NOME DE POBRE NO BRASIL

domingo, 31 de julho de 2016

RELEMBRANDO WILSON MARTINS, SUSPENSO EM O GLOBO

http://observatoriodacritica.com.br/arquivos/polemicas/necrologios/5.Treplica%20de%20Deonisio%20da%20Silva%20publicada%20no%20Observatorio%20da%20Imprensa%20em%2027-04.pdf Tréplica de Deonísio da Silva a Flora Süssekind Observatório da Imprensa 27/04/2010 Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=587JDB 001# Acesso em 29 abr. 2010. WILSON MARTINS (1921-2010) Crítico é atacado depois de morto Por Deonísio da Silva Quando o escritor Josué Montello morreu, fui procurado para falar (mal) dele. Em entrevista a Geneton Moraes Neto, no Jornal do Brasil, e em artigos assinados noEstado de S. Paulo, eu tinha feito várias ressalvas, não apenas à sua obra, mas à sua atuação como personalidade literária que era. Josué Montello respondera-me em grandes jornais, eu dera a tréplica no Verve, pequeno jornal editado por uma equipe presidida por Ricardo Oiticica, em Niterói (RJ). Há quase trinta anos mantenho coluna semanal no Primeira Página, pequeno jornal de São Carlos (SP). Acredito muito nos pequenos jornais. Eles completam as falhas geológicas dos grandes. E a imprensa do período, ainda mais agora com os mecanismos de busca, jamais será a de um jornal apenas, como já foi no passado. Ao me negar a falar de Josué Montello depois que ele morreu, comentei a advertência que, na Odisséia, Ulisses faz à Ericléia, que se alegra com o massacre dos pretendentes, popularizada pela seguinte expressão do latim vulgar: "De mortuis nil nisi bene" (Dos mortos nada, a não ser o bem). Escrevera aqueles artigos e dera aquelas declarações a Geneton Moraes Neto quando eu tinha 35 anos! Hoje, aos 61, diria tudo o que disse de modo diferente. O outono nos ensina a moderação, mas fazer o quê? Pedro Nava definiu a experiência como um automóvel com os faróis virados para trás. Quer dizer, de pouco serve, pois o percurso já foi feito. Sem espaços Flora Süssekind, professora altamente qualificada, não deve desconhecer a recomendação que da literatura migrou para a vida cotidiana, mas perpetrou várias indelicadezas e equívocos no caderno "Prosa&Verso" de O Globo (24/4/2010). Não apenas com o que disse, mas com o que costuma silenciar, pois ela deve conhecer a qualidade de livros e autores que omite em suas pesquisas. Como disse Eduardo Portella, "o silêncio é aquilo que se diz naquilo que se cala". O pior de tudo é que jamais discordou de Wilson Martins quando ele era vivo. Em cima de seu caixão, com o profissional morto, ela, não só desanca sua obra, como ainda fala mal de quem falou bem do crítico, aí incluídos referências da crítica literária, como é o caso de Alcir Pécora e Miguel Sanches Neto, comentaristas de inegável qualidade. Qual foi o erro dos dois? Discordar dela? Destaco trecho do que escrevi na coluna de Augusto Nunes na Veja on-line, no dia seguinte ao falecimento do crítico: "Wilson Martins dizia: `não comento autores, comento livros´. Fez a história da literatura brasileira de 1500 a 2009, acompanhando os lançamentos e garimpando neles o que achava relevante. Antonio Candido data sua história de nossas letras na segunda metade do século XVIII e vem até 1930. E nas universidades só ele é citado. Há décadas. Wilson Martins integra a multidão de esquecidos para que poucos possam aparecer louvados pelos mesmos de sempre". A militância política dos professores não pode ser exercida em sala de aula. Ali há programas, ementas, objetivos e bibliografias bem definidos a cumprir. Sejam pagos por escolas públicas ou privadas, os mestres estão submetidos a hierarquias baseadas em relações de saber, não de poder, e precisam ministrar aos alunos um ensino de qualidade. Aqueles que substituem ações docentes por proselitismo estão traindo os alunos. Não é esta a única razão do notório fracasso escolar, mas é uma força considerável no rebaixamento da qualidade de ensino. O artigo de Flora Süssekind logo estará sendo citado e multiplicado em universidades para ajudar a deformar nossos cursos de Letras. A mídia vem sistematicamente negando espaço a quem faz literatura de qualidade, aí incluída a crítica, naturalmente, e por isso enseja a consagração de mediocridades. Colunas suspensas Há algo muito mais grave do que ensinar que não houve ou não há literatura brasileira. É fazer de conta que obras e autores do gosto do mestre sejam impostos aos alunos como únicas referências literárias. Naturalmente, o mestre tem seu gosto, que é também uma categoria estética, mas quem experimenta o prato é o cliente, não o garçom. E neste caso, críticos e professores são garçons. Por melhor crítico que tenha sido Armando Nogueira, quem fez a jogada foi Pelé, foi Garrincha, foi Romário, foi Maradona, não ele. Ele não jogava, ele comentava. Exagerando um pouco, Sartre disse que "os críticos são guardiães de cemitérios". E ademais já não somos poucos os que achamos que é urgente uma revisão em nosso cânone literário, que consagra tantas mediocridades. Os editores de cadernos literários usam sempre como recurso de argumentação que não há espaço para comentar mais livros ou outros livros, revelar outros autores, sair da geléia geral em que a maioria deles está há muitos anos. Por que, então, dedicar duas páginas inteiras para um solilóquio desses contra Wilson Martins? Não teria sido melhor abrir o mesmo espaço para uma saudável controvérsia? Wilson Martins e Affonso Romano de Sant´Anna tiveram suas colunas suspensas em O Globo em agosto de 2005. Comentando o afastamento dos dois, escreveu Alberto Dines neste Observatório (8/8/2005): "A maior empresa de comunicação do país, uma das maiores do mundo, não tem os caraminguás para manter uma instituição que dá à combalida cultura carioca o suporte erudito para o seu renascimento. De diferentes gerações (um é poeta e professor mineiro; o outro ensaísta e professor curitibano) ARS e WM são dois expoentes da cultura brasileira que O Globo oferecia ao seu público no mesmo dia e mesmo caderno". Pois é. Olhem só para quem ocupou o lugar deles. Os leitores façam as suas comparações!

