NOME DE POBRE NO BRASIL

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

ETIMOLOGIA DE 28 DE SETEMBRO DE 2011

Conquistador: de conquistar, do latim vulgar conquisitare, do latim clássico conquirere, mas remotamente radicado em quaerere, procurar. Designou originalmente o chefe militar vitorioso que anexava territórios e ainda trazia os bens confiscados do vencido. Pitigrilli, pseudônimo do escritor e jornalista italiano Dino Segri (1893-1975), escreveu que quando levaram um pirata à presença do rei macedônio Alexandre, o Grande (356-323) para ser interrogado, este lhe perguntou: “Não te envergonhas do teu ofício?”. Ouviu em resposta: “Sou pirata porque possuo apenas um navio. Se possuísse uma esquadra, seria um conquistador.” Conquistador tem também o sentido de namorador.

Dita: do latim dicta, coisas ditas, feminino plural de dictum, dito, particípio do verbo dicere, dizer. Ganhou o sentido de destino, sorte, donde ditoso, feliz, e também desdita, falta de sorte. Em Os Lusíadas, de Luiz Vaz de Camões (1524-1580), Portugal é assim definido: “Esta é a ditosa pátria minha amada,/ À qual se o Céu me dá que eu sem perigo/ Torne com esta empresa já acabada,/ Acabe-se esta luz aqui comigo.”

Livralhada: de livro, do latim livrum, livro, declinação de liber, película entre a madeirae a casca das árvores. Era nesse tipo de material que se escrevia antes da descoberta do papiro, mas o nome se consolidou, mesmo quando o livro passou a ser impresso. Até o livro eletrônico é chamado de livro, e-book, abreviação do inglês eletronic book. Livralhada formou-se de livro e alhada, com exclusão do “o” em livro. O estranho e pejorativo coletivo é dito também livraiada, mas Eduardo Frieiro (1889-1982), escritor e professor mineiro hoje meio esquecido, preferiu livroxada, como se lê em Os Livros Nossos Amigos: “Acontece frequentemente que estes livros, pela maior parte, não são lidos e nem ao menos abertos. Essa livroxada vai-se então acumulando a um canto.”

Presbítero: do grego presbíteros, velho, ancião. Passou a designar autoridade importante na Igreja, sacerdote referencial, em cargo atribuído a um homem dentre os mais velhos da comunidade. Para os protestantes, presbítero equivale a bispo. Em algumas igrejas, presbítero é a pessoa eleita pela congregação para ser o chefe espiritual. Nos albores do cristianismo, a língua grega forneceu a designação para várias funções e instituições eclesiásticas e esses étimos permanecem na língua portuguesa, tendo ou não passado pelo latim, como eclésia, diocese, bispo, episcopal. E este é o caso de presbítero.

Seguro: do latim securus, firme, tranquilo, certo, adjetivo que indica ausência de risco, de perigo, isto é, sine cura, sem cuidado, mas aqui com o sentido de dispensar preocupação, inquietação, aflição, angústia, tarefa delegada a outrem, como no caso de seguro contratado. Como substantivo designa contrato pelo qual o segurador se obriga a pagar ao segurado uma indenização, caso ocorra algum sinistro. O professor Julio Cezar da Silva Pauzeiro (47), da Universidade Estácio de Sá, engenheiro e pós-graduado por várias instituições, fez estudos muito pertinentes sobre o tema, abordando em especial a relação entre segurados, corretores e empresas, num livro de leitura imperdível, intitulado As Estratégias Adotadas pelos Corretores de Seguros na Gestão de seus Negócios: um Estudo de Múltiplos Casos, publicado pela Escola Nacional de Seguros.

Tuitar: do inglês twitter, trinar como um passarinho, imitando seu canto. O sentido de postar comentários em microblogues, limitados a 140 caracteres, foi introduzido em 2006. Veio para o inglês do antigo alto alemão zwizziron, hoje zwistschern, gorjear ou tomar um gole.

