NOME DE POBRE NO BRASIL

quarta-feira, 19 de junho de 2024

PARABÉNS A VOCÊ: SUCESSO DE UMA TRADUÇÃO

Quem traduziu "Happy Birthday to you",a conhecida canção de parabéns em inglês, o latim do mundo? Uma senhora do interior de São Paulo ganhou o concurso de melhor tradução. Os royalties da versão brasileira de "Happy Birthday to You" são divididos assim: * 41,67% para a Fundação Hill; * * 41,67% para a Warner Chappel; * e 16,6% para a família de Bertha Celeste Homem de Mello *1902-1999), a brasileira de Pindamonhangaba (SP), que em 1942 venceu o concurso da Rádio Tupi para a melhor tradução da canção de aniversário, até então. O Ecad arrecada, mas a cobrança é feita apenas de emissoras de rádio e televisão. A canção lidera o ranking de arrecadação do Ecad, mas a quantia não é revelada. Muitos cantam diferentemente, mas a tradutora fixou assim a letra em português: "A versão original de Bertha de Mello é: "Parabéns a você Nesta data querida Muita felicidade Muitos anos de vida". O costume de celebrar o dia do nascimento começou no Egito por volta de 3000 a.C., mas apenas o aniversário de faraós e deuses. Os antigos romanos foram os responsáveis por divulgar a tradição "urbi et orbi" (em Roma e no mundo). Levaram-na a Portugal, de onde chegou ao Brasil.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

O HOMEM, O BURRO, O CÃO E O MACACO Num texto antológico, um talentoso escritor baiano, Xavier Marques, autor hoje meio esquecido, diz que Deus deu apenas trinta anos ao homem quando o criou. Mas profetizou-lhe boas coisas: "Serás o senhor da Terra e o animal superior". O homem ouviu calado. A seguir, criou o burro, dando-lhe, porém, cinqüenta anos. No destino do muar não havia dúvidas acerca dos trabalhos e sofrimentos que o esperavam: "Vais viver como escravo do homem, conduzi-lo, a ele e a todos os fardos que te puser às costas". O burro ficou inconformado: "Escravidão, cargas, privações, e viver cinqüenta anos! É muito, Senhor, bastam-me trinta". Deus não lhe deu ouvidos e criou o cão. "Viverás trinta anos. Sofrerás açoites, mas, humilde e fiel, tens que lamber a mão que te castiga". O cão não gostou: "Vigiar dia e noite, ser açoitado, padecer fome e viver trinta anos! Não, Senhor, quero apenas dez!" O Senhor nem ligou para o cachorro, que já começava ali a cumprir seu ingrato destino. Dependendo do dono, é claro. Deus continuou a criação e fez o macaco. "Teu ofício é alegrar o homem, arremedando-o, fazendo esgares" para "dissipar-lhe a tristeza e entreter-lhe o humor". Também o macaco quis viver menos: "Senhor, é demasiado para tão ingrato mister. Basta-me viver trinta anos". O homem, até então calado, pede a palavra: "Vinte anos que o burro não quis, vinte que o cão enjeitou, vinte que o macaco recusa, dai-mos, Senhor, que trinta anos são muito pouco para o rei dos animais". O Senhor concordou, sob sinistras condições: "Toma-os; viverás os noventa anos, mas com uma condição ? cumprirás, em tua vida, não só o teu destino, mas também o do burro, o do cão e o do macaco". Direito e ofensa Conclui o narrador que assim vive o homem: até os trinta, tudo vai bem. O homem vive como homem, de acordo com o planejamento inicial do Criador. Mas quando começa a viver a quota dos animais, a coisa vai ficando complicada. "Dos trinta aos cinqüenta tem família e trabalha sem repouso para sustentá-la. É burro". Dos cinqüenta aos setenta, o homem vive como sentinela da família, defendendo-a, mas, sem poder impor sua vontade, tem apenas obrigações. Contrariado e humilhado, apenas obedece. É cão. Dos setenta ao noventa, o que ia mal, fica ainda pior. "Sem forças, curvo, trôpego, enrugado, vegeta a um canto, inútil e ridículo. Faz rir com sua gula, sua caduquice e sua própria rabugem. Sabe que não o tomam a sério, mas resigna-se e tem gosto em ser o palhaço das crianças. É macaco!" Parodiando Xavier Marques, eis um resumo da vida do professor. Até os trinta de trabalho, alcançados entre 55 e 60 anos de vida, está no esplendor, não pára de estudar e de ensinar, sobretudo se for professor universitário. Mas dali por diante começam sérias complicações. Inicia sua jornada de burro, pois, ainda que aposentado, precisa continuar trabalhando. E para isso, é necessário um novo emprego. Se o obtém, torna-se séria ameaça aos jovens que estão chegando ao mercado de trabalho que, com razão, estranham sua presença ali. Não deveria estar descansando? Os jovens servem-se da experiência do colega mais velho, mas impõem-lhe tratamento somente dispensado a cachorros e assim mesmo por donos desalmados. Dali por diante e até morrer, se resolve invocar a dignidade do ofício em épocas mais remotas, é tratado como palhaço ou caduco, o que dá no mesmo, pois não lhe prestam atenção. Acham que sua função é diverti-los apenas. E se vive no Brasil, sua aposentadoria deixa de ser vista como direito adquirido e passa a ser considerada suprema ofensa.
(*) texto de Deonísio Da Silva, edição 194 do Observatório da Imprensa, 16 de outubro de 2002

sábado, 14 de janeiro de 2023

O SANTINHO DE ALBERTINA BERKENBROCK Deonísio da Silva * Houve quem achasse que a beleza poderia prejudicá-la. O santinho da catarinense Albertina Berkenbrock não tem o frescor adolescente da imagem real. A imagem real foi vetada pelo próprio papa Bento XVI quando a beatificou. Hoje seria parecida com Gisele Bündchen e com outras tantas beldades do Brasil meridional, um celeiro de modelos e misses de rara beleza. Mas a beata brasileira, na efígie aprovada no Vaticano, semelha uma jovem senhora. O santinho de Albertina Berkenbrock é reprodução de pintura feita por seu professor, Hugo Berndt, um oficial do exército alemão que, em viagens de núpcias, em 1913, desertou, fixando-se primeiramente no Rio de Janeiro e por fim na localidade de São Luís, no município de Imaruí (SC), onde a adolescente de apenas 12 anos foi assassinada em tentativa de estupro por empregado da família chamado Manuel Palhoça. O resumo do crime dá poucas pistas do autor, aliás identificado por método sobrenatural: outro já estava preso, mas o cadáver da menina sangrava quando Manuel Palhoça se aproximava do estrado onde tinha sido posto. O leitor encontrará escassos registros na mídia sobre o assunto. O papa Bento XVI assinou o Decreto de Beatificação em 16 de dezembro de 2006. O prefeito da Congregação para as Causas dos Santos, cardeal José Saraiva Martins, veio do Vaticano a Santa Catarina com o fim de presidir à cerimônia em que ela foi proclamada bem-aventurada (20/10/2007), em Tubarão (SC). Albertina Berkenbrock, filha de Henrique Berkenbrock e de Josefina Boeing, nasceu a 11 de abril de 1919, na localidade de São Luís, em Imaruí (SC), e ali morreu no dia 15 de junho de 1931. Tinha, pois, 12 anos! Muitos parentes seus ainda moram na mesma localidade onde ela, resistindo ao estupro, morreu virgem, degolada por um empregado da família. Quem atestou que ela morreu virgem foi a parteira que ajudara sua mãe a dá-la à luz. Originalmente habitado por índios, principalmente carijós, o estado de Santa Catarina recebeu muitos imigrantes europeus, sobretudo italianos, alemães e poloneses, entre 1870 e 1914, quando ocorreram as grandes ondas de imigração daqueles que fugiam da miséria, de doenças ou de perseguições políticas advindas das revoluções que pululavam na Europa, diz o documento. Os pais de Albertina eram imigrantes católicos procedentes da Vestfália. Quem tem beleza, exerce atração. Quem exerce atração, exerce poder. Albertina Berkenbrock não foi vítima de sua beleza. Foi vítima de um assassino cruel. Quem confessou o crime foi condenado e cumpriu a pena que lhe foi imposta. (Nota posterior à publicação: Resta saber se cometeu o que confessou). * professor e escritor. Este artigo foi originalmente publicado na revista VEJA ON-LINE. º professor e escritor

