o que praticou Wellington Menezes de Oliveira (1987-2011), autor do massacre que resultou na execução à queima-roupa de 12 adolescentes na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, no Rio de Janeiro, no último dia 7. Filho biológico de mulher esquizofrênica, ele sofria de esquizofrenia severa, doença mental que muito preocupava sua mãe adotiva, que lhe providenciou tratamento até deixá-lo órfão. Depois ninguém mais cuidou dele, nem ele pôde cuidar de si mesmo, perdendo-se num labirinto de confusões mentais que o levaram a misturar elementos religiosos para justificar o injustificável: a execução de inocentes para vingança dos maus-tratos recebidos na mesma escola, que ele frequentara quando tinha a idade das vítimas.
Duplicidade: do latim duplicitate, declinação de duplicitas, designando aquilo que é duplo, que oferece duas faces ou dupla personalidade, ligada à esquizofrenia, doença de personalidade múltipla. A banda The Who lançou em 1973 seu sexto álbum, Quadrophenia, modificando o termo esquizofrenia, designando uma ópera musical com este nome. Nela, o protagonista sofre de personalidade quádrupla, cada uma delas associada a um integrante da banda. Há quatro músicas-tema: Helpless Dancer, Doctor Jimmy, Bell Boy e Love Reign O'er Me, que voltam na penúltima faixa do disco, em peça intitulada The Rock.
Esquizofrênico: de esquizofrenia, do francês schizophrénie e do inglês schizophrenia, palavras radicadas nos étimos do verbo grego skhízo, separar, e do substantivo phrenés, mente. Designa manifestações psicóticas e distúrbios mentais como delírios e alucinações. O termo foi cunhado pelo psiquiatra suíço Eugen Bleurer (1857-1939), que deu o primeiro emprego de psiquiatra residente ao também suíço Carl Jung (1875-1961), fundador da psicologia analítica. Até então a doença era tida como demência precoce.
Fatalidade: do latim fatalitate, declinação de fatalitas, necessidade do fatum, destino. As fates romanas, também designadas parcas, adaptadas das Moiras gregas, eram três: Nona, Décima e Morta, equivalentes às gregas Cloto, Láquesis e Átropos. Elas, hoje, na versão helênica, designam remédios prescritos pela homeopatia. Nona tecia o fio da vida; Décima determinava sua extensão e caminho a percorrer; e Morta cortava esse fio. O termo fatalidade, designando desgraça, tragédia ou simplesmente o fim abrupto de alguma coisa, nasceu de certas metáforas ligadas a essas deusas, cujas decisões eram irrecorríveis e nem mesmo Zeus, na Grécia, ou Júpiter, em Roma, podiam revê-las. Os antigos romanos adotavam o calendário solar para os anos e o lunar para os meses. Assim, a gravidez das mulheres não era de nove meses, mas de nove luas. Nona tecia o fio da vida no útero materno até a nona lua; Décima cortava o cordão umbilical, determinando o começo da vida terrena da pessoa, na décima lua; e Morta cuidava da outra ponta da vida, que poderia acabar a qualquer momento. Nasceu aí a significação de fatalidade.
Parca: do aleúte parka, casaco de pele, com capuz, cujo comprimento alcança o meio da coxa ou o joelho, usado nas regiões polares e em outras muito frias. Passou ao inglês parka, de onde migrou para o português para designar casaco semelhante, em geral de tecido impermeável, às vezes forrado de lã, e usado por militares e esportistas. Nos anos 1960, a juventude inglesa popularizou esse tipo de vestuário, em cor verde-militar, com o escudo da Força Aérea Inglesa. No filme Quadrophenia, dirigido pela banda de roque The Who, os rapazes usam esse tipo de vestuário para se protegerem do frio e também para recordarem a coragem, o valor e o heroísmo de seus pais, pilotos combatentes na II Guerra Mundial. Entre os militares brasileiros, esse tipo de abrigo é conhecido por jaqueta.
Deonísio da Silva, na revista CARAS
Confuso, do latim confusus, formado a partir de cum, com, e fundire, fundir, é o mínimo que se pode dizer do autor do massacre de 12 adolescentes em escola carioca. Para especialistas, o rapaz era esquizofrênico, adjetivo formado de esquizofrenia, do francês schizophrénie.
por Deonísio da Silva*
Aleúte: de origem obscura, provavelmente do inglês aleut, adjetivo gentílico para designar o habitante ou nativo das ilhas Aleutas, situadas no noroeste da América do Norte, e de certas partes do Estado do Alasca. Esses povos falam duas línguas aleútes, aparentadas com o esquimó. A palavra pode ter chegado ali depois de levada para o russo de algum dialeto da Ásia. Do russo chegou ao inglês, disseminando-se do latim do império americano para diversas outras línguas, inclusive para o português. Há poucas palavras do aleúte na língua portuguesa. Uma delas é parca.