quinta-feira, 28 de julho de 2016

SÉRGIO DA COSTA RAMOS RECEBE DEONÍSIO DA SILVA NA ACL

As Academias nasceram nos bosques de Atenas e as vozes dos sofistas ecoavam ao ar livre. Com a Renascença, elas se abrigaram sob colunas dóricas e veludos, para reunir as greis de artistas e escritores. E as academias foram ganhando uma certa pompa para hospedar o sacramento da Literatura. Imagine-se, Senhor Presidente, esta tribuna transformada num púlpito, nossa Academia de Letras numa basílica em dia de sagração episcopal. Nosso plenário acolhendo ardentes fiéis e a fragrância do incenso se evolando pelo ar - ao ponto do seu alado perfume transformar a ilustre Mesa num altar de missa solene. Sendo ao mesmo tempo laica e ecumênica, esta Academia vive uma noite em que não pode deixar de ser cerimoniosa, pela boa ventura de receber entre os seus pares um cardeal da Literatura catarinense, brasileira e universal. Vejo-o, numa ilusão de ótica, estendido ali na nave central, em vestes sacerdotais, bem no meio deste corredor, e na iminência de receber aqui e agora a ordenação devida pelos seus votos e feitos literários, hierarquia há muito reconhecida em outras catedrais – e hoje crismada na igreja de sua terra, que sobre ele asperge os seus óleos votivos. Já enxergo daqui o Deonísio hasteando em seu lábio de incréu um sorriso de mofa, e pensando: “Chi, o Sérgio está levando por demais a sério aquela brincadeira dos meus amigos de Floripa, velhos camaradas do Seminário Nossa Senhora de Fátima, de Tubarão, que se autobatizaram “Os Presbíteros”. E que, brincando, tratam-se de monsignore, eminenza e até de Camerlengo, por ocasião das eleições papais. Estão todos por aí, Deonísio, balançando os seus turíbulos... ----------- Era uma vez, Deonísio da Silva, um catarinense, filho de um trabalhador das minas de carvão, Silvestre, oriundi italiano de Siderópolis, sopé da grande serra. Autor de 34 livros, professor, etimólogo, membro da Academia Brasileira de Filologia, viveu boa parte de sua infância e juventude em casas paroquiais e seminários de Siderópolis e de Tubarão, até o limiar da ordenação, quando os demônios sartreanos do ser e do existir pediram abrigo em seu sótão. Para desgosto, talvez, do padre Herval Fontanella, que lhe ensinou o primeiro Latim e que o queria só sacerdote. Melhor doutor em Literatura e um escritor do mundo do que padre em Leiria, num certo sobrado criado por Eça de Queiroz... Se o quase sacerdote desenrolasse aqui toda a sua biografia acabaria lendo um longo breviário – que é tudo, menos sinônimo de “breve”. E se optasse por enumerar o rol de sua obra, então, acabaria lendo, com jeitão travesso, uma Bíblia iconoclástica, dividida em dois testamentos: No Velho Testamento, abriria o pergaminho do seu primeiro grande romance – “A Cidade dos Padres”, de 1986. Uma epifania literária, em que o autor revisita a história, ajustando o relógio para girar ao contrário, desde os tempos da “Revolução Redentora” do general Figueiredo , anos 60 a 80, até o Império sob a tirania fiscal do Marquês de Pombal, no século XVIII, – quem sabe uma boa explicação para as roubalheiras que hoje nos presidem e atormentam. Uma criativa anarquia, que reconstituiu, “avant-la-lettre”, este Brasil hoje identificado como um local “propício aos desmandos, à desorgarnização e à pilhagem do dinheiro público”. Melhor premonição para os acontecimentos do que hoje chamamos de “Lava Jato”, impossível. Do seu Novo Testamento, anos 90, emerge o grande sucesso que primeiro o levou para além do mapa do Brasil - o “Premio Casa de las Americas”, em 1992, num júri presidido pelo futuro Nobel José Saramago. “Avante Soldados, Para Trás” é uma diabrura literária em que o escritor alista-se nos “voluntários da Pátria” e, como um “soldado narrador”, vai à guerra do Paraguai. Do “front”, descreve o conflito com a licença da ironia e do bom humor, a partir da “Retirada da Laguna”, narrada como derrota épica. Porque o narrador está lá não para endossar a história oficial, mas para relativizá-la e descrer de todas as verdades absolutas. No fundo, um libelo contra a guerra e a favor do homem. Esse reconhecimento internacional levou o ex-quase padre Deonísio às fronteiras do Vaticano: numa banca de revistas da Piazza de Spaña ou da elegante vizinha, Via Condotti, em Roma, é possível comprar dois livros de Deonísio da Silva: “Avanti soldati, Dietro Front” - a edição italiana do premio assinado por Saramago - e o seu mais recente sucesso, “Lotte e Zweig”, em que narra, com estrutura de novela policial, a morte de Stefan Zweig e sua mulher, Charlotte, na Petrópolis de 1942, quando o escritor austríaco descobriu que o seu desencanto com o mundo incluía o “país do futuro”. O autor instiga o leitor, inaugurando um novo mistério: suicídio shakespeariano num pacto de amor ou duplo homicídio pelo braço longo do nazismo? Diz-se que tamanho condão criativo, de criar ficção sobre a