Ultrapassar: do prefixo ultra, do latim ultra, para além de, mais longe, transpor, exceder, e de passar, do latim vulgar passare, afastar as pernas, passar. O prefixo está presente em ultramontano, para além dos montes, e o verbo ultrapassar aparece com frequência nos avisos de trânsito, quando sinais de advertência lembram que é proibido seguir em velocidade maior do que a do carro que está na frente ou mediante sinais nos quais aparece a figura de um veículo com uma faixa indicando proibição. Uma linha amarela contínua no leito da estrada, à esquerda do motorista, também indica que é proibido ultrapassar naquele trecho.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

ETIMOLOGIA DESTA SEMANA EM CARAS

Caderno: do latim quaternus, assim chamado porque originalmente era uma folha dobrada em quatro partes. Ele substituiu o rolo de papiro e a lousa portátil, depois que a grande lousa tornou-se recurso didático quase exclusivo do professor.

Difusão: do latim diffusione, declinação de diffusio, do mesmo étimo de fundere, espalhar, e de funda, funda, laçada de couro ou de borracha para atirar pedras. Na mídia, depois do jornal, do rádio e da televisão, a difusão ganhou dimensões de multimídia. Uma das conquistas mais recentes é expressa no neologismo podcast, palavra forjada pelo escritor britânico Ben Hammersley (36) a partir de iPod — I, eu, em inglês, e pod, acrônimo para portable on demand, portátil sob demanda, mas aqui com o sentido de Eu desejo — e broadcast, transmissão.

Lousa: do latim lausiae, pedra rasa assentada sobre a sepultura. Como redução de lausiae lapides, pedra de ardósia, designava a lousa, quadro de ardósia de tamanhos variados, com moldura de madeira, posta sobre a carteira escolar, fixada na parede ou sobre um cavalete, destinada a nela se escrever com giz. Desde a antiga Roma, o aluno levava a lousa para a schola, intervalo para aprender, depois que o ensino deixou a aula, o palácio, e foi levado a todos, livres ou escravos. Com o tempo, ficou apenas a lousa grande, que mudou de nome para quadro-negro, e em cuja superfície o aluno às vezes era instado a manifestar a todos os colegas e ao professor sua ignorância ou saber! No tablet, a ignorância e a sabedoria tornaram-se privativas de cada um, que vai partilhar apenas o que quiser!

Ouvir: do latim audire, a partir da raiz indo-europeia aus, orelha, presente no grego otós, genitivo de oûs, ouvido, étimo presente em otite e ótico. Não confundir com óptico. Ótico diz respeito ao ouvido, à audição. Óptico, à visão. Otite é inflamação do ouvido. Óptica diz respeito à visão e aos olhos. O poeta carioca Olavo Bilac (1865-1918) fez, entretanto, uma criativa e complexa união entre os dois verbos, ouvir e ver, nestes versos: “ ‘Ora (direis ) ouvir estrelas!/ Certo, perdestes o senso!’/ E eu vos direi, no entanto/ Que, para ouvi-las,/ muitas vezes desperto/ E abro as janelas, pálido de espanto./ E conversamos toda a noite,/ Enquanto a Via-Láctea, como um pálio aberto/ Cintila./ E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,/ Inda as procuro pelo céu deserto./ Direis agora: ‘Tresloucado amigo!/ Que conversas com elas?/ Que sentido tem o que dizem,/ Quando estão contigo?’/ E eu vos direi:/ ‘Amai para entendê-las!/Pois só quem ama pode ter ouvido/ Capaz de ouvir e de entender estrelas.’ ”

Tablet: do francês tablette, pelo inglês tablet, diminutivo de table, mesa, designando originalmente mesinha, placa, tabuinha e também livro de lembranças. Modernamente, aplica-se a computador pessoal, em formato fino e pequeno, que semelha a versão eletrônica da lousa usada para estudo entre os antigos romanos. Dispensando o mouse, é operado pelo sistema touch screen, toque na tela. O tablet não exclui o professor! Torna-o muito mais eficiente, por melhor aparelhá-lo! As bibliografias são inseridas, atualizadas e disponíveis, a um clique, o que permite a docentes e alunos um novo e poderoso quadro de referência para ensinar melhor. Há evidências de que a qualidade do ensino vem melhorando após a adoção do tablet.