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

PADRES CASADOS E padres solteiros, mas com filhos Deonísio da Silva º Há cerca de 60.000 padres casados no mundo, segundo levantamento feito pela revista italiana Civiltà Cattolica", a mais antiga da Itália. Eles pediram dispensa para constituírem famílias, inconformados com o celibato. No Brasil, 25% dos padres têm feito isso. Antes do Concílio Vaticano II, o padre que abandonava a batina era designado preconceituosamente por apóstata, quase um palavrão. O celibato não foi imposto pela Igreja, a não ser depois do Século XII, nos dois Concílios de Latrão, embora fosse recomendado desde o Século IV. No Século XVI, o Concílio de Trento reforçou o voto de castidade para os padres, tornando ainda mais rígidas as regras do celibato. Mas muitos padres seguiram descumprindo essas normas. O padre José Maurício Nunes, destacado músico do Século XIX, apoiado pir Dom João VI, autor de composições sacras referenciais, que viveu no Rio entre os Séculos XVII e XVIII, teve cinco filhos com Severiana Rosa, mulata como ele. O padre João do Souto, que viveu em Curitiba no Século XVII, teve muitos filhos com a índia Generosa. Há descendentes de padres por todo o Brasil. Alguns dos pais que os criaram sabiam disso; outros, não. Mas as mães sempre souberam, naturalmente, quem eram os pais de seus filhos. Padres casados? Talvez a aprovação demore, mas alguns deles têm filhos e netos. Como TODOS os sacerdotes têm desde o Antigo Testamento. O sacerdócio remonta a Mequisedec. Sou católico e acho que o celibato deveria ser optativo, não uma "conditio sine qua non" (requisito indispensável). º professor e escritor

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

A OCASIÃO FAZ O LADRÃO?

Machado de Assis discordou. Está no romance "Esaú e Jacó", cap. LXXV, intitulado PROVÉRBIO ERRADO: “- Não é a ocasião que faz o ladrão, dizia ele a alguém; o provérbio está errado. A forma exata deve ser esta: a ocasião faz o furto; o ladrão nasce feito". Diversos códigos penais basearam-se em tão triste concepção do gênero humano para vazar seus artigos. Segundo tal hipótese, o que garante não haver ladrões é um eficiente sistema de punição. Nas 282 cláusulas do Código de Hamurábi, baixado pelo rei da Babilônia no século XVIII a.C., as punições a furtos e roubos ocupam boa parte do diorito, a rocha em que estão gravadas: “Se o comprador não apresenta o vendedor e as testemunhas perante as quais ele comprou, o comprador é o ladrão e morrerá. E o proprietário retoma o objeto”; “se alguém comete roubo e é preso, ele é morto.”. Machado de Assis (1839-1908), ainda que tão cínico e mordaz, corrigiu a máxima com muita propriedade para: “Não é a ocasião que faz o ladrão, o provérbio está errado. A forma exata deve ser esta: a ocasião faz o furto; o ladrão já nasce feito”. Pensando bem, é quase pior.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

ETIMOLOGIA INTERESSA A TODOS EM TODO O MUNDO O que eu faço na Bandnews desde 2011, se faz agora na BBC também... Se fosse minha aluna, tirava 9. Só errou a origem de AMAZONAS, originalmente nome de uma tribo iraniana ha-mazon. Quando eu tinha a idade dela e não tinha ainda os cadernos de anotações de Pierre Chantraine, também caí nessa. A origem de AMAZONAS como mulheres sem um dos seios foi uma das primeiras fake news da América, pois que baseada em outra, ainda mais antiga, o que lhe aumenta a aura de suposta verdade, vindo a tornar-se, pois, histórica. Amazonas, o rio, e a Amazônia, a região, têm sido assim chamados pela presença de mulheres guerreiras vistas a cavalo que queimavam ou cortavam o seio direito com o fim de melhor manejar o arco e a flecha. Esta versão lendária, vinda do Grego, passou pelo Latim e chegou a várias línguas, incluindo o Português, mas sua penúltima escala foi o Espanhol. O militar e explorador Francisco de Orellana, o descobridor do maior rio do mundo, disse ter enfrentado na expedição tribos guerreiras femininas semelhantes às lendárias mulheres da Capadócia, na atual Turquia. Foi uma das primeiras fake news da América, pois que baseada em outra, ainda mais antiga, o que lhe aumenta a aura de suposta verdade, vindo a tornar-se, pois, histórica. As inexistentes mulheres guerreiras sem o seio direito tiveram origem na semelhança entre a palavra iraniana ha-mazan, cavaleiros, e a palavra grega amázon, sem o seio, modificação de mázos, seio, antecedido do “a”, indicando negação. Talvez tenha contribuído para o engano de Orellana – ele não fez a confusão de propósito – ter enfrentado guerreiros índios nus e de cabelos longos, e confundido seus mamilos escuros com seios queimados das mulheres lendárias das quais ouvira falar nas cortes ou nas viagens. Ele teve cargos importantes, foi vice-governador de Guayaquil, no Equador, devia pegar de ouvido muitas histórias e lendas e não teve tempo de ruminá-las direito, pois morreu aos 35 anos. Em resumo, se não existia pecado do lado de baixo do Equador, por que mentir seria um deles? Orellana não mentiu, assim como não mente quem repete esta e outras lendas sobre a Amazônia, dando-lhes foros de verdade, agora não mais histórica, mas estatística. Para mentir e enganar bobos, a ferramenta mais usada até então eram números e porcentagens. Agora são fotos falsas. O contexto das novas lendas sobre a Amazônia tem, porém, um outro viés. A maioria dos brasileiros lia e escrevia pouco, mas ouvia e falava muito. Esta situação mudou com a chegada das redes sociais. De repente, o brasileiro passou a escrever o que antes falava, usando para expressar-se um misto de fala e de escrita, que na verdade é uma terceira língua: não é a língua comum falada nestas terras, mas também não é a norma culta da modalidade escrita até então lida em jornais e revistas, utilizada por quem escrevia nestes veículos e a aprendera nos bancos escolares lendo sobretudo os clássicos do idioma. Esses poucos ainda escrevem, mas já são minoria nas redações, inesperadamente tomada por profissionais quase ágrafos, entretanto portadores de diploma de curso superior. O que predomina, então, nas postagens parece ter vindo dos meios de comunicação social, sobretudo da televisão. Se a modalidade da língua interessasse apenas pela forma, os problemas seriam diminutos. Um erro de ortografia ali, outro acolá, uma regência indevida mais adiante, nada disso impediria o entendimento, mas o que ocorre é outra coisa. Não se diz mais coisa com coisa, deu a louca no português do Brasil. O caos é rapidamente instalado pelo desconhecimento dos assuntos e dos modos corretos de sobre eles dissertar por escrito. Mas o que mudou na fala e na escrita do brasileiro com acesso às redes sociais? Até recentemente o assunto predominante era o futebol. De repente a política tornou-se um grande tema nas redes sociais, talvez o principal, e definiu as últimas eleições presidenciais em favor de quem soube usá-las melhor. Diante da verborragia, mais impressionante ainda nos incautos, sobretudo quando ilustrada por conceitos e números malucos, não é de bom tom mandar calar a boca, como o rei da Espanha fez com Hugo Chávez há cerca de doze anos, tornando instantaneamente famosa mundo afora a frase “Por que no te callas?”. Por ter sido proferida originalmente em espanhol, língua mais franca do que o português, virou bordão no mundo lusófono e alistou ao lado de Chávez uma legião brasileira para apoiá-lo. Afinal, quem o rei pensava que era para ofender assim outro estadista? Mas, se não se deve mandar ninguém calar a boca, não se deve também acreditar em tudo o que os outros dizem. É preciso usar as três peneiras, um conselho atribuído ora ao chinês Confúcio, que viveu entre os Séculos VI e V a.C., ora ao grego Sócrates, no Século IV a.C.. A historinha ensina a passar qualquer notícia recebida por três peneiras: a da verdade, a da bondade e a da utilidade. E só divulgá-la depois disso. É verdade o que informaram? A divulgação foi feita por com boas intenções? É útil divulgar o que se soube? Também os antigos romanos se preocuparam com o que era tornado público e resumiram suas inquietações em dois provérbios invocados com frequência no mundo jurídico: cui prodest? (a quem interessa?) e cui bono? (para quem é bom?). Não apenas as redes sociais estão sem editor. Também o Brasil e o mundo. Ora, se ler é escolher, publicar é a primeira escolha sobre o que os outros vão ler. Como disseram nossos avós, ouvido não é penico. Os olhos também não devem ser. (xx)