história oficial, teria levado o povo de Roma, ainda outro dia, a confundir - em pleno domingo de benção na Piazza São Pedro - os dois paramentos que na manhã de sol brilhavam na moldura da grande janela . Ao longe, identificaram claramente só uma das duas figuras: - Aquele à esquerda, a la sinistra, é o padre Deonísio, scrittore brasiliano. O outro, de branco, acho que é aquele argentino contra quem a gente torceu na Copa América... Claro, nós, leitores, vamos logo esperar da inventiva do nosso caro escritor, uma versão picaresca e criativa da perda daquele pênalti pelo argentino Messi. Teria sido pouca reza do seu colega de janela, Francisco, mera culpa fadista de um tango de Gardel ou simples macumba da torcida brasileira? Tudo é possível em se tratando desse originalissimo realismo fantástico de Deonísio da Silva, em que a ficção surge como detetive da verdade e a imaginação como seu salvo-conduto, tudo sobre o magnífico alicerce de uma cultura consolidada, capaz de produzir densos romances na forma de roteiros cinematográficos, como nos já mencionados “A Cidade dos Padres” ,“Avante” e “Lotte & Zweig”. Além de outros tão instigantes quanto “Tereza D’Ávila”, em que o autor intromete-se entre as muralhas de Ávila e flagra a Santa em seu Convento, lutando contra as febres da matéria, a sanha punitiva dos inquisidores e a própria fé, que as vezes fraqueja. É bem diversificado o seu empório de criativa Literatura, seja na crônica ou no conto, em que também é mestre, e cuja maior prova é seu último livro do gênero, “A Placenta e o Caixão”. Ou o seu primeiro conto elogiado em resenha nacional, “Cenas Indecorosas”, notado por ninguém menos que o nosso líbano-biguaçuense Salim Miguel, em crítica literária para o “Jornal do Brasil”, no quase longínquo 1976. Tanto talento brilha também em ribaltas nas quais suas obras são adaptadas, no teatro ou no teleteatro, como em “Relatório Confidencial”, dirigido por Antunes Filho. Com tempo e oportunidade também para o cronista Deonísio e o etimologista de jornais e revistas de circulação nacional, ou para os seus livros de Literatura Infantil. Do escritor para crianças, aliás, brotou uma confissão: “Eu não sabia escrever para crianças, aprendi com minha filha Manuela”. Tamanho é o fascínio do autor pela figura feminina, que ele a cobre de cortesias e reverências na vida e na obra – desde a amante e combatente Mercedes de “Avante Soldados”, à tentada carmelita de Ávila do romance que primeiro se chamou “Pedras em febre”, depois simplesmente “Tereza”; até à infeliz secretária Lotte , mulher de Stefan Zweig, figura chave do romance sobre a saga do perseguido escritor austríaco. Ou à primeira mártir do Brasil, beata Albertina Berkenbrock, assassinada em defesa de sua virtude na Imaruí de 1931. Todas estão ou estarão na prosa do escritor, esse admirador das mulheres que não pode deixar de reconhecer uma verdade absoluta: pertence a elas um pedacinho da insígnia que esta Academia daqui a pouco pendurará em seu peito. Pertence a todas elas e à Manuela, a filha que, aos 13 anos, influenciou no desfecho de “Avante Soldados” e que hoje, adulta, instiga o pai a afinar o senso crítico, enquanto ajuda o país a justiçar seus malfeitores como Promotora de Justiça em São Paulo. Na verdade, ai dele se não admitir outra grande heroína em sua vida: aquela que possui o condão de lhe fazer coriscar a centelha criadora e o dínamo da pletórica produção: leitora, crítica e musa – musa, cuja etimologia, sabemos, nasce de música, canção. Harmonia que o aqui recepcionado faz questão de ouvir da mulher Michele, sempre que inicia a aventura de uma nova escrita. “Elas são – derrete-se o escritor – a melhor parte da natureza humana” e a própria Literatura nada mais é do que um empenho do homem em indenizar-se pelas imperfeições da sua natureza”. A vida de Deonísio é a Literatura, como escritor, doutor em Letras e professor do magistério superior. À essa arte imprimiu sua marca, reescrevendo a história pelo avesso e servindo apenas ao leitor e à Literatura - e à nenhum outro mandarim. Se é chegada a hora da sagração, senhor presidente, quando esta Casa recebe um hierarca da Literatura brasileira, é preciso dizer que Deonísio da Silva é um grande admirador da Literatura de Santa Catarina, desde os tempos de Siderópolis e de Tubarão. Faz questão de ser um admirador de muitos dos que daqui a pouco serão seus pares nesta Casa. Gosta de ser um simples, um autor que é sobretudo um leitor e que gosta de cultivar a Literatura da sua terra. Sabemos que “um autor só é bom se é bom leitor e melhor inventor”, na bem humorada definição de Alberto Manguell, que, na juventude, lia para Jorge Luis Borges - e era dele os seus olhos. A liturgia desta noite, senhor presidente, é dupla: as campainhas querem dizer que a recepção a Deonísio é também uma benção à Academia, posto que é a Literatura em pão e vinho que recebemos. Vivemos, senhor