NOME DE POBRE NO BRASIL
segunda-feira, 25 de maio de 2015
ERA UMA VEZ NO SUDOESTE
http://www.bpp.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=360
Notícias
19/07/2013
Helena #2: Era uma vez no Sudoeste
De minha vivência no Sudoeste do Paraná resultaram alguns livros de contos. Hoje podem ser lidos em Contos reunidos (2010). Algumas daquelas histórias se passam na cidade inventada de Sanga da Amizade, inspirada em minhas vivências no Sudoeste, especialmente em Francisco Beltrão.
Inventei Sanga da Amizade — Manoel Carlos Karam e Dante Mendonça, que conheci como diretor e ator de Doce Primavera, respectivamente, no Teatro Paiol, em Curitiba, gostavam muito deste recurso narrativo — para que fosse o cenário de várias das histórias de meu livro de estreia, lançado por Walmor Marcelino, com o título de Estudo sobre a carne humana (1975), com prefácio de Sylvio Back, com quem eu trabalhava de roteirista de cinema — a obra, com outros contos novos, seria reeditada com o título Exposição de motivos (1976). Dois dos contos do pequeno Estudo sobre a carne humana foram adaptados para a televisão por Antunes Filho, recebendo o título de Relatório confidencial.
Ilustração: André DucciEnredo kafkiano
Eu já não vivia mais no Sudoeste do Paraná e sentia os rigores da Lei de Imprensa e da Lei de Segurança Nacional em Ijuí (RS), para onde me transferira e estreava como professor universitário. Ali, comecei a cumprir a pena de dois anos de prisão, convertida em sursis (liberdade condicional), por obra da eficiente defesa de meu advogado Geraldo C. S. Bond.
Fui denunciado em Francisco Beltrão (PR) pelo Promotor de Justiça Substituto, Alberto Luiz Cassou, por pressão do major Jorge Baptista Ribeiro, comandante do 2º Grupamento de Fronteira, 2ª. Companhia de Infantaria, da 5ª. Região Militar, do III Exército, apoiado em recorte de um texto, publicado por engano, no lugar da crônica habitual que eu fazia semanalmente no jornal Tribuna do Sudoeste.
Soube que quem levou o texto aos militares foi Natalino Faust, presidente da Associação de Pais e Professores. O comandante militar tomou providências no dia 8 de julho de 1974. No dia 9, o Promotor Substituto fez a denúncia. No dia seguinte, o juiz substituto, Darcy Gonçalves Bartapelli, a aceitou. No dia 19 de setembro, fiquei frente a frente com o Promotor, com meu advogado e com o juiz substituto e fui devidamente qualificado. No dia 27 de maio de 1975, meu advogado requereu que fosse feito meu interrogatório, diante do juiz Raul da Costa Pinto e do escrivão Clementino Petla.
Eu já tinha a esse tempo — tudo corria muito rápido — prestado depoimento também na Polícia Federal, em Curitiba. Fui interrogado pelo General Alcindo Pereira Gonçalves, então Secretário de Segurança Pública. Saí dali e, instruído pelo General, fui ao DOPS buscar certidão negativa para integrar o processo de alocação de aulas no Ginásio Estadual Nova Concórdia. Durante todo o tempo, minha esposa, a professora Soeli Maria Schreiber da Silva, então com 21 anos, ficou ao meu lado e combinamos que não contaríamos nada às respectivas famílias. Nós tínhamos nos casado na Igreja das Mercês, em Curitiba, dois anos antes, quando ela estava com 19 anos e eu com 23.
O mundo amigo e inimigo
Não faltou quem prestasse bons serviços ao comandante militar, mas houve exceções. Os três diretores das escolas onde eu ensinava, Irmã Bárbara Zimmerman, do Colégio Estadual Mário de Andrade; Maria de Lourdes de A. da Silveira, da Escola Normal Estadual Regina Mundi; e Antenor Pezente, do Ginásio Estadual Nova Concórdia, todos deram atestados e declarações de que eu desempenhava com eficiência e assiduidade as funções de professor nos três estabelecimentos.
Antenor Pezente acrescentou no atestado: “Declaro mais, que o seu relacionamento com a direção desse estabelecimento, com os colegas de Magistério e com os seus alunos é o melhor possível.” Também a Inspetora do Ensino Médio, Ivete K. Accioly R. da Costa, esposa de um dos homens mais justos que eu conheci, que era juiz em Francisco Beltrão (RS), atestou que eu era bom professor.
Fui afastado dos dois estabelecimentos (menos do Ginásio Estadual Nova Concórdia) por pressões vindas de pessoas cujos nomes as diretoras, com o olhar espantado daqueles tempos, não ousavam declinar. Nem eu lhes perguntei. Porque sabia tanto quanto elas quais eram os integrantes da alcateia que então se formara.