Confuso: do latim confusus, confuso, misturado, palavra formada a partir de cum, com, e fundire, fundir. A confusão mental extrema pode levar a atos criminosos como o que praticou Wellington Menezes de Oliveira (1987-2011), autor do massacre que resultou na execução à queima-roupa de 12 adolescentes na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, no Rio de Janeiro, no último dia 7. Filho biológico de mulher esquizofrênica, ele sofria de esquizofrenia severa, doença mental que muito preocupava sua mãe adotiva, que lhe providenciou tratamento até deixá-lo órfão. Depois ninguém mais cuidou dele, nem ele pôde cuidar de si mesmo, perdendo-se num labirinto de confusões mentais que o levaram a misturar elementos religiosos para justificar o injustificável: a execução de inocentes para vingança dos maus-tratos recebidos na mesma escola, que ele frequentara quando tinha a idade das vítimas.
Duplicidade: do latim duplicitate, declinação de duplicitas, designando aquilo que é duplo, que oferece duas faces ou dupla personalidade, ligada à esquizofrenia, doença de personalidade múltipla. A banda The Who lançou em 1973 seu sexto álbum, Quadrophenia, modificando o termo esquizofrenia, designando uma ópera musical com este nome. Nela, o protagonista sofre de personalidade quádrupla, cada uma delas associada a um integrante da banda. Há quatro músicas-tema: Helpless Dancer, Doctor Jimmy, Bell Boy e Love Reign O'er Me, que voltam na penúltima faixa do disco, em peça intitulada The Rock.
Esquizofrênico: de esquizofrenia, do francês schizophrénie e do inglês schizophrenia, palavras radicadas nos étimos do verbo grego skhízo, separar, e do substantivo phrenés, mente. Designa manifestações psicóticas e distúrbios mentais como delírios e alucinações. O termo foi cunhado pelo psiquiatra suíço Eugen Bleurer (1857-1939), que deu o primeiro emprego de psiquiatra residente ao também suíço Carl Jung (1875-1961), fundador da psicologia analítica. Até então a doença era tida como demência precoce.
Fatalidade: do latim fatalitate, declinação de fatalitas, necessidade do fatum, destino. As fates romanas, também designadas parcas, adaptadas das Moiras gregas, eram três: Nona, Décima e Morta, equivalentes às gregas Cloto, Láquesis e Átropos. Elas, hoje, na versão helênica, designam remédios prescritos pela homeopatia. Nona tecia o fio da vida; Décima determinava sua extensão e caminho a percorrer; e Morta cortava esse fio. O termo fatalidade, designando desgraça, tragédia ou simplesmente o fim abrupto de alguma coisa, nasceu de certas metáforas ligadas a essas deusas, cujas decisões eram irrecorríveis e nem mesmo Zeus, na Grécia, ou Júpiter, em Roma, podiam revê-las. Os antigos romanos adotavam o calendário solar para os anos e o lunar para os meses. Assim, a gravidez das mulheres não era de nove meses, mas de nove luas. Nona tecia o fio da vida no útero materno até a nona lua; Décima cortava o cordão umbilical, determinando o começo da vida terrena da pessoa, na décima lua; e Morta cuidava da outra ponta da vida, que poderia acabar a qualquer momento. Nasceu aí a significação de fatalidade.
Parca: do aleúte parka, casaco de pele, com capuz, cujo comprimento alcança o meio da coxa ou o joelho, usado nas regiões polares e em outras muito frias. Passou ao inglês parka, de onde migrou para o português para designar casaco semelhante, em geral de tecido impermeável, às vezes forrado de lã, e usado por militares e esportistas. Nos anos 1960, a juventude inglesa popularizou esse tipo de vestuário, em cor verde-militar, com o escudo da Força Aérea Inglesa. No filme Quadrophenia, dirigido pela banda de roque The Who, os rapazes usam esse tipo de vestuário para se protegerem do frio e também para recordarem a coragem, o valor e o heroísmo de seus pais, pilotos combatentes na II Guerra Mundial. Entre os militares brasileiros, esse tipo de abrigo é conhecido por jaqueta.