presidente, um grande momento deste sodalício quase centenário, um tempo de transformações e de eleições, ditados pela própria progressão da vida. Circunstância que realça a solenidade deste momento. “Os abençoados mortos”, pontificou Graça Aranha sobre a Academia Brasileira de Letras, “deram-lhe a mais preciosa das vidas, a vida eleitoral”. E resumiu: “São as mortes que dão vida às Academias. Boa recepção, pois, e longa vida aos que chegam, e reverência aos que construíram ao longo dos tempos esta catedral de cultura - como o saudoso escritor, contista de truz e cultor das melhores utopias, Francisco José Pereira, a quem sucede o recepcionado. A Literatura, aqui, senhor presidente, deve ser, mais do que nunca, um ato de fé e de reconhecimento. Houve época em que a própria Academia Francesa quebrou a tradição dessa preeminência literária, acolhendo eminentes figuras da vida pública, homenageando a sociedade pela academização de seus notáveis. Conta o escritor e imortal Carlos Heitor Cony que, certa vez, Joaquim Nabuco sugeriu ao Petit Trianon o nome do Barão de Rio Branco, então Ministro de Relações Exteriores e o homem mais importante do seu tempo. “Machado de Assis hesitou, alegando que o indicado nada escrevera até então. Nabuco argumentou: “Machado, o Rio Branco está escrevendo o mapa do Brasil”. E o Barão acabou acadêmico. Felizes, senhor presidente, somos nós: Deonísio da Silva tem obra, tem mérito e tem “sustança”, como diria um manezinho da Ilha catarina. Tem obra e está escrevendo o mapa de Santa Catarina na Literatura do Brasil. ==================================Muito obrigado

MATAR, MATA-BICHO, CHARADA, ASSASSINAR, HÓSTIA, CHARADA

Repercuto o belo trabalho de John Klaus Kanenberg, postado no blogue dele. MATAR, MATA-BICHO, ASSASSINAR, HÓSTIA, CHARADA,. O verbo MATAR tem muitos significados. Não era no Latim sinônimo de occidere, matar o homem, donde homicídio. Matar tinha originalmente o sentido de recompensar e agradecer. No Português mudou de significado, tornando-se sinônimo de assassinar, mas de todo modo, matar pode ser bom, correto, necessário? Sim! Pode ser (matar a sede), adivinhar, entender, compreender (matou a charada). Pode ser responder corretamente uma questão (matou a resposta), pode ser acabar com alguma coisa (a morte do filho acabou com ele, mas ele não morreu....), não trabalhar (matar o serviço), amortecer a bola no futebol (matar no peito), resolver uma questão (matar no peito), interromper algo (matar a jogada), seduzir (vestida para matar), impresssionar muito, arrasar (caiu matando), Ameaça amorosa (mãe para o filho: desce daí, senão te mato...). E mais: 1. Mata-bicho Designa dose de cachaça ou de qualquer outra bebida alcoólica tomada em jejum. Médicos medievais descobriram que derramando álcool sobre alguns bichos encontrados em cadáveres, os bichos morriam. Durante uma epidemia na Espanha, no século VIII, o médico Gustavo García, examinando um cadáver, descobriu um bicho que resistia a todos os líquidos, menos à aguardente. 2. E no Brasil e em Angola o desjejum, o café da manhã. E matar vem do Latim mactare, ato sagrado de sacerdotes pagãos consistindo em imolar a hostia, vítima oferecida em sacrífico, depois aplicada também ao pão ázimo, isto é, sem fermento. 3. Para matar no sentido de assassinar, o Latim usava occidere, e matar um ser humano era homicidium, parricidium, matricidium, suicidium etc. 4. Assassinar era o que faziam os consumidores de haxixe, do Árabe haxix, erva seca, seguidores do Velho da Montanha, chefe sírio de bandoleiros muçulmanos do século XIII, que, a seu mando, praticavam crimes. Em Árabe, haxohaxin, ashoashin – designa também o guardador de segredos: só ele sabiam onde guardavam os valiosos produtos de seus saques. 5. Charada, matar a charada e Malba Tahan (p. 102 de De onde vêm as palavras). Charrá, em languedoc, dialeto falado no Sul da França, é conversar.Matar a charada é passar o tempo e descobrir um significado oculto em palavras cruzadas, por exemplo, ou juntando sílabas de uma e outra palavra. (xx) Sem papas na língua – 28/Jul/2016 Coluna do prof. Deonísio da Silva na rádio BandNewsFM Fluminense, do dia 28/07/2016, falando sobre palavras como charada, esgrima, matar e assassinar. FATOSFOTOSEREGISTROS.WORDPRESS.COM

domingo, 24 de julho de 2016

DISCURSO DE POSSE NA ACADEMIA CATARINENSE DE LETRAS