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

NATAL: DATAS IMPRECISAS E PERSONAGENS LENDÁRIAS Deonísio da Silva * Nós designamos certas coisas por nomes que elas jamais tiveram, pois eram conhecidas por outras denominações. Também inventamos personagens para fazer viagens que nunca empreenderam, como é o caso dos três reis magos. Situamos festejos e celebrações em anos, meses e dias imprecisos. Este é o contexto das celebrações do Natal a cada ano que passa. Mas em se tratando do Natal quando foi que tudo começou a mudar? Provavelmente no Século IV com a chegada ao poder de Constantino, o Grande, que se torna o único imperador romano, acabando com a tetrarquia então vigente, ao vencer as tropas de Maxêncio na Batalha da Ponte Mílvia, uma das muitas pontes sobre o rio Tibre, nos arredores de Roma, travada a 28 de ou
tubro de 312. Constantino teria visto no céu, às vésperas da batalha, um halo solar, interpretado como uma imagem portadora de signos que traziam as iniciais de Jesus Cristo seguidas da frase latina "In hoc signo vinces" (Sob este sinal vencerás). Aqui entram as letras e as línguas. Foi do Latim que a frase migrou para as outras línguas da cristandade, que então se consolidou por todo o império romano, mas a frase apareceu no céu em grego: "En toutō níka". E foram em grego que as iniciais do nome de Jesus Cristo apareceram: "Qui" (X) atravessado por "Rô" (P), como nos informa Eusébio de Cesaréia (Século IV) em sua "Historia Ecclesiae" (História da Igreja). Dali por diante, as festas pagãs foram adaptadas às crenças cristãs e os cultos ao deus Mitra, trazido da Pérsia, personificado no deus romano "Solis Invictus" (Sol Invencível), tomaram conta de Roma, tendo entretanto demorado a chegar ao interior onde viviam povos mais apegados a divindades pagãs protetoras da agricultura e da pecuária. Em resumo, o Natal foi celebrado primeiramente em metrópoles e depois nos vilarejos, mesclando-se a outros cultos, trazidos de muito longe, como se deu com o pinheirinho de Natal, árvore já venerada da Europa do Norte por manter-se verde também no inverno. E assim foi até que São Francisco de Assis, que viveu no Século XIII, na Itália, inventou o presépio, instalação que tomaria conta do mundo. Não tentemos, porém, conciliar religião e ciência, religião e história, mas apenas situar usos e costumes à luz desses conhecimentos. A data marcada para o nascimento de Jesus não pode ter sido 25.12.00, pois os romanos desconheciam o zero, que somente chegaria ao Ocidente no Século XIV. Assim, não pode ter sido no Século I que Jesus nasceu, uma vez Dionísio (entre os séculos V e VI), por erro de cálculo, situara o nascimento de Jesus no ano 753 da fundação de Roma, isto é, quando a cidade eterna comemorava quase oito séculos de existência. Dionísio fez isso no ano 532 ou 284 da era de Dioclesiano, como eram então contados os anos, e denominou a nova era Anno Domini (Ano do Senhor). Mas Jesus não pode ter nascido no ano indicado por Dionísio e, sim, entre os anos 8 a.C. e 4 a.C. Comparemos as narrativas. O rei Herodes que recebeu os magos é Herodes, o Grande, que nasceu em 73 a.C. e morreu no ano 4 a.C. Foi ele quem, ao descobrir que os magos tinham voltado por outro caminho, enganando-o, mandou matar todas as crianças com menos de dois anos de idade. Foram chacinadas cerca de 2.000 crianças, segundo estimativas de pesquisadores cristãos. Mas também este morticínio infantil é controverso, fruto de versões tidas por lendárias. Em resumo, aos poucos certas lendas cristãs se consolidam. Juntam-se novos elementos, incluindo acontecimentos sobrenaturais com no Evangelho de São Lucas: um anjo do Senhor aparece a pastores que estão guardando seus rebanhos nos arredores de Belém, tranquilizando-os diante da grande luz que o trouxera até eles: “Não temais”. E os acalmou porque grandes luzes no céu, como estrelas e cometas, eram tidos como causadores de desgraças. Pastores são personagens bíblicos importantes. Moisés, Abrahão, Jacó e o rei Daví foram pastores. Trinta anos mais tarde, ao iniciar sua pregação, aquele menino faria muitas parábolas com pastores e ovelhas, e se diria pastor, o bom pastor. Até hoje o cajado do pastor integra os paramentos do papa. Depois surge uma multidão de anjos cantores que entoam: Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade. Depois que os anjos vão embora, pastores vão à cidade de Belém e saem dali contando para todo o mundo o que viram, ouviram e sentiram. Seguindo o exemplo do marido, que jamais diz uma única palavra em toda a Bíblia, apenas faz o que é necessário para criar e proteger o Menino Jesus, Maria fica em silêncio: “Maria guardava todas estas coisas no seu coração, meditando sobre elas”. Pula para 2014. “Jesus esteve aqui, ele falava hebraico e…”, dizia o primeiro-ministro israelense quando foi interrompido pelo Papa Francisco: “Aramaico”. Netanyahu retrucou: “Falava aramaico, mas sabia hebraico”. O diálogo aconteceu durante a visita do Papa a Jerusalém, em 2014. O Menino Jesus, dileto filho do judaísmo, nasceu quando sua terra, hoje cercada de inimigos por todos os lados, estava sob domínio dos romanos. No contexto cultural greco-romano, vigoravam quatro idiomas. O hebraico era a língua do templo, um centro de poder da região ocupada, mas Jesus, de fato, como esclareceu o Papa, falava aramaico. As duas línguas hegemônicas na Palestina no primeiro século eram, porém, o latim e o grego. Como resultado deste pluralismo linguístico, a maioria do povo era bilíngue, e a elite era multilíngue. Todos falavam aramaico, rezavam em hebraico, mas lidavam com documentos escritos em latim, operados por soldados e funcionários do Império Romano que falavam latim e grego. No comércio, o idioma dominante era o grego. "Como se deu o nascimento de Jesus? A narrativa mais literária é a do Evangelho de São Mateus. Diz que José pensou em divorciar-se secretamente de Maria, pois afinal ela estava grávida sem que eles tivessem consumado o casamento. Inquieto, o marido não queria, porém, prejudicar a jovem". Logo na abertura do capítulo dois, vem a noite de Natal: “Tendo Jesus nascido em Belém da Judeia no tempo do rei Herodes, eis que vieram uns magos do Oriente a Jerusalém”. Eles já chegaram perguntando: “Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer? Vimos sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo”. Deste pequeno trecho foram tirados os três reis magos que estão no presépio, mas notemos que os leitores e os ouvintes acrescentaram muito ao que ouviram ou leram. Mateus não disse que eram três, nem disse que eram reis. Continua Mateus: “A essa notícia, o rei Herodes ficou perturbado e toda Jerusalém com ele”. Herodes chama os reis para uma conversa secreta no palácio e pede-lhes: “Ide e informai-vos bem a respeito do menino. Quando o tiverdes encontrado, comunicai-me para que eu também vá adorá-lo”. Rumo a Belém, os magos seguiram a estrela, que foi “até o lugar onde estava o menino e ali parou”.”Entrando na casa, acharam o menino com Maria, sua mãe”, depois de o adorarem, “abrindo seus tesouros, ofereceram-lhe presentes: ouro, incenso e mirra”. Destes três presentes surgiu o número dos reis. Nos séculos seguintes, foram aumentando os detalhes. Eram três, eram reis e tinham nomes: Baltasar, Gaspar e Melquior. Cada um deles era de uma das três raças básicas do gênero humano: negra, branca, amarela. No século XIII, São Francisco de Assis construiu o primeiro presépio. Pessoas e animais vivos foram levados para sua instalação. O menino Jesus, protegido por José e Maria, estava numa manjedoura, todos dentro de uma gruta – mas Mateus disse que era uma casa! – e ao redor, o santo, que gostava muito de animais, levou ovelhas, vacas, bois e burros para compor o cenário. O famoso viajante Marco Polo, que morreu em 1.324, aos setenta anos, contou ter encontrado na Pérsia o túmulo dos “três reis magos”. E ficou impressionado com o excelente estado de conservação dos cadáveres, que continuavam com o cabelos e as barbas intactos. Ele não sabia que, levados para a Itália, os restos mortais destes “três reis magos” seguiram para a Alemanha no ano de 1.164 e estão até hoje num dos altares laterais da Catedral de Colônia, uma das mais belas do mundo. Em resumo, o Natal que hoje celebramos é um conjunto de lendas muito bonitas, algumas delas apoiadas em dados históricos, outras fruto da imaginação dos narradores, acrescida de contribuições da tradição. * Escritor e professor, Doutor em Letras pela USP e Professor Visitante da Universidade Estácio de Sá, onde é editor do Instituto da Palavra.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