NOMES DE CARRO,
Deonísio da Silva, no Jornal do Brasil, 20 de abril de 2011
Provavelmente os celtas não achariam confortável o automóvel com que a General Motors e a Chevrolet os homenageiam. Os celtas eram fortes e altos e, se lhes fosse dado escolher o meio de transporte, hoje, entre um Celta e um Bora, escolheriam o segundo.
Os celtas, de cepa indo-germânica, migraram do centro-sul da Europa, em ondas sucessivas, para a Bretanha, a Espanha e a Itália, povoando ainda a região dos Bálcãs e da Ásia Menor.
O Bora, mais amplo, com mais conforto, levaria o seu dono celta para onde o viajante quisesse. A Volkswagen escolheu esse nome para um de seus carros porque bora designa um vento que sopra no sul do Mar Adriático. Talvez os engenheiros quisessem vincular o carro ao famoso vento porque, a bordo dele, veloz e livre como o vento, o ocupante pode ir aonde bem quiser.
Os irreverentes cantores da banda Mamonas Assassinas, tragicamente falecidos em desastre aéreo, em 1996, proclamaram em conhecida canção: “Minha Brasília amarela/ Tá de portas abertas/ Pra mode a gente se amar/ Pelados em Santos”. O carro com que a Volkswagen tinha homenageado a capital do Brasil já não era mais fabricado.
Os irmãos Karl Rath e Gustav Otto começaram a fabricar motores de avião na Primeira Guerra Mundial. E, ao lançarem o primeiro automóvel, em 1928, mantiveram o símbolo, duas hélices, uma preta, outra azul, em fundo branco, no veículo terrestre conhecido como BMW, iniciais das palavras alemãs Bayerische Motoren Werk (Fábrica de Motores da Bavária).
Abrasileirar nomes é nosso velho costume. Quando Getulio Vargas nacionalizou a Alfa Romeo, os caminhões passaram a ostentar em letras garrafais as iniciais FNM, de Fábrica Nacional de Motores. E o caminhão passou a ser conhecido como fenemê.
Aconteceu algo semelhante com o DKW. As letras maiúsculas são as iniciais de Dampf-Kraft-Wagen, carro de força a vapor: A empresa alemã, fundada por um engenheiro dinamarquês, começou fabricando pequenos motores a vapor. Passou depois aos motores a gasolina com ciclo de dois tempos, mantendo a denominação DKW. O vapor dos primeiros motores simplesmente evaporou-se no tempo. E hoje quem tem um automóvel DKW guarda-o como joia rara.
A General Motors ainda hoje mantém a gravata-borboleta em seus veículos. O vapor dos primeiros motores simplesmente evaporou-se no tempo. E hoje quem tem um automóvel DKW guarda-o como joia rara. O motorista se esfalfava de macacão ao volante do caminhão, mas era mantida a imaginação do designer, que o imaginou usando terno e gravata-borboleta.
A Citroën, empresa francesa fundada por André Citroën, resolveu homenagear o filho do empreendedor, identificando seus automóveis com os deux chevron, a patente de cabo que o moço tinha no braço quando morreu em combate na Primeira Guerra Mundial. São duas letras V invertidas. É uma versão lendária esta, mas há outra mais prosaica: seria o símbolo da engrenagem helicoidal, dupla, criada por Monsieur Citroën.
E mecânico sem macacão, existe? O alemão que ouve pela primeira vez a palavra macacão demora a entender que se trata de uma Latzhose, própria para os trabalhos de jardinagem, e por isso chamada também jardineira. Como a cor azul fosse predominante nesse tipo de uniforme, os alemães usaram a variante Blaumann, homem (Mann) azul (blau). Os alemães marcam o substantivo com a inicial maiúscula.
Um alemão que conhecia pouco a língua portuguesa e estava de carona com um brasileiro, ficou aparvalhado quando, de pneu furado, com o carro em que estava já no acostamento, ouviu do motorista que ele iria tirar o macaco do porta-malas para substituir aquela roda pelo estepe. Confessou depois que ficou imaginando como podiam ter a companhia de um macaco e como o animal viajara silencioso, preso ali atrás, e que ainda seria utilizado na tarefa. Mas era apenas um Wagenheber, erguedor mecânico de carro.