Dedico este discurso a pessoas muito queridas e, por motivos diferentes, muito importantes em minha vida: • Soeli Maria Schreiber da Silva, com quem fui casado por mais de trinta anos, mãe de nossa filha • Manuela Schreiber e Sousa, casada com • Rodrigo Ribeiro de Sousa, um filho para mim, ambos aqui presentes, e • Michele Roberta da Rosa, minha companheira já há alguns anos. Senhor Presidente de nossa Academia, Salomão Ribas: não é à toa que muitos de nossos grandes autores cursaram Direito, como fez o senhor presidente e como fizeram tantos confrades desta Academia. Senhora Secretária Lélia Nunes: a mulher deu o terceiro passo na vida literária, ao passar de personagem e leitora, a autora, como evidenciam sua presença aqui e a de Leatrice Moelmann e Urda Klueger, entre outras. Até então narradores masculinos cometiam as maiores gafes quando adentravam por temas que ignoravam, fossem cólicas menstruais, gravidez ou estados de alma que só as mulheres sentem, e que só podem entender aqueles que seguem o conselho de Olavo Bilac: "Amai para entendê-las!”. E o poeta acrescentou: “Pois só quem ama pode ter ouvido/ Capaz de ouvir e e de entender estrelas". As mulheres que amamos, a começar por nossas mães, são nossas estrelas-guias! Vou me demorar um cadinho mais neste assunto, pois ele é o mais relevante, uma vez que nenhum de nós estaria aqui, não fosse uma mulher generosa que um dia fez com nosso pai uma coisa até então proibida. O próprio Criador reconheceu em Hebraico e em Grego o que São Jerônimo traduziu para o Latim vulgar:“Non est bonum esse hominem solum; faciam ei adjutorium simile sui”: Não é bom que o homem esteja só; façamos alguém semelhante a ele para ajudá-lo”. E recentemente a professora Francesca Stavrakopoulu, nascida num subúrbio de Londres, filha de mãe inglesa e pai grego, Doutora em Teologia pela Universidade de Oxford, encontrou evidências em suas pesquisas arqueológicas de que o próprio Jeová teve uma esposa chamada Axerá, escondida pelo patriarcalismo que tomou conta dos hebreus no cativeiro da Babilônia. Prezados confrades, autoridades, amigos, conhecidos, respeitável público. Hoje é dia de abandonar as “velhas tristezas que se vão embora/ no poente da Saudade amortalhadas! ...”, como disse Cruz e Sousa, certamente a figura solar das letras catarinenses, cumprindo o destino da literatura brasileira, que faz com que todos os que tenham talento emerjam um dia, uma vez que não há força que os abafe, pois não se tapam sóis com peneiras. Aliás, luzes poderosas não são tapadas com nada! Saúdo especialmente suas excelências, os leitores, os principais personagens na vida de todos os autores, pois que com obra, mas sem leitores, não existimos, ainda que nem sempre escritores e leitores sejam contemporâneos. Coube-nos a sorte de contar com leitores no breve intervalo entre o berço e o túmulo que é a vida, e isso é graça alcançada, sem a novena do Menino Jesus de Praga, graça de graça, mesmo, vinda dos misteriosos motivos que levam alguém a abrir um livro nosso e ler, estejamos vivos ou mortos. Este é o contexto para designar um imortal literário, alguém cuja obra tornou-se perene, imorrível como diria o ministro que moldou “imexível” quando precisou explicar plano econômico do governo Collor e justificar que sua cachorra era um ser humano como qualquer outro, temas imperdoados, entre outros, por dois confrades de muita verve, na fala como na escrita, e referências cardeais de nossas letras, Sérgio da Costa Ramos e Péricles Prade. Peço licença para não citar a todos, como é minha vontade, pois todos os meus confrades, alguns dos quais amigos de longo convívio, embora pouco frequente pela distância de nossas moradas, estão nesta casa por merecimento, fazendo jus ao que se convencionou denominar imortais, não por suas pessoas, mas por seus livros, pois imortais podem ser nossos escritos, jamais nossas pessoas. Como se sabe, é paradoxalmente alta a taxa de mortalidade entre os imortais. Devagarinho, convido-os a saber um pouco do que me traz aqui, dito por mim mesmo, isto é, pela mais inconfiável das versões. Aprendemos também com o que não é, para sabermos o que é, pois não disse Picasso que “a arte é uma mentira que revela uma verdade”? A literatura também. Desde priscas eras, escrever é fingir, como fingia o artífice, que poderia ser um oleiro, que fazia uma persona, isto é, uma máscara, seu significado primordial. Como se sabe, entre as credenciais dos aqui chegados está em relevo para muitos deles a arte de fingir, não no sentido moral que o verbo tomou, mas no significado de moldar e modelar, à semelhança do oleiro, para dizer algumas coisas sobre a condição humana, uma vez que não escrevemos para outros seres vivos que nos rodeiam, como animais, flores e plantas domésticas. É para pessoas que escrevemos. Por mais que um pássaro, um gato, um cachorro, uma vaca ou um muar se encantem diante de quadros, músicas, imagens ou textos, em que talvez sejam personagens, é para olhos, ouvidos e outros sentidos hu-ma-nos que escrevemos. Registro, porém, por inusitado, que outro dia vi e ouvi uma tropa de vacas que pararam de pastar para ouvir Beethoven, embora, é claro, fossem holandesas as vacas, e de Beethoven a música. Não sei se não sairiam correndo se fosse o violento Dvórak ou o insípido Michel Teló, digamos. Voltemos à vaca-fria, de outra espécie de vacas, expressão que designa o ato de voltarmos ao assunto principal. Originalmente o bicho foi um carneiro. Um