Urbano: do latim urbanus, habitante da urbs, urbe, como era designada no latim a cidade, que passou depois a civitas. O étimo antigo ainda é predominante, como se constata em subúrbio, bairro nos arredores da cidade, e suburbano, aquele que mora nesses lugares. Urbano tomou o sentido de educado, em oposição a aldeão e vilão, habitantes da aldeia e da vila.

Vinheta: do latim vinea, vinha, pelo francês vignette, enfeite usado para adornar peça de mobília ou de louça e ilustrar manuscritos, servindo também para destacar ou separar certos trechos da escrita. Recebeu tal designação porque esses ornamentos tinham a forma de folhas de parreira e cachos de uva. No rádio e na televisão, designa chamada de curta duração utilizada em abertura, encerramento ou reinício dos programas, para destacar a estação, o conteúdo ou o patrocinador.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

MEC MOSTRA QUE ENSINO VAI MAL

MEC MOSTRA QUE ENSINO VAI MAL

De cada vez escolas públicas, oito não atingiram a média de 553,73 pontos nas provas do Exame de Ensino Médio (ENEM). A escala é de mil pontos. Assim, se a prova fosse bimestral, semestral ou final, os melhores alunos teriam tirado nota abaixo de seis!

É muito pouco! Mas a maioria nem a isso chegou. A escola classificada em primeiro lugar, o Colégio São Bento, do Rio, alcançou modestos 761,7 pontos. Também é pouco. Afinal, aluno que tem média 7,61 é um bom aluno, mas comparado a seus colegas europeus, americanos ou chineses não é!

A mídia está comparando as escolas públicas com as escolas privadas, mas são muitos os textos que omitem o seguinte: a rede pública responde por 88,2% de todos os alunos do ensino médio.

O ensino médio vai mal? Bem, nem precisava medir, o senso comum já sabe disso há muito tempo, mas de todo modo essas estatísticas servem para revisões e planejamentos, pois é preciso saber onde, quando, como e para que investir. O próprio MEC já sabia da situação calamitosa do ensino médio pelos exames do Sistema de Avaliação Básica (SAEB).

O que fazem as escolas que se saíram bem? Naturalmente, o óbvio: seus alunos estudam e têm melhores professores! Estas são as duas razões principais. Têm também melhores instalações.

O MEC já sabe o que fazer: reformar as instalações, pagar melhor os professores e exigir deles constantes estudos com o fim de aperfeiçoar o conhecimento das disciplinas que ministram, pois agora, com a atualização das bibliografias por meios eletrônicos (internet, tablet etc), eles correm o risco de saberem menos do que seus alunos mais aplicados, aos quais devem ensinar e não apenas com eles aprender.

A relação bunda-cadeira-hora, abandonada há anos na escola pública, que privilegia merenda, certamente necessária, mas os alunos não foram ali para comer, foram ali para estudar, deve ser retomada imediatamente. As escolas que ficaram nos primeiros lugares fazem no lugar onde estudam três refeições diárias e não apenas a merenda.

Seus alunos começam a estudar às 7h30 e saem às 16h20. Há ainda aulas de reforço em outros horários e provas e exames simulados aos sábados. Ali, porém, filhos de pobres não entram, a não ser em casos raríssimos: as mensalidades estão ao redor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

Os melhoramentos aplicados nas escolas de excelência podem ser estendidos a todas as outras escolas, públicas ou privadas. O segundo e o sétimo lugares, por exemplo, couberam ao Instituto Dom Barreto e ao Educandário Santa Maria Goretti, do Piauí.

Há outras surpresas no ranking. São Paulo, o mais avançado estado da federação em tantos quesitos, aparece com uma única escola entre as dez mais, atrás do Piauí, com o Vértice Colégio. O estado de Minas Gerais ocupa quatro das dez primeiras posições. E certas regiões, tradicionalmente bem avaliadas, como o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e o Paraná, não têm nenhuma escola entre as dez mais.

