Os aiatolás do idioma insistem na vigarice lucrativa e levam mais um troco do escritor Deonísio da Silva
A Ação Educativa, irmandade que congrega a turma que acha que falar errado está certo, divulgou uma Nota Pública em que agradece “o apoio da comunidade científica e dos especialistas no ensino da língua” ao livro “Por uma vida melhor”, também conhecido como “Nós pega o peixe”. Ainda grogues com a vigorosa reação dos brasileiros sensatos, os aiatolás do idioma resolveram fazer de conta que ganharam a briga para não perder o acesso aos cofres do MEC, que publica essas lucrativas vigarices com o patrocínio involuntário dos que pagam impostos. Vejam a nota que viola o artigo 171 do Código Penal. E leiam em seguida outro merecidíssimo corretivo aplicado pelo escritor e professor Deonísio da Silva. Assim será até que a turma que deseduca aprenda que o dever de um professor é ensinar. (AN)
NOTA PÚBLICA
Alguns dias depois do início da polêmica em torno de uma frase retirada da obra “Por uma vida melhor”, o debate ganha argumentos mais qualificados na imprensa. Autores como Marcos Bagno (UnB), Sírio Possenti (Unicamp), Carlos Alberto Faraco (UFPR), Magda Soares Becker (UFMG) e tantos outros vieram a público se posicionar sobre a polêmica, que classificaram como “falsa” e “vazia”.
Com exceção de alguns que insistem em insinuar que o livro “ensina errado”, parece ter ficado claro à opinião pública que o objetivo da obra é ensinar a norma culta, sim, mas a partir da consideração de variantes populares do idioma que o adulto traz consigo ao chegar à escola. Em outras palavras, o livro mostra a frase “Nós pega” para, em seguida, ensinar a forma “Nós pegamos”. Infelizmente, ao pinçar apenas a primeira parte, a notícia publicada em um blog de política do IG e reproduzida por outros veículos não trazia elementos de contextualização a seus leitores.
Lamentamos a postura de alguns parlamentares que se apropriaram da discussão de maneira superficial e usam o episódio para atacar opositores e criar novas falsas polêmicas. Como corretamente publicou a Folha de S. Paulo (18/5), o livro segue as normas dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), vigentes desde 1997.
Sabemos que o debate público é fundamental para promover a qualidade e equidade na educação, e reafirmamos nossa disposição em participar de toda discussão nesses termos.
RESPOSTA DE DEONÍSIO DA SILVA
1) No ensino fundamental e médio há a disciplina Linguística? Não! Os professores são pagos para ensinar Português!
2) Vamos conceder, apenas para argumentar, que o livro em questão ensine Linguística. Por que o MEC deveria comprar cerca de 500 000 exemplares desse título para distribuir em todas as escolas do ensino fundamental e médio? Linguística é matéria dos Cursos de Letras!
3) Muitos dos professores que defendem esses crimes de lesa-língua estão apavorados com a reação da sociedade. Para defender o que defendem, ganham bolsas de CNPQ, do CNPQ do B, de outras financiadoras de projetos etc. Enfim, para tudo há dinheiro público, nossa carga tributária é inversamente proporcional às posições do Brasil nas classificações de educação e cultura: os tributos estão lá em cima, os serviços prestados, lá embaixo!
4) Esses professores são dispensados de trabalhos nas universidades, onde deveriam dar mais aulas, justamente para “pesquisar” isso! Se só fazem isso, ganham muito mais do que valem! Se depois de tantos anos chegaram ao português de analfabetos, o que fizeram esses anos todos? Pesquisa? Bem, decerto não é à toa que até Stálin meteu-se com Linguística e ensino de russo! Sim, o Stálin é autor de um livro de Linguistica! Por que ignoram na bibliografia o colega? Medo? De quê? O Céline é fascista, eu abomino o fascismo, qualquer fascismo, mas a-do-ro os romances dele!
5) Há uma questão de fundo na qual, ao que saiba, ninguém tocou. Ou, se tocou, não li os artigos. Eles querem falar mal de Fernando Henrique Cardoso, que escreve melhor do que eles. Uma vez, FHC escorregou num “propiamente” e eles caíram de pau, mas Lula pode tudo, é um 007 que tem licença para matar a pauladas a língua portuguesa, a lógica, a coerência, a coesão, o estilo, o bom gosto etc, onde quer que os encontre! E quando o apedeuta fala, para muitos deles, como a célebre doutora, tudo se ilumina!