advogado digredia muito sobre o assunto, talvez uma partilha de carneiros, e o juiz propôs “voltemos aos nossos carneiros”. Como em Portugal foi costume servir carne fria de vaca antes das refeições, às vezes, terminada a comida quente, voltava-se àquela carne, por muito saborosa. Era, então, agradável voltar à vaca-fria. E não as carneiros frios. E volto dizendo: nem sempre somos entendidos. Foi assim com Crispim Mira, o patrono da cadeira que ora poderei vir a ocupar, DEPOIS desta posse – nós não sabemos nada de nossas existências no futuro, não apenas do tempo que nos resta, nada sabemos do próximo minuto, pois tudo isto é mistério, e o próximo minuto poderá ser o ponto final da narrativa referencial que é a vida, tão fugaz e tão breve, como foi para Crispim Mira, que morreu assassinado na redação do jornal onde escrevia, em 1927, com apenas 46 anos, segundo nos informa, entre outros, o escritor catarinense Enéas Athanázio, autor de “Jornalista por ideal”, biografia do patrono da cadeira 5 desta Casa, cujo fundador foi o também jornalista e advogado Leopoldo de Dinis Martins Júnior, mais conhecido por Dinis Júnior. Teve vida mais longa o fundador da cadeira que homenageia Crispim Mira, pois, nascido em Florianópolis, Dinis Júnior morreu no Rio de Janeiro, em 1967, aos 80 anos. Penso que alguns dos presentes, se não conheceram o patrono, conheceram o fundador. Não tive esta sorte. Aliás, também Crispim Mira foi advogado. Embora sem curso superior, naqueles anos era possível exercer o Direito como “advogado provisionado”, figura hoje extinta. Faz algumas décadas que até os próprios cursos de Direito desconfiam do saber que ministram aos advogados que ali se formam e oferecem cursos adicionais para que eles possam ser aprovados nos exames da OAB, Ordem dos Advogados do Brasil. Teobaldo Costa Jamundá, o intelectual que veio a tornar-se o primeiro sucessor do fundador não era catarinense de nascimento, mas sabemos que gato que nasce no forno não é biscoito - e que por isso o professor Salésio Herdt, reitor da Unisul, aqui presente, não é alemão, é brasileiro - e que a utilizar-se o mesmo critério a escritora Clarice Lispector, de repente com tanta atenção para sua obra, ela que teve tão poucos leitores quando viva, não seria escritora brasileira, mas ucraniana. Jamais esquecerei certos episódios da vida de Clarice Lispector dos quais fui testemunha ocular e auricular. Estava sem dinheiro e pediu direitos autorais a seu editor, que era o mesmo meu, e ouviu em resposta que seus livros não vendiam nada, que ela deveria escrever sobre sexo. E ela escreveu tempos depois. O título é “A via-crúcis do corpo”. De todo modo, o editor lhe adiantou pequena quantia. De outra feita, em jantar na casa de Rubem Fonseca, cujos livros vendiam muito bem, ela recomendou que ele prestasse atenção no fenômeno, pois isso raramente era um bom sinal no Brasil. Fora do Estado desde os dezesseis anos, como todos sabem, eu conheci Teobaldo Costa Jamundá, em Florianópolis, quando fui agraciado com o Prêmio Virgílio Várzea de Literatura, juntamente com Maria Odete Olsen, então esposa de meu confrade Oldemar Olsen Jr, e fomos apresentados a ele por Maria Tereza de Queiroz Piacentini, que nesta época trabalhava com João Nicolau Caravalho, na Fundação Catarinense de Cultura, que ele presidia. Teobaldo Costa Jamundá nasceu no Recife e morreu em Blumenau, em 2004, aos 90 anos. Jornalista, poeta de versos sensíveis e bem cuidados, de olhar atento a usos e costumes catarinenses, dedicou muito de seu tempo à pesquisa do rico e complexo folclore de Santa Catarina, singular por muitos motivos, um dos quais é a sutileza com que se mesclaram aqui neste terrum as crenças populares indígenas, as de matriz luso-brasileira e as contribuições vindas de outros imigrantes europeus e africanos, sobretudo, na rica mistura de entidades que nos divertem, assustam ou abençoam, conforme as superstições e crenças de vários estamentos culturais que encontraram neste Estado um campo fértil para suas manifestações, algumas, aliás, hoje reprováveis, como é a Farra do Boi, que, à semelhança das Touradas, só dá certo para seus críticos quando a vítima não é o animal...Pois Teobaldo Costa Jamundá fixou-se nestes estudos, tão raros, infelizmente, mas tão pertinentes. O próximo ocupante e mais recente, cuja vaga hoje terei a honra de ocupar, se Deus quiser, como diz o povo para tudo o que está no futuro, ainda que o futuro pareça bem próximo, foi Francisco José Pereira, falecido há apenas quatro anos, em 2012, aos 79 anos. Seu berço e seu túmulo, eles os encontrou aqui, em Florianópolis, deixando-nos uma obra valiosíssima como jornalista, romancista, contista, ensaísta e editor, pois publicou livros de vários autores catarinenses na editora por ele fundada com o nome de Guapuruvu, dita também Garapuvu, a árvore-símbolo de Florianópolis. Destaca-se em sua obra um estudo que o