É bom o MEC medir. Sabemos que vamos mal e isso é um bom começo: conhecer a realidade para saber o que fazer. (xx)

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

ETIMOLOGIA DE BRASILIENSE, PERFÍDIA ETC

Brasiliense: de Brasil, mas a partir do nome de nosso país em latim, Brasilia, que aportuguesado, com acento no “i”, veio a designar a atual capital brasileira. Brasiliense e braziliense foram usados como alternativas a brasileiro, nosso adjetivo pátrio. O sufixo “-eiro” indicou originalmente o comerciante de pau-brasil e não nossa nacionalidade. Assim, o primeiro jornal foi o Correio Braziliense e o atual Hino da Indepedência chamou-se inicialmente Hino Constitucional Braziliense.
Conto: do latim computus, conta, enumeração. O étimo de putare, julgar, está presente nesta palavra e também em computare, contar, que ganhou o sentido de narrar pela enumeração de acontecimentos e detalhes em uma história. O conto de fadas, que precedeu as narrativas literárias curtas, tem sua grande referência no dinamarquês Hans Christian Andersen (1805-1875), que escreveu 156 contos infantojuvenis. Sua influência é tão grande que o dia de seu nascimento, 2 de abril, é o Dia Internacinal do Livro Infantil. Os contos mais conhecidos de Andersen são: O Patinho Feio, A Pequena Sereia e O Soldadinho de Chumbo. Também os irmãos Jacob (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859), alemães, recolheram e reescreveram fábulas que podem ser lidas como contos infantojuvenis. Os mais conhecidos são: Branca de Neve, Cinderela, A Bela Adormecida e Rapunzel.
Garbo: do italiano garbo, talvez com raízes no árabe qalib, modelo, molde. Tomou o significado de cortesia, amabilidade. Aparece na última estrofe do Hino da Independência do Brasil: “Parabéns, oh brasileiros/ Já, com garbo varonil/ Do universo entre as nações/ Resplandece a do Brasil”. A primeira estrofe também foi escrita com palavras rebuscadas e sintaxe arrevesada, como era próprio do estilo epocal: “Já podeis da pátria, oh filhos/ Ver contente a mãe gentil/ Já raiou a liberdade/ no horizonte do Brasil”. “Mãe gentil”, qualificando a pátria, aparece também no Hino Nacional, em que está presente a mesma metáfora da liberdade como Sol, “raios fúlgidos”, e a luz e o brilho implícitos no conceito: “do universo entre as nações/ resplandece a do Brasil”.
Helicóptero: do francês hélicoptère, aeronave de asas rotativas, ditas móveis, ao contrário das do avião, que se ergue verticalmente do solo e se desloca para cima, para baixo e para os lados. O francês aproveitou os compsotos gregos héliks, hélice, movimento circular, da raiz indo-europeia wel/welw-, rolar, rodar, e pterón, pena, penacho, pluma. A invenção do helicóptero se deve a franceses, alemães e ingleses, mas quem realmente fez por merecer a sua invenção foram o alemão Anton Flettner (1885-1961) e o russo Igor Ivanovich Sikorsky (1889-1972), em 1909.
Perfídia: título de famoso tango, aparece em sofisticados versos do Hino da Independência: “Os grilhões que nos forjava/ Da perfídia astuto ardil/ Houve mão mais poderosa/ Zombou deles o Brasil”. Naqueles anos, apenas a elite culta e frequentadora dos palácios conhecia palavras tão raras. Em quatro pequenos versos, três palavras são incompreensíveis para incultos: perfídia, astuto, ardil. Também a inversão sintática atrapalha a comprensão. Na ordem direta ficaria assim: o astuto ardil da perfídia forjava grilhões para nós. Mas apareceu mão mais poderosa (e) o Brasil zombou deles (dos grilhões). Grilhões eram correntes de ferro para prender condenados ou escravos. Ardil é armadilha, cilada. E perfídia é traição.
Televisionar: de televisão, do francês télévision e do inglês television, palavras surgidas respectivamente em 1900 e 1907, fez-se este verbo que designa o ato de transmitir programas à distância pela televisão. As transmissões feitas por canais abertos, mais populares, contrastam com aquelas realizadas por televisão a cabo, efetuadas pela primeira vez por John Watson (1914-1993) e sua mulher, Margaret, proprietários da Companhia de Serviços Elétricos de Mahanoy City, na Pensilvânia. Ele instalou uma antena no alto de um morro e fez a imagem chegar lá por cabo, mas no caminho conectou as casas de vários de seus clientes a esse cabo central. Hoje a televisão a cabo está presente em 60% das residências nos EUA e na Europa e em muitas no Brasil.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

A placenta e o caixão

Quem de nós já não se irritou com algum tipo de embalagem? Ah, escritores românticos! Como ignorastes o cotidiano das pessoas numa sociedade que se industrializou desse modo!