TEMPO DO MENINO JESUS E DO PAPAI NOEL Publicado também na Veja on-line e no Instituto da Palavra: https://portal.estacio.br/instituto-da-palavra Durante dois milênios não houve Papai Noel, e o Menino Jesus reinou triunfante no Natal, sem avós, sem tios, sem quaisquer outros parentes, nem amigos, acolhido e cuidado apenas por sua mãe e seu pai, rodeado de animais num estábulo, entretanto saudado por anjos e visitado por reis. Em presépios medievais, o número de soberanos passou de duzentos, dando a ideia de que monarcas de todo o mundo foram visitar aquele que seria o rei dos reis. Mas por que tudo mudou tanto? Machado de Assis pergunta em célebre soneto: “Mudaria o Natal ou mudei eu?”. Tudo mudou primeiramente porque os evangelhos, incluindo os apócrifos, inventaram um outro Jesus. As festividades de Natal surgiram apenas no século III. Mandatários cristãos fizeram coincidir o nascimento de Jesus com uma grande festa pagã, realizada em dezembro, no solstício de inverno (no hemisfério norte; no hemisfério sul é solstício de verão), tornada oficial pelo imperador romano Aureliano para homenagear o deus Solis Invictus, o Sol Invencível. A Igreja procurava fazer as pazes com o poderoso Império Romano que tanto a perseguira no passado, mas do qual tornara-se promissora aliada, como demonstraria no século seguinte, a partir do reinado de Constantino, o Grande. Jesus nascera em Belém porque Maria, já nos últimos dias da gravidez, viajava em companhia do marido para atender ao recenseamento ordenado pelo imperador César Otaviano Augusto e dado a cumprir por Quirino, governador da Síria, jurisdição à qual estava subordinada a Judeia. As informações deveriam ser dadas em Belém porque José, o declarante, tinha nascido lá, a 150 km de Nazaré, onde o casal então vivia. Na época, a distância era percorrida em quatro ou cinco dias, provavelmente em caravana de camelos. Dizem os Evangelhos que a gravidez de Maria foi anunciada pelo anjo Gabriel em meio a uma luz muito brilhante. No século VII, este dia foi fixado em 25 de março e tornado festivo para celebrar a Anunciação, com o fim de fazer com o que nascimento do menino ocorresse exatamente em 25 de dezembro, pois até então o Natal era celebrado em outras datas. No século XIII, São Francisco de Assis, nome religioso de Giovanni di Pietro di Bernardone, que viveu entre fins do século XII e começo do século XIII, fez mudança decisiva no Natal, ao instalar o primeiro presépio do mundo. No início, em Assis, os personagens eram moradores da própria localidade, mas a partir do século XV, em Nápoles, foram substituídos por manequins de madeira. E da Itália, sede da cristandade, este tipo de presépio espalhou-se pelo mundo inteiro. Já Papai Noel é personagem lendário, entretanto amparado na existência real de São Nicolau, um arcebispo irlandês que viveu entre os séculos III e IV e que ajudava muito os pobres. Certa vez, teria poupado três irmãs da escravidão ou da prostituição, ao colocar moedas de ouro na chaminé da casa onde moravam e assim possibilitar-lhes pagar os respectivos dotes.
Todavia o Papai Noel, tal como o conhecemos hoje, deve muito ao conto Uma visita de São Nicolau, escrito pelo americano Clement Clark Moore, em 1822. Foi este autor quem fixou a residência de Papai Noel na Lapônia, na Finlândia, e é dele também a invenção de que o bom velhinho viaja numa carruagem puxada por renas. Reza a frase famosa que “quando a lenda supera a realidade, publica-se a lenda”. É o que vem acontecendo com o Natal há milhares de anos!