Esclareço que soube de tudo e com atraso, pois eu fazia em Ijuí (RS) o Curso de Letras, ministrado nas férias escolares do ensino médio. Às vezes estava em Curitiba, onde estudava Inglês no Centro Cultural Brasil-EUA, cujas diretoras, Laila Cury e Úrsula Neufeld, deram atestados de que eu estudava Inglês e que minhas médias finais eram 90 e 94, respectivamente, numa escala de 100.
Memória revisitada
Também não vou esquecer o nome de Maria Bond, Inspetora de Ensino, esposa de Geraldo C. S. Bond! O nome de quem nos defendeu, a gente nunca esquece. Não esquece também os nomes daqueles que acusaram e, principalmente, daqueles que se omitiram na luta. Mas talvez seja ainda cedo para tratar de temas tão complexos que envolvem a memória de vivos e mortos!
Na defesa, meu advogado juntou uma declaração que hoje soa curiosa e passível de complexas interpretações. Antes de lecionar naqueles estabelecimentos educacionais, eu tinha formado comunidades eclesiais de base no sudoeste, em trabalhos mantidos pela Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural (Assessoar) e feito um curso de Teologia, intensivo, em 1970, que durou apenas um ano, em Curitiba. Nessa época, morei no Convento dos Padres Saletinos, no Jardim Social, em Curitiba. O documento dizia que na Assessoar eu integrava a diretoria, ao lado de Deni Lineu Schwartz, Euclides Scalco, Jorge Camilotti, José Emanuelli e Maria Salete Pereira.
No dia 10 de novembro de 1975, o juiz Raul da Costa Pinto me condenou a três meses de prisão por aquele texto, que tantos dissabores me causou, que tantas lições me deu e que me afastou dos meus alunos e dos meus colegas-professores de dois colégios que eu muito admirava e aos quais prestava o melhor ensino que eu podia, com assiduidade e pontualidade, como reconhecido pelas autoridades, mesmo naquele contexto adverso.
Mas o juiz converteu a pena em sursis (liberdade condicional), mediante algumas condições, entre as quais a de “não tornar a delinquir” (sim, leitores, houve um tempo no Brasil em que escrever era delinquir), “fixar residência e dela não se ausentar por mais de oito dias a não ser com autorização expressa deste Juízo” e “encaminhar a este Juízo exemplar dos escritos publicados durante o período de suspensão da pena, imediatamente após a sua publicação“. Dali por diante, durante alguns anos, escrevi com o pseudônimo de Kate Morel, por sugestão do jornalista Jefferson Barros.
Guerra sem testemunhas
Meu advogado em vão apelou ao Tribunal de Alçada, em Curitiba. O primeiro relator foi Jayme Munhoz Gonçalves, que negou provimento à apelação. O documento final da apelação 445/75, consolidando a negativa, é assinado no Acórdão 2566, pelos desembargadores João Cid Portugal (presidente), Schiavon Puppi (relator) e José Merger.
Aqui concluo este doloroso relato. Eu o fiz porque os leitores merecem que sejam levantados pelo menos alguns dos sete véus que ainda cobrem aqueles trágicos eventos. Em alguns casos foi uma guerra sem testemunhas. É verdade que está tudo resumido e anotado em diários que coleciono desde meus verdes anos!
Registro que me serviram de conforto memorável os apoios que recebi do médico Walter Alberto Pécoits, líder naquela região, vários anos antes, da única revolta social por terras em que os pobres venceram, e de sua esposa, dona Manuela, que viviam em Francisco Beltrão naqueles anos. Mais tarde René Dotti obteria da União memorável indenização porque seu cliente, Dr. Walter, perdera um olho durante as torturas que lhe foram infligidas.
Há muito mais a contar, mas sempre que mexo nessas feridas ainda dói muito. Doeu de novo, agora!
Deonísio da Silva é autor de 34 livros, entre eles O assassinato do presidente (1994) e Contos reunidos (2010). É professor universitário e vice-reitor de extensão da Universidade Estácio de Sá.
Ilustração: André Ducci
Todas as edições da revista Helena estão disponíveis online em: http://issuu.com/revistahelena
domingo, 24 de maio de 2015
ARQUIVO ABERTO Rio de Janeiro, 1974 No prédio da Light
ARQUIVO ABERTO
Rio de Janeiro, 1974
No prédio da Light
DEONÍSIO DA SILVA
"Nada temos a temer, exceto as palavras". Este bordão, reiterado ao longo do romance como um aviso, me desconcertou ao folhear "O Caso Morel", primeiro livro de Rubem Fonseca que eu li.