Macaco é mais simples, mesmo. E o brasileiro adora uma síntese. (xx)
Provavelmente os celtas não achariam confortável o automóvel com que a General Motors e a Chevrolet os homenageiam. Os celtas eram fortes e altos e, se lhes fosse dado escolher o meio de transporte, hoje, entre um Celta e um Bora, escolheriam o segundo.
Os celtas, de cepa indo-germânica, migraram do centro-sul da Europa, em ondas sucessivas, para a Bretanha, a Espanha e a Itália, povoando ainda a região dos Bálcãs e da Ásia Menor.
O Bora, mais amplo, com mais conforto, levaria o seu dono celta para onde o viajante quisesse. A Volkswagen escolheu esse nome para um de seus carros porque bora designa um vento que sopra no sul do Mar Adriático. Talvez os engenheiros quisessem vincular o carro ao famoso vento porque, a bordo dele, veloz e livre como o vento, o ocupante pode ir aonde bem quiser.
Os irreverentes cantores da banda Mamonas Assassinas, tragicamente falecidos em desastre aéreo, em 1996, proclamaram em conhecida canção: “Minha Brasília amarela/ Tá de portas abertas/ Pra mode a gente se amar/ Pelados em Santos”. O carro com que a Volkswagen tinha homenageado a capital do Brasil já não era mais fabricado.
Os irmãos Karl Rath e Gustav Otto começaram a fabricar motores de avião na Primeira Guerra Mundial. E, ao lançarem o primeiro automóvel, em 1928, mantiveram o símbolo, duas hélices, uma preta, outra azul, em fundo branco, no veículo terrestre conhecido como BMW, iniciais das palavras alemãs Bayerische Motoren Werk (Fábrica de Motores da Bavária).
Abrasileirar nomes é nosso velho costume. Quando Getulio Vargas nacionalizou a Alfa Romeo, os caminhões passaram a ostentar em letras garrafais as iniciais FNM, de Fábrica Nacional de Motores. E o caminhão passou a ser conhecido como fenemê.
Aconteceu algo semelhante com o DKW. As letras maiúsculas são as iniciais de Dampf-Kraft-Wagen, carro de força a vapor: A empresa alemã, fundada por um engenheiro dinamarquês, começou fabricando pequenos motores a vapor. Passou depois aos motores a gasolina com ciclo de dois tempos, mantendo a denominação DKW. O vapor dos primeiros motores simplesmente evaporou-se no tempo. E hoje quem tem um automóvel DKW guarda-o como joia rara.
A General Motors ainda hoje mantém a gravata-borboleta em seus veículos. O vapor dos primeiros motores simplesmente evaporou-se no tempo. E hoje quem tem um automóvel DKW guarda-o como joia rara. O motorista se esfalfava de macacão ao volante do caminhão, mas era mantida a imaginação do designer, que o imaginou usando terno e gravata-borboleta.
A Citroën, empresa francesa fundada por André Citroën, resolveu homenagear o filho do empreendedor, identificando seus automóveis com os deux chevron, a patente de cabo que o moço tinha no braço quando morreu em combate na Primeira Guerra Mundial. São duas letras V invertidas. É uma versão lendária esta, mas há outra mais prosaica: seria o símbolo da engrenagem helicoidal, dupla, criada por Monsieur Citroën.
E mecânico sem macacão, existe? O alemão que ouve pela primeira vez a palavra macacão demora a entender que se trata de uma Latzhose, própria para os trabalhos de jardinagem, e por isso chamada também jardineira. Como a cor azul fosse predominante nesse tipo de uniforme, os alemães usaram a variante Blaumann, homem (Mann) azul (blau). Os alemães marcam o substantivo com a inicial maiúscula.
Um alemão que conhecia pouco a língua portuguesa e estava de carona com um brasileiro, ficou aparvalhado quando, de pneu furado, com o carro em que estava já no acostamento, ouviu do motorista que ele iria tirar o macaco do porta-malas para substituir aquela roda pelo estepe. Confessou depois que ficou imaginando como podiam ter a companhia de um macaco e como o animal viajara silencioso, preso ali atrás, e que ainda seria utilizado na tarefa. Mas era apenas um Wagenheber, erguedor mecânico de carro.
Macaco é mais simples, mesmo. E o brasileiro adora uma síntese. (xx)
segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011
O LEGADO DE MOACYR SCLIAR
Moacyr Scliar, médico e escritor de larga presença na mídia, faleceu à 1h da madrugada do último domingo! As edições dominicais dos jornais em que ele escrevia, Zero Hora e Folha de S. Paulo, estavam nas bancas desde o dia anterior. Isso não impediu que as edições eletrônicas dos dois e diversos portais de outros periódicos se ocupassem do legado do escritor, que, aos 73 anos, deixou 74 livros, entre contos, crônicas, romances e ensaios.