É de manhã, o astro-rei espalha seus primeiros raios fúlgidos sobre a parte que lhe cabe da pátria, o torrão em que vivem você e a família que você preside, antigamente a célula-mater da sociedade e hoje a célula-mártir, tantas as preocupações que desabam sobre o lar. O seu dia nem bem começou e você já está todo atrapalhado.

Na verdade, seus atrapalhos começaram ao acordar. Você dá um pequeno tapa no rádio-relógio para que o instrumento de suplício pare de bombardear seu ouvido com aquele zuem-zuem, bip-bip ou nheco-nheco. Se você despertou com rádio ou televisão, responda depressa: por que tanta gritaria nos comerciais?

Você, enfim, levanta com o pé direito, supersticioso que é. Mas como tirar o aparelho de barbear daquele bunker em que puseram a parte que tem a lâmina? Está escrito descartável. Descartável para quem? Mais fácil os aliados destruírem o esconderijo de Hitler na Segunda Guerra Mundial do que você arrebentar o invólucro onde a gilete está escondida.

Feita a barba, você se sente glorioso: sobreviveu e está com a cara limpa. Mais daí aquela toalha da poderosa indústria têxtil que proclamou suas vantagens na televisão - você bem que, outra vez, acreditou, pois é um homem de fé e acredita em todos eles -, com a qual você acaba de enxugar o rosto, deixa aqueles ridículos fiapos sobre a sua face de brasileiro envergonhado da sociedade high tech em que vive. Sua meia desfia ao menor toque da unha. Com sua consorte, não é diferente. Ainda na caixinha, sua meia-calça já foi rasgada antes de sair dali.

Sim, é verdade que temos carros luxuosos, máquinas sofisticadas e um arsenal de leis impressionante, sendo essa Constituição uma das mais prolixas do mundo. Mas você pensa que os constituintes, que tabelaram de mentirinha os juros a 12% ao ano, poderiam fazer uma Constituição modesta e de verdade incrustando artigos que tratassem de melhorar o cotidiano dos cidadãos? Por exemplo: a tampa do dentifrício há de ser menor do que a circunferência do buraco da pia? E como ser feliz se a tampa, como a felicidade, nunca está onde nós a pusemos e sempre cai onde não queremos?
Se não nos é permitido sonhar com uma sociedade cuja Constituição garanta que todos sejam iguais perante a Lei, que pelo menos nos seja lícito exigir que as embalagens não nos façam sofrer tanto. De que serve você brilhar na sua profissão, vencendo um monte de obstáculos, se, do alto de seus saberes, você é derrotado pela caixinha de iogurte, cuja orelha, como a de Van Gogh, você extirpou na tentativa de sorver a delícia descrita em cores vivas no invólucro? Você manda a orelhinha arrebentada para a filha do fabricante como prova do incontido amor que você tem pela empresa?

Meu Deus, nossa primeira embalagem, a placenta que nos embrulhou na vinda para cá, já não era lá essas coisas. Talvez seja para compensar que enfeitemos tanto os mortos. Que o caixão, nosso derradeiro pacote, que nos levará deste para o outro mundo, sobre o qual temos muita curiosidade mas nenhuma pressa de ir, resista àqueles últimos amigos que nos haverão de carregar para a nossa última morada e também nosso último cacófato.
Já pensou se o fundo desprega e você cai no meio do corredorzinho do cemitério ou diante do altar, onde sua alma acabou de ser encomendada? O velho São Pedro, experiente, ranzinza e com estabilidade no emprego há quase dois milênios, aceitará a encomenda em embalagem assim esculhambada?

• Escritor e professor, Deonísio da Silva é Coordenador Geral de Letras e um dos Vice-reitores da Universidade Estácio de Sá. É autor de 33 livros, alguns deles publicados também em outros países e membro da Academia Brasileira de Filologia.