6) Por que defendem uma língua que não usam? Ascenderam socialmente com a língua que defendem? Não! Por que negam o mesmo direito aos outros? Machado – preto, pobre, epiléptico, gago etc – venceu todos os preconceitos, menos o de quem ainda não leu o gênio! Um dia desses o Moacir Japiassu demonstrou que um deles confundiu OC I, 1093, indicando a Obra Completa (de Machado de Assis), com um texto de Osório Cochat, e estranhou a falta de intimidade do professor com Machado de Assis e sua inabilidade ou pressa em consultar bibliografias.
7) É raro um professor vir a público para reforçar a norma culta. É mais frequente que venha para espinafrar quem defenda os bons costumes na língua e para justificar que cada um deve escrever como lhe apraz, seja canela ou sassafrás. Mas não praticaram as transgressões gramaticais que tanto defendem para obter seus títulos e serem aprovados em provas e entrevistas que os qualificaram para ensinar em escolas e universidades, do contrário teriam sido reprovados.
8 ) Há uma sede do público por aprender língua portuguesa. Não é por acaso que grandes jornais e grandes empresas procuram ter em seus quadros referências solares da técnica e da arte de escrever. Profissionais como Sérgio Nogueira no sistema Globo; Pasquale Cipro Neto, na Folha de S.Paulo; Cláudio Moreno, no jornal Zero Hora; Dad Squarisi, no Correio Braziliense. Português é difícil? Dad Squarisi nasceu no Líbano e hoje ensina os brasileiros a escrever: sua coluna “Dicas de Português” é publicada em 15 jornais.
Enfim, se há quem se esmere tanto em cuidar, isso é sintoma de que escolas e universidades estão falhando em outra técnica e em outra arte: a de ensinar. É por isso também que muitos jovens inteligentes abandonam os professores no meio do caminho e desistem dos cursos que faziam e vão trabalhar ou aprender em outro lugar, pois têm mais o que fazer do que ouvir besteiras!
NOME DE POBRE NO BRASIL
segunda-feira, 23 de maio de 2011
O ENSINO DE PORTUGUÊS NA BERLINDA
De Edmar Bacha (67 anos), ex-presidente do BNDES, um dos pais do Plano Real e criador da expressão "Belíndia" para designar a sociedade brasileira, grande economista que hoje curte a bucólica Fazenda do Pinhal, onde começou o município de São Carlos (SP), que tem um PhD para 250 habitantes, deixando Genebra em segundo lugar no mundo nesse quesito, citado na coluna de Ancelmo Gois (O Globo, 16/5):
"Agora que o MEC achou solução para nossa incapacidade de alfabetizar os brasileiros, ao apontar o errado como certo, tem gaiato sugerindo a Guido Mantega baixar uma MP para revogar a lei da oferta e da procura para baixar a inflação sem afetar o crescimento. Com todo o respeito..."
Perguntinha básica para o MEC, mais uma vez centro dessa polêmica que revela o rebaixamento de seus quadros, em sua maioria ali chegados por indicação partidária, e não por mérito: se os alunos podem continuar a falar e a escrever "os livro", "nós vai" etc., o que é que eles e os professores estão fazendo na escola?
O Globo repercutiu a polêmica na segunda-feira (16/5) em primeira página, informando que 485.000 alunos receberam o livro que está no centro de mais um debate que revela coisas ainda mais sombrias, como a tiragem do volume. Isto é, com o dinheiro do contribuinte foram pagas comissões que escolheram mal uma bibliografia estratégica, como a de Língua Portuguesa, com a qual se ensinam todas as outras disciplinas, e levaram a questão ao Jornal Nacional e a toda a mídia.
Deveríamos todos ter sido alunos dessa professora, autora do livro Por uma vida melhor, que integra uma coleção chamada "Viver, Aprender", e foi adotado pelo Ministério da Educação? Ou temos que respeitar quem pensa diferentemente dela, ao lado de professores como Sérgio Nogueira, Cláudio Moreno e Evanildo Bechara, entre outros?
Sólida formação humanista
Contendo o espanto, e talvez a desesperança do alto de seus 83 anos, Bechara, autor de dicionário e gramática, nomeado autoridade suprema do Acordo Ortográfico pela Academia Brasileira de Letras, que ainda apresenta programas de Língua Portuguesa em rádios e escreve colunas em jornais, disse:
"O aluno não vai para a escola para aprender ‘nós pega o peixe’. Isso ele já diz de casa, já é aquilo que nós chamamos de língua familiar, a língua do contexto doméstico. O grande problema é uma confusão que se faz, e que o livro também faz, entre a tarefa de um cientista, de um linguista e a tarefa de um professor de português."
E acrescentou:
"No meu tempo de aluno, nós tínhamos apenas dois livros: durante quatro, cinco anos, tínhamos a mesma antologia e a mesma gramática. Mas, embora os professores não tivessem tirado o proveito das universidades, eles levavam para a escola uma cultura geral muito boa. E era essa cultura geral do professor de matemática, de física, de química, de português, o grande atrativo para o aluno. Mas o professor que se limita ao programa estabelecido pelo livro didático é um professor que é conduzido, é um professor que não tem conhecimento suficiente para sair dos trilhos oferecidos pelo livro didático."