quinta-feira, 27 de junho de 2019

O EX-JUIZ E AGORA MINISTRO SÉRGIO MORO E THE INTERCEPT BRASIL Sobre os vazamentos do Intercept, Moro disse que a montanha pariu um ridículo rato. Daí um jornalista foi explicar...E não explicou direito. Jornalista não precisa saber latim, mas precisa perguntar a quem sabe. Horácio não era grego, era romano, e não escreveu "a montanha" e , sim, "as montanhas". Ele colocou o verbo no plural e no futuro, mas quem popularizou a frase pôs o verbo no presente e no singular. O único singular é o ridículo rato (ridiculus mus). Também não escreveu que as montanhas pariram um rato. Disse que as montanhas pariram, nasceu um rato. As duas frases atribuídas a Horácio vieram do Grego para o Latim por obra de Fedro, mas são de Esopo, que colocava muitos animais em suas fábulas porque provavelmente viera da Etiópia. Por isso, mesmo o francês La Fontaine enche suas fábulas de animais que não existiam na Europa. Por quê? Porque traduzia, copiava ou adaptava fábulas de Esopo, que tinham sido traduzidas, copiadas ou adaptadas por Fedro. Fedro e Horácio viveram em Roma. Não eram patrícios. Eram filhos de escravos. Em Roma havia três classes: patrícios (nobreza), plebeus e escravos. Ambos morreram de velhos, mas Esopo, que viveu cerca de seis séculos antes dos dois, não em Roma, mas na Grécia, foi condenado à morte e executado. De todo modo,

domingo, 2 de julho de 2017

RABO E BUNDA SÃO VULGARES. NÁDEGAS, NÃO. MAS POR QUÊ?

Os nomes dos ossos do corpo humano são curiosíssimos. Cóccix (bunda, rabo, nádegas) veio do grego "kókkyks", cuco, porque a junção das quatro vértebras lembrou a Galeno ( o famoso médico da Antiguidade), que designou assim, o bico do pássaro chamado cuco. Dali ao Latim "culum" e ao Italiano "culo" foi um pulinho. E no Português do Brasil virou palavrão, mas em Portugal, não! "Kokkyks: é também adúltero em grego porque o cuco põe ovos no ninho dos outros pássaros. Nádega veio do Latim vulgar "natica", já uma declinação de "nates", o que está atrás, que deu "nalgas" no Espanhol. No Grego, era "nôtos", e "pyge", se especificamente o ânus, origem da palavra uropígio, a sambiquira das aves. É provável que a origem remota de nádegas seja o Sânscrito "nitambah".
E bunda procede do Banto "bunda", nome de uma das etnias africanas que vieram para o Brasil, cujas negras tinham nádegas arredondadas e bonitas. Os homens também, mas olhavam mais para a mulher, que era referida por "aquela bunda", "chama a bunda", "olha que bunda bonita". Claro que a indicação era para ela, não apenas para seu "derrière". A mudança fez desta parte do corpo feminino a "peferência nacional". Mas por que uma palava se torna palavrão? Pelo uso e suas complexas sutilezas, mas também por arbitrariedade. "Boceta" designava bolsa feminina, caixinha e recipiente para o rapé dos homens até começos do século XX. E com tais significados aparece em Machado de Assis. PS. Depois do comntário do amigo Rubem Mauro, eis mais exemplos do Machado: "Extraía a boceta do bolso e tomava uma pitada". "Mateus, que para resistir ao golpe, tirara a bceta de tacabco...". "Fechou o papel na boceta, pô-la de lado, foi despir-se". "Sobre o toucador continuava a boceta, fechada..." "Onde estava boceta, abriu-a". "Reparei logo que a boceta era de ouro".

domingo, 11 de junho de 2017

LARANJA A PREÇO DE BANANA E BRAGRE ENSABOADO

Como surgiu a expressão "laranja" designando quem faz as vezes do antigo testa de ferro? Cláudio Moreno e eu bem que tentamos, mas as hipóteses que dão sua gênese continuam ocultas nas brumas da criatividade popular. E olha que eu morei por mais de vinte anos em São Paulo, estado responsável por 50% da produção mundial de laranjas. Sem contar "aquele rapaz do Paraná", como disse do deputado Rocha Loures, ora preso, o presidente Michel Temer. Já os maiores exportadores de bagre são o Mato Grossos do Sul e o Paraná. Quanto ao ambiente mais propício aos cabeças de bagre, isto todo mundo sabe que é o Internacioal, sobretudo a diretoria. http://veja.abril.com.br/…/deonisio-da-silva-laranja-a-pre…/ O Ministério Público e a Polícia Federal vêm dando à luz grandes laranjas-de-umbigo, agora vendidas a preço de bananas-da-terra. As forças da lei continuam em trabalho de parto e logo veremos o bendito fruto de seu trabalho. Logo serão revelados outros caroços que estavam debaixo deste angu. Os laranjas que faziam o serviço sujo de bagres ensaboados estão apreensivos com o cerco da polícia. E agora vão pôr as coisas em nome de quem? Ninguém mais acredita nos contos do vigário, e os padres coadjutores e até certos párocos já estão vendo o sol nascer quadrado, uma vez que tem sido impossível tapar o sol com a peneira. Quem não faz ouvidos de mercador e nem tem olhos de cabra morta percebe que hoje o Brasil já é outro, bem diferente daquele da impunidade habitual. Os inconformados podem ficar com cara de quem comeu e não gostou, mas vão ter que engolir a nova realidade. Os brasileiros de bem, que estavam com os corruptos atravessados na garganta, cansaram de comer a gororoba que lhes vinha sendo servida. Ninguém mais os emprenhará pelos ouvidos nos comícios, prometendo mundos e fundos, para depois esquecer tudo como se tivesse comido queijo em excesso. Não se pode mais enganar os trouxas o tempo todo. Antes as promessas entravam por um ouvido e saíam pelo outro, mas agora não mais. Terá vindo para o Brasil, personificado em trajes civis, o agente laranja, antes restrito a uso militar na Guerra do Vietnã? Neste caso, seu olhar de vaca atolada indica a encrenca em que se meteu. O professor e escritor Cláudio Moreno, referência no estudo do léxico do Português, foi chamado a designar com precisão o laranja, pois que a palavra de repente trocou de gênero, e também o bagrinho, que já se demora demais em terra, mas rendeu-se, como este que assina esta coluna, aos mistérios da criatividade luso-brasileira. Descobrir o caso zero da expressão “laranja” está mais difícil do que identificar os cúmplices das transferências biliardárias para contas suíças, com o agravante de que no Português não se pode contar com delações premiadas. De onde veio este laranja, que já não busca nem revela a outra metade, a laranja do casal? Do Vietnã, em vez da Pérsia e da Índia, de onde foi trazida a laranja que os dicionários designam? É pouco provável. Apesar de tratar-se de pecado original, pois desde as capitanias hereditárias há propriedades e posses em nome de outrem, quem comeu a laranja não foram Adão e Eva, apesar de também neste caso a Serpente ter feito a intermediação. Nossos primeiros pais comeram uva, figo, maçã e até banana, como queria o herege brasileiro Pedro de Rates Henequim, levado à fogueira por ter ensinado que o Paraíso estava localizado no Brasil, o fruto proibido tinha sido a banana e no Céu se falava Português! Mas laranja, não! Enquanto isso, encurtam-se os prazos que vão revelar, não apenas os laranjas, mas os bagres ensaboados que eles encobriram por tanto tempo.