Era aluno do curso de letras num campus do Brasil meridional e recebi a tarefa de fazer um trabalho sobre o adultério mais comprovado do mundo. Mas desde que a americana Helen Caldwell inventara uma suposta ambiguidade em "Dom Casmurro", só se podia ler o romance de Machado de Assis com vocação para corno: diante de todas as evidências, nem sequer desconfiar.
Ex-seminarista e gato de bibliotecas (não gosto da metáfora do rato), eu já tinha lido todo o Machado. Propus Rubem Fonseca, cuja obra o professor também desconhecia. E vieram o acaso e suas leis, entretanto desconhecidas, como dizem os surrealistas. Entusiasmado, o professor ordenou-me que enviasse o pequeno ensaio ao editor.
Rubem Fonseca apreciou aquela heresia e me convidou para visitá-lo no Rio, dando-me o endereço: av. Presidente Vargas, 642.
Ao chegar, nova surpresa. Ali era a sede da Light, templo resplandecente do capitalismo. O autor, o sumo sacerdote de uma religião que seus personagens combatiam, não se parecia em nada com eles. Mas sua extrema cordialidade me desarmou. Em poucos minutos fluía uma conversa de doidos mansos.
Eu também o surpreendera. "Pensei que você tivesse uns 50 anos. Pela maturidade do que escreveu", ele me disse. O escritor tinha 49 anos; eu, 25. Era o dia 30 de julho de 1974.
Quais duas rádios em serenos solilóquios, dávamos os respectivos prefixos, procurando a sintonia mútua. O aprendiz logo percebeu que o mestre era muito ardiloso, com uma sabedoria que só têm os grandes autores. Quem escolhe o autor é o leitor. E era isso que tinha acontecido. Ele nada sabia de mim, mas eu estava em desvantagem.
Ele me perguntou se eu lera seus outros livros. "Não, nenhum, só este sobre o qual fiz o trabalho". Estreara havia onze anos, com "Os Prisioneiros" (1963), e tinha publicado também "A Coleira do Cão" (1965) e "Lúcia McCartney" (1967). "O Caso Morel" (1973) era seu primeiro romance.
Quando autografou "A Coleira do Cão", escreveu abaixo de meu nome "crítico e ficcionista". Ponderei que não tinha publicado nenhum livro, era rigorosamente inédito. E ele: "Você é ficcionista, é crítico. Só que ainda não publicou". Por suas mãos, dali a dois anos, eu estreava com um livro de contos na mesma editora que o publicava.
Às vezes, desarruma meus sentimentos a advertência que Clarice Lispector lhe fez num de nossos encontros, em 1974, depois tão frequentes: "Zé Rubem, você está ficando muito lido, isto não é um bom sinal, você preste atenção ao que eu estou dizendo". E ele, com humildade: "Eu dou muita atenção a tudo o que você me diz, Clarice".
Vieram outras águas, que moveram outros moinhos. Contra a censura, recorreu ao Judiciário. O processo durou de 1976 a 1989. Venceu, mas por 2 x 1, no TRF do Rio. Por pouco, "Feliz Ano Novo" não continuou proibido.
Meus trabalhos sobre a obra de Rubem Fonseca devem muito a professores que não a conheciam, como Guilhermino César, louvado num poema de Drummond. Formaram um aluno que trouxe milhares de leitores para a obra fonsequiana. Em autor de tantas complexas sutilezas, alguns livros têm mais qualidade do que outros, mas todos estão bem acima da média, sejam contos ou romances.
Sartre disse: "Os críticos são guardiães de cemitérios". Talvez porque mortos não reclamem de nada. No Brasil, poucos dedicam-se a descobrir autores vivos. Esperam que cheguem a seus pés, se possível contritos, pedindo favores. O trato justo e a conversa clara são evitados. No mundo literário, predomina a confraria do elogio mútuo. A regra é apagar quem discrepa ou simplesmente desconcerta.
A obra de Rubem Fonseca fez dele um autor imortal. Certo dia, um leitor distante dos centros de difusão literária descobriu seus livros por acaso, como alguns devem estar fazendo agora com outros autores.
sexta-feira, 8 de maio de 2015
MÃO INGLESA E MÃO FRANCESA
Na mão francesa, os automóveis circulam pela direita e têm o volante e os pedais do freio e da embreagem no lado esquerdo, e a alavanca de troca de marchas à direita. Na mão inglesa, dá-se o contrário: dirige-se pela esquerda, os comandos estão no lado direito, e a alavanca fica à esquerda.