Vários de seus livros estão publicados em diversos países e o escritor, detentor de vários prêmios literários, entre os quais o Prêmio Internacional Casa de las Américas (1989), era membro da Academia Brasileira de Letras desde 2003. Sua eleição para a Casa de Machado de Assis, onde foi saudado pelo também gaúcho Carlos Nejar, pode ter sido também uma prestação de contas da ABL ao público leitor e à sociedade brasileira, em especial ao Rio Grande do Sul, uma vez que recusara por três vezes a entrada a Mario Quintana.
Desde janeiro, quando, após uma cirurgia para extirpação de pólipos no intestino, ele sofrera um acidente vascular, seu estado de saúde vinha sendo motivo de muita preocupação. Foram quase dois meses de muita apreensão.
Ana de Hollanda, ministra da Cultura, e a presidente Dilma Rousseff emitiram notas lamentando a morte do escritor. Foi um domingo trágico para nossas letras. Na mesma manhã partiu, aos 81 anos, o crítico e professor universitário paraense Benedito Nunes, que recebera da ABL no ano passado o Prêmio Machado de Assis pelo conjunto da obra. Era professor emérito da Universidade Federal do Pará e tinha sido agraciado em 1998 com o Prêmio Multicultural Estadão, importantíssimo por resultar de ampla consulta aos leitores de todo o Brasil.
Moacyr Scliar era escritor de meu terrum, o Brasil meridional, e com ele convivi quando eu morava no Rio Grande do Sul, na década de setenta. Depois, naturalmente, passei a vê-lo com menos frequência.
Soube de sua importância desde meus verdes anos. Quem me apresentou a ele na Rua da Praia, como é conhecida a Rua dos Andradas, em Porto Alegre, foi Josué Guimarães, de quem eu era mais próximo. Foi em 1975. Ambos estavam na calçada, em frente à Livraria Globo, autografando os respectivos romances com os quais arrebataram, empatados em primeiro lugar, o primeiro Prêmio Érico Veríssimo. Josué Guimarães vencera com Os tambores silenciosos. E Moacyr Scliar, com O ciclo das águas. O romance fez com que entrasse para a lista dos autores das cem melhores obras de temática judaica em todo o mundo, ao lado de Franz Kafka, Isaac Babel, Saul Bellow, Isaac Bashev Singer, Elias Canetti e Elie Wiesel, entre outros. Cito esses para que se possa avaliar o valor dessa relação.
Moacyr Scliar deixou como principal legado de sua obra a fidelidade à temática do imigrante judeu, à qual deu expressão literária de cores muito peculiares.
Entre tantos destaques que sua caudalosa obra faz por merecer, cito também os romances O exército de um homem só, A estranha nação de Rafael Mendes, O centauro no jardim, A majestade do Xingu, os contos de O carnaval dos animais e de A balada do falso messias, e as ficções curtíssimas reunidas em Histórias que os jornais não contam, que ele, baseando-se em fatos verídicos, publicou originalmente na Folha de S. Paulo.
Num certo dia de abril de 1977, ele, a professora Regina Zilberman e eu viajamos a Brasília, sem que pudéssemos confidenciar o que íamos lá fazer: cada um receberia o Prêmio Brasília de Literatura, concedido pelo Mec e a Fundação Cultural do Distrito Federal. Para todos os efeitos, íamos a um congresso de escritores. Ele vencera como romancista, Regina como ensaísta e, como contista, este que lhes escreve aqui, tantos anos depois, lamentando muito a morte do companheiro de ofício, mestre de nossas letras, ético, gentil, solidário e justo.
Sua presença afável vai fazer muita falta, mas seus livros estão aí como seu principal legado. A obra literária é a verdadeira imortalidade do escritor. (xx)
Vários de seus livros estão publicados em diversos países e o escritor, detentor de vários prêmios literários, entre os quais o Prêmio Internacional Casa de las Américas (1989), era membro da Academia Brasileira de Letras desde 2003. Sua eleição para a Casa de Machado de Assis, onde foi saudado pelo também gaúcho Carlos Nejar, pode ter sido também uma prestação de contas da ABL ao público leitor e à sociedade brasileira, em especial ao Rio Grande do Sul, uma vez que recusara por três vezes a entrada a Mario Quintana.