sábado, 10 de junho de 2017

FLORBELA ESPANCA: LINDA, POETA GENIAL, DE VIDA TRÁGICA

"Não tenhas medo, não! Tranquilamente,/ Como adormece a noite pelo outono,/ Fecha os olhos, simples, docemente,/ Como à tarde uma pomba que tem sono…". A esposa era estéril e autorizou o marido a ter filhos com a empregada. O menino chamou-se Apeles, mas foi a menina que se tornou uma das grandes poetas de Portugal. Ganhava a vida como professora de Português. E deixou-nos sonetos lindos, como este, trazido hoje pelo Joel Cardoso. Mas, depois de um aborto, entrou numa depressão muito séria e tentou o suicídio três vezes. Na 3a vez, aos 36 anos, depois de tomar muitos barbitúricos, Florbela Espanca morreu. E dizer que o inventor alemão do barbitúrico deu este nome à droga por estar apaixonado por uma garçonete do restaurante que frequentava.

quarta-feira, 31 de maio de 2017

O LATIM MORREU? MAS NUNCA SE FALOU TANTO DO DEFUNTO...

O nome do feriado de CORPUS CHRISTI é evidência da presença de palavras e expressões vindas para o Português do Latim Eclesiástico ou Latim da Igreja. Antes, porém, sofreram influências de quatro fontes: o Hebraico, o Grego, o Latim Clássico e o Latim Vulgar. Certas expressões deste Latim são de difícil ou impossível tradução, como ocorreu com o Latim Clássico quando veio para o Direito: Habeas Corpus, Habeas Data, Data Venia, Pacta sunt servanda, Pro tempore, Et Caetera (etc), Stricto Sensu, Lato Sensu, Ipsis Litteris, Quorum, Per capita, Statu quo, In memoriam, Carpe Diem, Curriculum Vitae, Apud, Ad hoc, Honoris Causa, Persona non grata, Sine die, Sine qua non, Sine die. E as expressões mescladas: Ano Sabático, Mea Culpa, Via Crucis, Madalena arrependida, Saecula Saeculorum, Ex Cathedra, Ora pro nobis, Fiat lux, Ai Jesus, Ai meu Jesus Cristinho, Virgem, Meu Deus etc. Há outros exemplos: a) ALELUIA: alegria, em Hebraico); palavra composta de "allelu" (louvar) + "Javeh" (Javé, Deus); b) PENTATEUCO, cinco livros: do Grego penta ( cinco) + téuchos (objetos fabricados), livros); são os cinco primeiros livros da Bíblia: - Gênesis (começo, nascimento), - Êxodo "ex", fora, do "odos", caminho, distância percorrida, do mesmo étimo do hodômetro que marca a distância percorrida nos automóveis); - Levítico (de Levi, o primeiro da tribo dos sacerdotes: o nome Levi vem do Hebraico "Levah", união: a mãe dá este nome ao filho na esperança de que a criança a una ainda mais ao seu marido, pai da criança); - Números: do Latim "numerus"; em Grego é "arithmós", que deu aritmética) e - Deuteronômio: do Grego "deutos", segundo, de acordo, com a "nomos", a ordem, a lei; c) PENTECOSTES, festa em que se celebra a descida do Espírito Santo no cenáculo, onde estavam escondidos os apóstolos, com medo; ele desce em forma de pombinha ; quer dizer cinco períodos= 50 dias depois da Páscoa; do Grego "pente", cinco + "kostes", período; d) PARÁCLITO, consolador, o que vem para ajudar; do Grego "para", ao lado, junto + "kalêin", ajudar, socorrer. e) EUCARISTIA, comunhão, hóstia; do Grego "eu," boa, bela + "cháris", graça, dom, coisa recebida; f) BISPO, a maior autoridade da Igreja (o Papa é bispo de Roma), embora arcebispo e cardeal estejam acima dele; do Grego "epíscopos", vigia, protetor; de "epi", sobre + "kopêin", proteger, guardar, vigiar; do mesmo étimo de epiderme (parte de cima da pele), epicentro (sobre o centro); g) EPISCOPADO, sede de um bispado: do mesmo étimo de bispo; h) DIOCESE, reunião de paróquias; do Grego "dioíkesis", de "dioí", através, por toda a, + "kesis", de "oikos", casa: administração da casa; governo de uma região ou província; i) PARÓQUIA: está para a diocese, como o bairro para o município; do Grego "para", ao lado, perto + "oikos", casa: casa vizinha; j) IGREJA, local de reuniões, de cultos. Do Grego "ekklesía", assembleia; k) ECLESIÁSTICO:mesmo étimo de igreja; l) JUBILEU, celebração de 50 anos, com perdão de dívidas; do Hebraico "yobel", corneta. m) ANO SABÁTICO (hebraico). n) CREDO (admiração), VIA CRUCIS (sofrimento), MEA CULPA (foi minha culpa), ADVOGADO DO DIABO, CAPÍTULO (no sentido de cabildo, conjunto de cônegos numa catedral), EX CATHEDRA (fala ex cathedra, fala com autoridade), o canto gregoriano do papa Gregório I (séc. VI) e o calendário gregoriano do papa Gregório XIII (séc. XVI), MATER DOLOROSA. o) Expressões do Latim eclesiástico que se tornaram interjeições: MEU DEUS, NOSSA SENHORA, AI JESUS, MEU JESUS MISERICÓRDIA, MISERICÓRDIA, POR CARIDADE, MARIA VIRGEM, JESUS MARIA JOSÉ, MEU JESUS CRISTINHO, SANTA MARIA, AVE MARIA, PER SAECULA SAECULORUM, ORA PRO NOBIS. .

DEFENESTRAR É DEMITIR, MAS JÁ FOI PIOR...