Quem fez os primeiros caminhos foram os bichos. Muitas estradas foram construídas sobre seus rastros na costa de mares, lagos, lagoas e rios, nossos primeiros e naturais caminhos.
Quando o homem domesticou os primeiros bichos – isto é, trouxe-os para conviver com ele, dentro ou perto da domus, casa – uma das preocupações foram os caminhos.
Engenheiro que se tornou jornalista e escritor, Euclides da Cunha escreveu em “Os Sertões” um dos mais belos parágrafos sobre a relação entre o homem e o cavalo: “O sertanejo é antes de tudo um forte (...). Que lhe antolhem quebradas, acervos de pedras, coivaras, matas de espinhos ou barrancas de ribeirões, nada lhe impede de encalçar o garrote desgarrado, porque, por onde passa o boi, passa o cavaleiro com o seu cavalo.”
O engenheiro descreveu uma cena em que boi, cavalo e cavaleiro dispensam a estrada, mas estradas e ruas, e o modo de circular por elas, sempre foram indicadores de civilização.
Os antigos romanos construíram a “via”, de terra, depois “via strata”, isto é, calçada de pedras. Muitas delas ainda existem, inclusive a maior, de 3.000 km, ligando a Bélgica à Rússia.
Quando se encontravam, cada qual escolhia o lado esquerdo, pois a maioria era de destros e assim podiam manejar melhor a espada.
O cavalo, a espada e Napoleão estão na origem do costume de se andar à direita ou à esquerda. O imperador dos franceses era canhoto! E mudou de mão ruas e estradas. França e Inglaterra estavam, como sempre, em guerra.
Os ingleses desenhavam um dedo indicador numa tabuleta, ou recortado em madeira, para indicar o sentido da rua.
No mundo inteiro predominou a mão francesa, andar pelo lado direito. A Inglaterra é teimosa e continua à esquerda. (xx)
• Escritor e professor aposentado da UFSCar, é autor de 34 livros, alguns publicados também em outros países. Trabalha nas universidades Estácio de Sá e Unisul.
domingo, 3 de maio de 2015
BICHOS QUE SE TORNARAM SOBRENOMES
http://www.jornalpp.com.br/…/95531-significados-de-nomes-e-…
Os bichos não estão apenas ao redor da casa ou no pasto, estão também nos sobrenomes lusófonos, costume vinculado a crenças em totens, de que são exemplos Lobo, Tigre, Coelho, Carneiro, Raposo, Passarinho, Cordeiro, Bezerra, Cavalo, Vaca, Barata, Leão, Gato, Cão (Diogo Cão, navegador).
Os antigos romanos tinham Fabius (de faba, legume) e Catulo (catus, gato). Os escandinavos deram origem a Bernardo (do Sueco baer, urso). Os índios brasileiros tinham Jaguar (onça), Piragibe (espinha de peixe), Poty (camarão).
Também as árvores exemplificam a presença de totens em sobrenomes como Albuquerque e Carvalho (o étimo do Latim quercus, carvalho), Oliveira, Pinheiro, Nogueira etc.
Exemplo curioso é o nome Raquel, ovelha em Hebraico, a palavra tornou-se nome próprio feminino, a comparação foi com a beleza, a delicadeza e a mansidão da ovelha.
Camões, a referência solar da literatura portuguesa, fez um lindo soneto sobre a paixão de Jacó por Raquel, fechando os 14 versos com uma declaração de amor: “Mais servira, se não fora, para tão longo amor, tão curta a vida”.
É que Labão, o sogro, quando Jacó lhe pediu Raquel em casamento, impôs como condição que o futuro genro trabalhasse sete anos em troca da filha. E o enganou ao final do período, entregando-lhe, não a bela Raquel, mas a feia Lia, que tinha “remela nos olhos” e cujo nome tem o significado de vaca selvagem e cansada.
Jacó foi fiel à etimologia do próprio nome. Gêmeo de Esaú, mais tarde enganaria o irmão, com um prato de ervilhas. E, aconselhado pela mãe, Rebeca, cujo nome quer dizer animal atado com laço, vestiu-se de couro de cabrito para enganar o pai, Isaac, que, já cego, sabendo que Esaú tinha os braços cabeludos, quis conferir se era mesmo o primogênito que vinha buscar a bênção.
Ele já andava desconfiado de Jacó, cujo nome quer dizer trapaceiro. Esaú quer dizer riso: sua mãe Sara riu quando o anjo disse que ela, aos 80 anos, engravidaria e daria luz àquele menino.
(*) Escritor e professor aposentado da UFSCar, é autor de 34 livros, alguns publicados também em outros países. Trabalha nas universidades Estácio de Sá e Unisul.
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