Desde janeiro, quando, após uma cirurgia para extirpação de pólipos no intestino, ele sofrera um acidente vascular, seu estado de saúde vinha sendo motivo de muita preocupação. Foram quase dois meses de muita apreensão.
Ana de Hollanda, ministra da Cultura, e a presidente Dilma Rousseff emitiram notas lamentando a morte do escritor. Foi um domingo trágico para nossas letras. Na mesma manhã partiu, aos 81 anos, o crítico e professor universitário paraense Benedito Nunes, que recebera da ABL no ano passado o Prêmio Machado de Assis pelo conjunto da obra. Era professor emérito da Universidade Federal do Pará e tinha sido agraciado em 1998 com o Prêmio Multicultural Estadão, importantíssimo por resultar de ampla consulta aos leitores de todo o Brasil.
Moacyr Scliar era escritor de meu terrum, o Brasil meridional, e com ele convivi quando eu morava no Rio Grande do Sul, na década de setenta. Depois, naturalmente, passei a vê-lo com menos frequência.
Soube de sua importância desde meus verdes anos. Quem me apresentou a ele na Rua da Praia, como é conhecida a Rua dos Andradas, em Porto Alegre, foi Josué Guimarães, de quem eu era mais próximo. Foi em 1975. Ambos estavam na calçada, em frente à Livraria Globo, autografando os respectivos romances com os quais arrebataram, empatados em primeiro lugar, o primeiro Prêmio Érico Veríssimo. Josué Guimarães vencera com Os tambores silenciosos. E Moacyr Scliar, com O ciclo das águas. O romance fez com que entrasse para a lista dos autores das cem melhores obras de temática judaica em todo o mundo, ao lado de Franz Kafka, Isaac Babel, Saul Bellow, Isaac Bashev Singer, Elias Canetti e Elie Wiesel, entre outros. Cito esses para que se possa avaliar o valor dessa relação.
Moacyr Scliar deixou como principal legado de sua obra a fidelidade à temática do imigrante judeu, à qual deu expressão literária de cores muito peculiares.
Entre tantos destaques que sua caudalosa obra faz por merecer, cito também os romances O exército de um homem só, A estranha nação de Rafael Mendes, O centauro no jardim, A majestade do Xingu, os contos de O carnaval dos animais e de A balada do falso messias, e as ficções curtíssimas reunidas em Histórias que os jornais não contam, que ele, baseando-se em fatos verídicos, publicou originalmente na Folha de S. Paulo.
Num certo dia de abril de 1977, ele, a professora Regina Zilberman e eu viajamos a Brasília, sem que pudéssemos confidenciar o que íamos lá fazer: cada um receberia o Prêmio Brasília de Literatura, concedido pelo Mec e a Fundação Cultural do Distrito Federal. Para todos os efeitos, íamos a um congresso de escritores. Ele vencera como romancista, Regina como ensaísta e, como contista, este que lhes escreve aqui, tantos anos depois, lamentando muito a morte do companheiro de ofício, mestre de nossas letras, ético, gentil, solidário e justo.
Sua presença afável vai fazer muita falta, mas seus livros estão aí como seu principal legado. A obra literária é a verdadeira imortalidade do escritor. (xx)
terça-feira, 15 de fevereiro de 2011
sábado, 22 de janeiro de 2011
BENITO E A INCONFIDÊNCIA
Por Deonísio da Silva em 18/1/2011
Jantávamos no Copacabana Palace, ano passado, quando a Universidade Estácio de Sá concedia o título de doutor honoris causa ao professor e estadista português José Manuel Durão Barroso. De repente chega Ziraldo, meio perdido, e me pede para arranjar-lhe um lugar. Deixo minha mesa e o acompanho até onde está o escritor e prefeito de Ouro Preto, Ângelo Oswaldo de Araújo Santos. Fico lá algum tempo e quando volto a meu lugar ele já tinha sido ocupado.
João Barroso, primo do homenageado e diretor de Relações Institucionais, me arruma outra mesa, onde está o empresário Flávio Teruszkin, do grupo de mesmo nome, casado com a Miss Brasil de 1958, Adalgisa Colombo, que, no Miss Universo daquele mesmo ano, ficou em segundo lugar, depois de um empate com a colombiana Luz Marina Zuluaga. Adalgisa Colombo foi a miss que mais frequentou as capas das antigas revistas Cruzeiro e Manchete.