O verbo defenestrar virou sinônimo de demitir, depor etc. Mas já defenestraram literalmente ao correr da História, como fizeram com o presidente boliviano Gualberto Villarroel López , de 37 anos. Ele foi jogado pela janela (fenestra, em Latim; donde o verbo), arrastado pelas ruas, massacrado a pau e pedras pela multidão e finalmente apunhalado no dia 21 de julho de 1946. Na ocasião foram mortos também Luis Uria de la Oliva (secretário particular), Waldo Ballivián (chefe do gabinete militar) e Roberto Hinojosa (diretor do jornal Cumbre).

sexta-feira, 14 de abril de 2017

NEOLOGISMOS E ESTRANGEIRISMOS

NEOLOGISMOS E ESTRANGEIRISMOS Os dois às vezes são indispensáveis, mas há falantes que exageram. Zeca Baleiro debocha dos exagerados no samba Approach. https://www.youtube.com/watch?v=x7BVUxDw9H4
Venha provar meu brunch Saiba que eu tenho approach Na hora do lunch Eu ando de ferryboat... Eu tenho savoir-faire Meu temperamento é light Minha casa é hi-tech Toda hora rola um insight Já fui fã do Jethro Tull Hoje me amarro no Slash Minha vida agora é cool Meu passado é que foi trash... Venha provar meu brunch Saiba que eu tenho approach Na hora do lunch Eu ando de ferryboat...(2x) Fica ligado no link Que eu vou confessar my love Depois do décimo drink Só um bom e velho engov Eu tirei o meu green card E fui prá Miami Beach Posso não ser pop-star Mas já sou um noveau-riche... Venha provar meu brunch Saiba que eu tenho approach Na hora do lunch Eu ando de ferryboat...(2x) Eu tenho sex-appeal Saca só meu background Veloz como Damon Hill Tenaz como Fittipaldi Não dispenso um happy end Quero jogar no dream team De dia um macho man E de noite, drag queen... Venha provar meu brunch Saiba que eu tenho approach Na hora do lunch Eu ando de ferryboat...(7x)

quinta-feira, 13 de abril de 2017

ACENAR, CUMPRIMENTAR, APERTAR A MÃO

Dar as mãos, apertá-las ou acenar para cumprimentar são gestos surgidos da necessidade de mostrar ao outro que você não tinha pedras nas mãos e não ia atacá-lo. Era um sinal de "pak" ou "pax", paz, que por sua vez designou originalmente uma pedra ou acidente geográfico marcando um limite. O outro te impõe limites e você também impõe teus limites. Se há conflito, as duas partes precisam fazer negócio, "nec otium", negar o ócio, deixar a preguiça de lado e trabalhar para a paz, invocando o intérprete (de "inter pretium", que explicava o "pretium ", o preço, cono fazia com as mercadorias), capaz de te entender e entender o outro, precisando, pois, conhecer ao menos duas línguas, com o fim de resolver a rivalidade (luta pela água de um mesmo "rivus").
Entendida a questão, chamava-se a "testis" (testemunha) um "tertius" (terceiro), que jurava com as mãos no "testis" (do mesmo étimo de testículo). Uma vez que nas legislações antigas somente homens poderiam testemunhar, e, como todos usassem vestes longas, as testemunhas faziam uma trouxinha dos órgãos, mostrando que eram homens e podiam jurar. Este ato perdurou imemorialmente num gesto obsceno, mostrando que você é rude, não é erudito ("ex rude", aquele que deixou de ser rude), mas viu o que aconteceu e tem culhões para testemunhar. Uma outra pessoa, então, estava autorizada a ser juiz, "jus dicere", dizer o direito, tal como tinha ouvido na audiência ("audientia") e tinha visto ("vistum", cujo plural é "vista", daí a expressão "pedir vistas: no processo) e exarava a sentença, do Latim "sententia", do mesmo étimo do verbo "sentire", sentir. Nenhuma sentença é objetiva. É o que o juiz sentiu, depois de ouvir e ler ("legere", ler) sem "ex-legere" (nada fora dos autos, o que está "inclusus", incluso, do contrário será "exclusus", excluído, como as provas ilícitas ( obidas por tortura etc.). Por isso, mesmo no STF, as sentenças podem ser por 6 x 5. E daí, como em tudo na vida, entra a "fortuna ", a sorte, ou a "pecunia", quem tem mais "pecus", gado, para pagar aquele que foi chamado, o a"advocatus", advogado.

O BEIJO DE JUDAS: ELE TRAIU OU FOI TRAÍDO?

Para Carlos Vereza, que estreia "Iscariotes" em Petrópolis (RJ), dia 21.04.2017, com uma outra versão da " traição" de Judas, retomando indícios do que escrevera o gaúcho Danilo Nunes na década de 1970 num livro pouco lido: Judas não traiu! Foi traído. Assim, o um beijo de traição famoso, aquele que Judas deu no Horto das Oliveiras, não seria de traição. Horto e não jardim, como em algumas traduções, pois não era de flores de ornamentação, era de cultivo de ingrediente à vida na Palestina daqueles anos: o óleo de oliva estava presente nas casas, não apenas para a comida, mas também para iluminar as residências. Beijo veio do latim basium. Outras líguas neolatinas, como o italiano e o espanhol, grafam baccio e beso, respetivamente. E uma curiosidade japonesa marca este vocábulo, uma vez que os nipônicos referem-se ao beijo como kissu, do inglês kiss. É controversa a passagem dos Evangelhos sobre o beijo de Judas como sinal de identificação para trair Jesus Cristo por 30 dinheiros: "aquele a quem eu der um beijo na face, é ele; prendei-o". Outros foram mais prosaicos ao falar de beijos, como Ramón Gómez de la Serna: "ás vezes o beijo não passa de um chiclete partilhado". Cruzes, que nojo! Já seu quase sinônimo, ósculo, veio do latim osculum, boquinha. Designa o beijo pela forma que tomam os lábios ao serem contraídos, tornando a boca mais arredondada. O beijo pode não ser casto, aliás, raramente o é, mas o ósculo é pudico porque exclui a língua e não faz sucção, livrando-nos por conseguinte de certos desconfortos do carinho público, quando casais indiscretos nos obrigam a ouvir ruídos de desentupidores de pia, acompanhados de trilhas sonoras que semelham o barulho de locomotivas prestes a partir. Mas como a temperança parece ser a grande medida das coisas amorosas, é bonito o beijo dos amados em praça pública... (Mais em: DE ONDE VÊM AS PALAVRAS, 17a edição)

domingo, 12 de fevereiro de 2017

GREVE DAS MULHERES DE ATENAS E VITÓRIA

As esposas dos policiais do Espírito Santo, estas novas “mulheres de Atenas”, cansadas de outra guerra, mostraram ser boas alunas de Lisístrata, uma personagem do grego Aristófanes. Na peça, ela lidera uma greve de sexo em 411 a.C., com o propósito de pôr fim às hostilidades que estavam arruinando a Grécia ontem. Hoje, outras guerras devastam o Brasil. Lisístrata significa em grego “desorganizadora do exército”, papel que não foi cumprido por nossas Lisístratas…
Há muitas outras diferenças que separam as antigas gregas das capixabas nesses mais de 2.400 anos. As divergências começam pela greve, que não foi das espírito-santenses e não foi de sexo. As gregas fizeram a greve delas, mas as brasileiras obrigaram os maridos a fazer outra greve, proibida pela Constituição. Assim procedendo, transformaram seus cônjuges em amotinados. Nós precisamos dar às coisas os nomes que as coisas têm e pelos quais são conhecidas. Greve é uma coisa, motim é outra.
As capixabas não fizeram greve, palavra vinda do Francês grève, nome de uma praça forrada de areia às margens do rio Siena, em Paris, onde trabalhadores se reuniam para reivindicar seus direitos, interrompendo o trabalho. As mulheres dos policiais amotinados foram designadas abundantemente na mídia por “mulheres”, nem “esposas”, nem “senhoras”. Esta sutileza diz muito dos lugares atribuídos à mulher na sociedade brasileira. E às vezes os conceitos e os preconceitos vêm tão escondidos que requerem uma leitura da estrutura profunda onde se homiziaram. A palavra mulher veio do Latim mulier para o Português e tornou-se hegemônica sobre seus sinônimos para designar o feminino de homem, mas há complexas variações no uso dos sinônimos quando a mulher é referida em outros contextos. Lembremos que a matriz latina de mulier para designar o mundo feminino é substituída quando a mulher recorre a médicos ou médicas ginecologistas para um exame ginecológico ou para fazer uma ginecoplastia. Daí o étimo é o Grego gynaikós, equivalente a “mulier” e “femina” no Latim. Desde sempre as mulheres têm desempenhado papel importante em momentos decisivos de nossa História. No real, de que são exemplos Ana Quitéria, Bárbara Heliodora, Chica da Silva e Anita Garibaldi, entre muitas outras. E no imaginário com obras artísticas e literárias famosas, como as três personagens emblemáticas de Jorge Amado, títulos de grandes romances: Gabriela Cravo e Canela, Teresa Batista Cansada de Guerra e Tieta do Agreste. Mas, como, segundo Hegel, a História só se repete como farsa, desta vez as senhoras do Espírito Santo, esposas de militares, representaram uma farsa e deram ao mundo mais um exemplo do jeitinho brasileiro: seus esposos as contrataram e terceirizaram a greve! Com tal procedimento, disfarçaram o motim, que tem punições muito mais rigorosas do que a greve.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