aproxima muito de meu ofício de via vicinal, o da lexicologia, ou, como digo, o de botânico das palavras, que tanto serve ao principal, o de jardineiro, por permitir um acréscimo nem sempre dispensável, de saber exatamente qual foi no berço o significado da palavra, com o fim de invocar aquelas que expressem exatamente o que sentimos ou pensamos, ainda que às vezes em nosso tempo elas signifiquem o contrário do que expressaram no nascimento. Por exemplo, o Sumo Pontífice não constrói mais pontes sobre o rioTibre, nem as inaugura, nem as abençoa. A palavra passou a designar o Papa, sinônimo de pater, pai em Latim. Aliás, por celibatário, o Papa, cujo significado é pai não é pai de ninguém... Talvez muitas palavras sejam semelhantes àqueles que as proferem...E Francisco José Pereira deixou contos e romances de lado, deixou o jornalismo de lado em suas preferências e fez neste tempo um ensaio muito pertinente sobre o vocabulário de “Os Sertões”, a obra máxima do engenheiro militar e jornalista Euclides da Cunha. Até aqui falei dos meus confrades que já foram, pois a vida inclui a morte. Como se vê, a média de interesse pela eternidade, pela qual todos temos muita curiosidade, mas nenhuma pressa de conhecer, exceto os suicidas, poderia demorar-se um pouco mais e, no caso do patrono, muito mais! Todavia nenhum dos citados partiu por conta própria, ainda que infelizmente seja tão frequente entre artistas e escritores o suicídio, diga-se de passagem, e eu mesmo me interessei pelo tema no romance mais recente, “Lotte & Zweig”, com capa muito bela, de autoria da artista catarinense e minha querida amiga, Arlinda Volpato, casada com o advogado e empresário, Wilson Volpato, que foi quem primeiro me fez apreciar quão belos eram os versos de Castro Alves e outros poetas por ele declamados, como reconhecemos todos nós, os presbíteros – capitaneados pelo presidente de nossa confraria de ex-seminaristas, o também advogado e empresário José de Souza Patrício. Presbíteros é como nos chama Sérgio da Costa Ramos, com a verve tão deliciosa de suas crônicas. De resto, Celestino Sachet é quem nos pode dizer, pois sabe tudo de todos os colegas, no âmbito litérário, se e quais foram os escritores suicidas de Santa Catarina, e se os há, apesar deste mar, destas planícies e destas serras, para citar três antídotos contra o fim prematuro da existência pelas próprias mãos. Na dimensão universal, são muitos os escritores suicidas e só para ilustrar o quanto o tema é evitado, mas recorrente, lembro o caso de nosso vizinho, o uruguaio Horácio Quiroga, cujo pai se matou quando ele era criança, o padrasto suicidou-se diante dele, sua primeira esposa suicidou-se, ele se suicidou e se suicidaram também seus três filhos. De mim não falarei. Não tenho bons juízos a meu respeito. Na verdade, nem gosto de externá-los. Acho o terreno pantanoso das confidências um caminho perigoso, que às vezes é necessário ser trilhado, por necessidade, mas não por gosto, com interlocutores confiáveis e tolerantes, em hora propícia. Nós temos um sincero amor pela confissão e este tema legou-nos grandes obras. A confissão limpa nossa alma, a ponto de designar um sacramento, também conhecido por penitência e por reconciliação. Uns se confessam de pé, outros de joelhos, outros sentados, outros deitados, outros dançando ou balançando o corpo, o certo é que para a confissão a palavra é indispensável, seja ao sacerdote, seja a psicanalistas e psicólogos. Mesmo quando alguém quer confessar-se, nem sempre confessa tudo, pois algumas coisas “nem às paredes confesso”, sobretudo amores ilícitos, como diz o fado. Nosso amigo Evilásio Volpato – tu es sacerdos in aeternum, secundum ordinem Melquisedec (tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec), a frase que designa ofício, mais que vitalício, perpétuo, pois vai além da vida - é quem domina com talento este mister, para o qual é necessário o ato de espremer a própria alma, como diz, aliás, o próprio nome do ato que é requisito: ato de contrição. Melquisedec é uma figura referencial do Antigo Testamento e o sacerdócio não é uma invenção cristã. Eu quero dizer de mim apenas o seguinte: o que sou, o que tenho sido, o que vou ser, devo em parte a muitos de vocês aqui presentes. Devo à gente de Santa Catarina, a mão que ora balança o berço e o faz desde que nasci em Siderópolis, em 1948, aonde um dia aportou meu bisavô italiano Alessandro Daboit, gerando Silvestre, que gerou Leobertina, que casou com Cecílio, filho de gaúchos descendentes de lusos, que geraram 14 filhos, entre os quais um sou eu. Devo ter muitas semelhanças com meus irmãos. Somos sete meninos, eu sou o primeiro deles, mas asseguro que disponho de provas de que não sou lobisomem, e sete meninas. De mim pode ser dito o que a mãe de um talentoso pianista, Marcelo de Moraes Caetano, meu colega da Academia Brasileira de Filologia, no Rio, que, convidada a falar do filho e de como ele se interessara daquele modo pela música, disse apenas: “não sei de nada, até os 14 anos, ele foi normal!”