Meu editor deste Observatório que releve esta introdução. Nosso assunto é mídia e, por enquanto, ainda não entrei nele, a não ser de viés. Entro agora.
A conversa com o prefeito de Ouro Preto foi sobre o prefácio que ele fez a Bardos & Viúvas (Editora Casa de Minas, 462 páginas), romance de Benito Barreto ambientado na Inconfidência Mineira. Como sempre a mídia fez com esse autor, seus romances ganham uma notinha aqui, outra ali, uma citação alhures, mas nem sombra dos latifúndios concedidos a outros autores que nem de longe têm a importância, a relevância e a referência solar que a obra de Benito Barreto é para a literatura brasileira.
Conluio atroz
São mistérios da mídia. Já fizeram o mesmo com outros autores, seja qual for o gênero. Ganchos para noticiá-lo sempre houve muitos, desde o verdadeiro monumento que é Os Guaianãs para nossas letras, saga de uma inventada, heroica e arrebatadora guerrilha rural nos sertões de Minas e da Bahia, nas décadas de 60 e 70, composta de quatro romances: Plataforma vazia (1962), Capela dos homens (1968), Mutirão para matar (1974) e Cafaia (1975).
No Brasil, quem mais se ocupou de reconhecer o talento de Benito Barreto foi José Hildebrando Dacanal, economista e professor de Literatura Brasileira na UFRGS, em Porto Alegre, hoje aposentado. Foi ele quem fez com que o editor Roque Jacoby, depois secretário da Cultura do Estado, no governo Germano Rigotto, lançasse os quatro romances reunidos naquele título. E, em fins do ano passado, a União Brasileira de Escritores, seção do Rio de Janeiro, deu-lhe o Prêmio João Felício dos Santos por Bardos & Viúvas, como o melhor romance histórico do ano. O galardão lhe foi entregue na Academia Brasileira de Letras.
Sempre polêmico, Dacanal diz num dos prefácios a Bardos & Viúvas que "os gaúchos falam demais sobre o seu passado" e "criaram um passado que nunca existiu", ao passo que "os mineiros talvez falem menos" e "esqueceram um passado que realmente existiu".
A maioria da mídia, num conluio surpreendente e atroz com a maioria de nossas escolas e universidades, vem ignorando Benito Barreto há algumas décadas.
Boca do povo
Sabem quem não dá a mínima para tais descasos? O autor! Em 2009, Os idos de Maio; em 2010, Bardos & Viúvas; em 2011 virá o terceiro romance desta Saga do Caminho Novo. Quando concluir esta segunda tetralogia, ele terá escrito oito romances que interpretaram o Brasil a partir de painéis grandiosos, avessos a qualquer minimalismo, desses que, hegemônicos, dominam nossos cadernos literários.
Quem está falhando? Todos nós. Escritor e professor, sou o primeiro publicano a bater no peito e dizer "mea culpa", sem esperança de que os fariseus se apresentem. Ou talvez não seja culpa de ninguém. Na mídia, nas escolas, nas universidades e até nas livrarias parece haver um combate involuntário contra o Brasil e contra os brasileiros. Com culpa ou sem culpa, o resultado é o mesmo: autores como Benito Barreto são ainda insuficientemente conhecidos por quem é pago para informar na mídia, pago para ensinar em escolas ou universidades, pago para mostrar nas livrarias o que há para ler para se conhecer, entender e amar o Brasil, como se faz em muitas outras nações.
O poeta, cronista e professor Affonso Romano de Sant´Anna surpreendeu-se, em sua visita ao Irã, quando um guia turístico ia contando a história do país referindo em todos os relatos algum trecho de escritores persas dos vários períodos da rica literatura daquele país. Lá, os escritores estavam na boca do povo, até mesmo dos guias turísticos.
Parece que vamos demorar um pouco mais, mas nosso dia chegará. Talvez. Que chegue o dia em que autores como Benito Barreto não sejam acepipes literários degustados por tão poucos.
Jantávamos no Copacabana Palace, ano passado, quando a Universidade Estácio de Sá concedia o título de doutor honoris causa ao professor e estadista português José Manuel Durão Barroso. De repente chega Ziraldo, meio perdido, e me pede para arranjar-lhe um lugar. Deixo minha mesa e o acompanho até onde está o escritor e prefeito de Ouro Preto, Ângelo Oswaldo de Araújo Santos. Fico lá algum tempo e quando volto a meu lugar ele já tinha sido ocupado.