O POVO QUER PÃO E CIRCO

O senado brasileiro já foi palco de momentos gloriosos e embates de alto nível, semelhantes às decisões tomadas pelo senado romano nos seus primeiros tempos, instituição que serviu de modelo a senados de todo o mundo. Mas talvez hoje se pareça mais com o senado romano do tempo do poeta satírico Juvenal. Quando Juvenal escreveu esta frase, os senadores da Roma antiga discutiam longamente assuntos impróprios para o lugar, como o melhor modo de preparar um peixe. A outrora honrada classe política e audazes comandantes militares davam ao povo o que ele queria: comida e divertimento. Era como se hoje fossem distribuídos alimentos em frente aos tribunais e entradas gratuitas em todos os estádios.
Em Roma, o trigo era oferecido no Forum e os espetáculos eram apresentados gratuitamente em anfiteatros, dos quais o mais famoso foi o Coliseu, cujas ruínas perduram até hoje, atestando a competência de Roma também nas grandes edificações. Foi também em contexto semelhante que o general Pompeu dissera que “navegar é preciso, viver não é preciso”, convocando os comandados a zarpar, mesmo sob ameaça de tempestade, porque navios carregados de trigo tinham que chegar a Roma antes que o povo se revoltasse. Os autores das duas frases são historicamente muito próximos um do outro. Pompeu vivera no século I a.C., e Juvenal no século I de nossa era. Não tinha sido sempre assim. Caminhando no campo de batalha, depois de sua célebre vitória sobre os romanos, o rei Pirro notara que todos os soldados derrotados, mortos ou feridos, tinham sido atingidos pela frente, nenhum em fuga. E ficara muito preocupado. Já com mais dificuldades, pois os romanos iam aprendendo a enfrentar seus elefantes, Pirro voltou a vencer Roma na segunda batalha, mas propôs paz aos vencidos, servindo-se para isso de um embaixador chamado Cineas. Este dirigiu-se ao senado romano e estranhou que tantos decidissem o que Pirro, seu chefe, decidira sozinho. A proposta não foi aceita, e Cineas, maravilhado com a oratória dos senadores, disse a seu chefe no regresso: o senado romano é uma assembleia de reis. No tempo de Juvenal, não era mais. E por isso ele escreveu a frase que se tornaria famosa. Panem et circenses - pão e espetáculos, no original -, passou à História como pão e circo.

domingo, 22 de janeiro de 2017

FRASES FAMOSAS QUE NINGUÉM DISSE

“O Brasil está beira do abismo”, reconheceu o marechal Castello Branco, primeiro presidente do ciclo militar pós-1964. “O Brasil deu um passo à frente”, acrescentou seu sucessor, o marechal Costa e Silva. “Ninguém segura este país”, completou o ocupante do terceiro mandato autoritário, o general Emílio Garrastazu Médici, entronizado depois da Junta Militar que ficara no interstício entre o segundo e o terceiro. Verdadeiras ou lendárias, estas frases teriam sido proferidas, então, num curto período histórico, por três presidentes da República. Ilustradas em tom de deboche, estavam numa edição de O Pasquim, censurada e apreendida nas bancas. Todavia a primeira frase, “O Brasil está à beira do abismo”,  é mais antiga e vem sendo pronunciada desde os tempos imperiais. Foi registrada na peça de teatro O Diabo no Corpo, de Coelho Neto, apresentada pela  primeira vez em 1899, no Theatro Lucinda, no Rio, mas publicada em livro apenas em 1905. Não raro são frases ditas por políticos, mas arrumadas e editadas por jornalistas, quando não de autoria de intelectuais que as escreveram para serem pronunciadas por autoridades, como  diz Carlos Drummond de Andrade no poema O Sequestro de Guilhermino César, em que fala de “repartições públicas onde se cumpria o destino de literatos sem pecúnia,/ autores de discursos que jamais pronunciaríamos,/ pois os concebíamos para outros pronunciarem / no majestático palanque do Poder”. Há muitos exemplos de frases atribuídas a personalidades que entretanto jamais as pronunciaram. Lembremos três delas. “Elementar, meu caro Watson”, o célebre fecho com que o detetive Sherlock Holmes dá a entender  a seu amigo Watson que tudo estava claro desde o início. Ela não é encontrada em nenhum livro do autor. “O Brasil não é um país sério” foi atribuída ao general Charles De Gaulle. Ele nunca a pronunciou. E para homenagear o jornalista Augusto Nunes, que sabe tudo sobre Jânio Quadros, lembremos por último “Fi-lo porque qui-lo”, imputada ao presidente,  que entretanto jamais a pronunciou. Se a  proferisse, diria “fi-lo porque o quis”. Outras foram ditas e escritas, mas não do modo como se tornaram conhecidas. Eis duas delas. “Nesta terra, em se plantando, tudo dá” é creditada ao escrivão Pero Vaz de Caminha na certidão de nascimento do País, a sua famosa Carta do Achamento do Brasil. Sim, esta terra foi achada, não descoberta. A frase está lá, mas foi escrita de outro modo: “Querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo”. “Sangue, suor e lágrimas”. Esta é atribuída ao Winston Churchill em seu primeiro discurso na Câmara dos Comuns, em 1940. Mas Churchill ofereceu, não três, mas  quatro coisas: “Sangue, trabalho, lágrimas e suor”. Esqueceram o trabalho! Para escrevê-la, o então primeiro-ministro inspirou-se num discurso de Giuseppe Garibaldi, pronunciado em 1849: “Não ofereço nenhum pagamento, nem postos, nem provisões. Ofereço fome, sede, marchas forçadas, batalhas e morte”. O brasileiro é frajola e adora uma frase. Frajola, do Quimbundo fwala dyola, significa isso mesmo: por falar bonito, a pessoa é vista como elegante e faceira: fwala é falar; dyola é claro, puro. Frajola designou originalmente aquele que fala com clareza uma língua que a maioria não conhece. Atualmente designa indivíduo vestido com elegância exagerada. E assim fica o dito pelo não dito, uma outra frase famosa, aliás. http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/de-onde-vem-as-palavras-o-brasil-esta-sempre-a-beira-do-abismo/