. Eu fui normal até mais tarde. Até chegar aos 27 anos, que celebrei publicando em Curitiba meu primeiro livro e recebendo antes dos 29 anos, com o segundo livro, o prêmio de melhor obra publicada no ano anterior. E o primeiro já tinha sido adaptado para a televisão sem que eu soubesse até então, pois quem levou meu livro à TV Cultura disse que eu tinha me suicidado no Rio Grande do Sul, onde eu morava. Era verdade que eu estava agauchado, mas era mentira que eu me matara. E eu estou acostumado a tratar o suicídio como terror ou como graça desde os verdes anos. Um de meus tios se suicidou e anos depois quando eu lecionava no Paraná e um colega de docência também se matou, ouvi no rádio que EU me matara. Mas quem se matara se chamava Canísio, que confundiram com Deonísio. Se falei tanto de suicídio é porque, como se sabe, ex abundantia cordis os loquitur (a boca fala daquilo que há de sobra no coração), e este tema sempre me fascinou e me fascina. Aliás, suicídios são quase sempre homicídios, quando menos talvez por omissão de alguém do convívio do suicida, sendo, então, o suicídio no mínimo um assassinato coletivo, um linchamento. Como o advogado especialista em crimes não os deseja praticar, mas defender quem teve a infelicidade de cometê-los, ou, sendo promotor, denunciar, ou como o oncologista não quer um câncer para si mesmo, quer é tratar de quem sofre de câncer, eu quero entender o que leva alguém a tirar a própria vida. De meus 34 livros publicados, só um fixou-se num duplo suicídio, do escritor e de sua esposa, que para mim foi duplo assassinato, como sabe quem já leu o livro, aqui e na Itália, onde já foi publicado. Para concluir, muito obrigado a todos. A língua portuguesa é a única do mundo que declara ter obrigações com quem nos fez o bem. Não mereço tanta atenção, muitos dos escritores e outros artistas aqui presentes merecem mais atenção para suas obras, e que nos sirva de consolo o que disse Camões: “Porque essas honras vãs, esse ouro puro/ Verdadeiro valor não dão à gente:/ Melhor é, merecê-los sem os ter,/ Que possuí-los sem os merecer”. Tenho a ilusão de que sou menos pior escrevendo. Por isso, querendo saber mais, leiam meus livros. É a melhor homenagem e o melhor reconhecimento que alguém pode prestar a um escritor: ler o que ele escreveu. Como a pintores, contemplar os quadros que eles fizeram , a atores assistir ao filme ou à peça de teatro, a cantores ouvirem suas músicas e assim por diante. Obrigado, como nos ensina o berço da palavra, e lembrou recentemente o reitor honorário da Universidade de Lisboa, António Sampaio da Nóvoa, designa que temos uma obrigação doravante com quem nos ouviu. O Inglês, o Alemão, o Italiano, o Espanhol e o Francês diriam thanks (do mesmo etimo de pensar: vou pensar em você), Denken (idem), grazie (dar alguma coisa), grácias (ibidem) e merci (do mesmo étimo de mercado e de mercadoria, e também de mercê). Mas o Português não é assim. Nossa língua fixa vínculos muito fortes entre quem recebeu alguma coisa e quem a deu, que passam a ter suas vidas entrelaçadas dali por diante, como se fizessem uma aliança, regida por regras de bom convívio, que exclui apenas pensar ou mercadejar com quem nos agraciou, às vezes não com palavras, mas com o silêncio, ouvindo-nos para que externássemos o que achamos ser do interesse de ouvintes e leitores. Quis ter misericórdia para com ouvintes e leitores, e não abusar da paciência deles. Mas de boas intenções o inferno está cheio, nos ensinou São Bernardo, reiterando que é preciso fazer e não apenas ter intenção de fazer. Declaro, pois, que cumpri na longa caminhada do berço em Siderópolis, onde estive deitado tanto tempo, sob a ameaça de vizinhas que profetizam como sibilas sinistras “este não se cria”, por vezes convencendo até minha mãe, o último requisito para chegar até aqui: fazer este discurso e não deitar-me na cadeira 5, mas apenas sentar-me, certo de que, precisamos trabalhar e não abandonar o ofício depois que chegamos às Academias, como fazem tantos. Que esta Academia não seja cemitério para ninguém e, sim, berçário de novos livros, de outras obras. Para tanto, ouço a voz de meu pai, alegre e contrário ao triste vaticínio da sibilias: “Este se cria, sim”. Tanto estava certo meu pobre pai em sua solitária esperança, como se sabe o último dos males da caixa de Pandora, que o filho se criou. Perguntemos, por fim, e por que a esperança foi concebida pelos antigos gregos e latinos como um mal? Porque a esperança pode nos enganar sobre o futuro. Que desta vez a esperança não nos engane e que aquilo que meus queridos confrades esperaram de mim ao me eleger para lugar tão honroso possa concretizar-se e que eu seja e faça aquilo que de mim esperaram e esperam. Muito obrigado a todos! (fim) Florianópolis, 21 de Julho de 2016