João Barroso, primo do homenageado e diretor de Relações Institucionais, me arruma outra mesa, onde está o empresário Flávio Teruszkin, do grupo de mesmo nome, casado com a Miss Brasil de 1958, Adalgisa Colombo, que, no Miss Universo daquele mesmo ano, ficou em segundo lugar, depois de um empate com a colombiana Luz Marina Zuluaga. Adalgisa Colombo foi a miss que mais frequentou as capas das antigas revistas Cruzeiro e Manchete.
Meu editor deste Observatório que releve esta introdução. Nosso assunto é mídia e, por enquanto, ainda não entrei nele, a não ser de viés. Entro agora.
A conversa com o prefeito de Ouro Preto foi sobre o prefácio que ele fez a Bardos & Viúvas (Editora Casa de Minas, 462 páginas), romance de Benito Barreto ambientado na Inconfidência Mineira. Como sempre a mídia fez com esse autor, seus romances ganham uma notinha aqui, outra ali, uma citação alhures, mas nem sombra dos latifúndios concedidos a outros autores que nem de longe têm a importância, a relevância e a referência solar que a obra de Benito Barreto é para a literatura brasileira.
Conluio atroz
São mistérios da mídia. Já fizeram o mesmo com outros autores, seja qual for o gênero. Ganchos para noticiá-lo sempre houve muitos, desde o verdadeiro monumento que é Os Guaianãs para nossas letras, saga de uma inventada, heroica e arrebatadora guerrilha rural nos sertões de Minas e da Bahia, nas décadas de 60 e 70, composta de quatro romances: Plataforma vazia (1962), Capela dos homens (1968), Mutirão para matar (1974) e Cafaia (1975).
No Brasil, quem mais se ocupou de reconhecer o talento de Benito Barreto foi José Hildebrando Dacanal, economista e professor de Literatura Brasileira na UFRGS, em Porto Alegre, hoje aposentado. Foi ele quem fez com que o editor Roque Jacoby, depois secretário da Cultura do Estado, no governo Germano Rigotto, lançasse os quatro romances reunidos naquele título. E, em fins do ano passado, a União Brasileira de Escritores, seção do Rio de Janeiro, deu-lhe o Prêmio João Felício dos Santos por Bardos & Viúvas, como o melhor romance histórico do ano. O galardão lhe foi entregue na Academia Brasileira de Letras.
Sempre polêmico, Dacanal diz num dos prefácios a Bardos & Viúvas que "os gaúchos falam demais sobre o seu passado" e "criaram um passado que nunca existiu", ao passo que "os mineiros talvez falem menos" e "esqueceram um passado que realmente existiu".
A maioria da mídia, num conluio surpreendente e atroz com a maioria de nossas escolas e universidades, vem ignorando Benito Barreto há algumas décadas.
Boca do povo
Sabem quem não dá a mínima para tais descasos? O autor! Em 2009, Os idos de Maio; em 2010, Bardos & Viúvas; em 2011 virá o terceiro romance desta Saga do Caminho Novo. Quando concluir esta segunda tetralogia, ele terá escrito oito romances que interpretaram o Brasil a partir de painéis grandiosos, avessos a qualquer minimalismo, desses que, hegemônicos, dominam nossos cadernos literários.
Quem está falhando? Todos nós. Escritor e professor, sou o primeiro publicano a bater no peito e dizer "mea culpa", sem esperança de que os fariseus se apresentem. Ou talvez não seja culpa de ninguém. Na mídia, nas escolas, nas universidades e até nas livrarias parece haver um combate involuntário contra o Brasil e contra os brasileiros. Com culpa ou sem culpa, o resultado é o mesmo: autores como Benito Barreto são ainda insuficientemente conhecidos por quem é pago para informar na mídia, pago para ensinar em escolas ou universidades, pago para mostrar nas livrarias o que há para ler para se conhecer, entender e amar o Brasil, como se faz em muitas outras nações.
O poeta, cronista e professor Affonso Romano de Sant´Anna surpreendeu-se, em sua visita ao Irã, quando um guia turístico ia contando a história do país referindo em todos os relatos algum trecho de escritores persas dos vários períodos da rica literatura daquele país. Lá, os escritores estavam na boca do povo, até mesmo dos guias turísticos.
Parece que vamos demorar um pouco mais, mas nosso dia chegará. Talvez. Que chegue o dia em que autores como Benito Barreto não sejam acepipes literários degustados por tão poucos.
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