A polêmica, e principalmente as intervenções do professor Bechara, fizeram brotar neste colunista um pedaço de memorial, que já deu as caras em meu romance Teresa D’Ávila, cuja primeira parte se passa num seminário, onde o estudo era levado muito, mas muito a sério, como na maioria das escolas de então, principalmente as públicas.
Depois de sucessivas reformas, o ensino fundamental e médio apresenta um quadro complicado. Onde foi que erramos tanto e como é possível consertar o estrago? Avanços houve, ninguém pode negá-los, mas há desarrumações por todos os lados e em todas as séries.
E como era antes? Os saudosistas dizem que a escola era melhor. Era, mas não em todas as áreas. Muitos alunos terminavam o curso científico – que era opção ao clássico, depois do ginásio – sem nunca terem visto um laboratório. Em compensação, ninguém chegava ali sem uma sólida formação humanista.
Linha de passe
É verdade que havia também alguns exageros. Nas provas de Geografia, era exigido dos alunos que decorassem os nomes dos afluentes do rio Amazonas pela margem direita e pela margem esquerda. Várias pessoas ainda hoje sabem isso de cor, mas ignoram para que serve tal conhecimento. E já houve a saudável controvérsia se o maior rio do mundo é o Amazonas, o Nilo ou o Mississipi. Daqui a pouco corremos o risco de saber que é algum rio da China...
Um dia, esses antigos alunos foram meninas ou meninos que quebraram a cabeça para saber o que era pororoca (quando o Amazonas se encontrava com o mar, acho que ainda se encontra, mas não nos interessa mais...) e para responder se os rios Javari, Juruá, Purus, Madeira, Tapajós e Xingu chegavam ao rio mais caudaloso do mundo pela esquerda ou pela direita. Içá, Japuru, Negro, Trombetas, Paru e Jari chegavam pelo outro lado, mas qual era a margem correta?
Mais fácil era saber a seleção brasileira, com jogadores do Botafogo e do Santos mesclados de alguns poucos de outros times. Por que não levavam logo a linha do Botafogo, que jamais fez feio na seleção, como no bicampeonato de 1962, com Garrincha, Didi, Vavá, Amarildo e Zagalo? Menino ainda, tive que ouvir de outro botafoguense o seguinte: "Teria sido melhor levar o ataque do Botafogo todo, com o Quarentinha, o Vavá está velho, haveria maior entrosamento, mas, sabe como é, era preciso contentar o Vasco". "E o Santos, o Palmeiras e o Bangu", acrescentava outro, "ou você acha que convocaram o Zózimo por quê?" Zózimo era um dos melhores zagueiros do mundo, mas somente dele exigíamos explicação.
Iracema piauiense
Saber disso não nos impedia de decorar trechos inteiros de Camões, começados por "As armas e os barões assinalados/ Que da ocidental praia lusitana/ Por mares nunca dantes navegados..." Cada estrofe tinha oito versos e o objeto direto da oração principal estava no primeiro verso da primeira estrofe, enquanto o sujeito o aguardava no penúltimo da segunda estrofe, disfarçado ao lado de um gerúndio: "(cantando) espalharei por toda parte".
Tínhamos certas técnicas. Espetar o sujeito e sair à cata dos objetos diretos, indiretos, adjuntos nominais, adjuntos adverbiais etc. Tinham valor aqueles exercícios? Tinham. Aprendíamos lógica, sintaxe, complexos plurais e gêneros, história antiga, astronomia, geografia. E aprendíamos a estudar. Aprendíamos que o melhor método era a relação bunda-cadeira-hora, sem a qual nada se aprende.
Em Geografia, tropeçava Castro Alves, poeta de nossa preferência, que fazia famosos rios atravessarem o Saara e situava Angola bem no meio do deserto! Mas escrevia bonito e fizera mais pela Abolição do que todos os que sabiam geografia! "Andrada! Arranca este pendão dos ares!/ Colombo! Fecha a porta de teus mares!" E havia ainda Machado de Assis: "Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis". Até aqui, fácil, mas depois vinha o vocabulário. Gatuno, sabíamos o que era, mas peralta, pelintra, aluá, seguidilha e regaço, o que eram? Machado não era o mais difícil. Vinha Gonçalves Dias, cujos versos, de tão belos, tinham ido parar no Hino Nacional: "Nossos bosques têm mais vida", "nossa vida no teu seio mais amores". Wilson, de todos nós o mais lido, explicava: "No teu solo eles botaram depois".
Depois era a vez de José de Alencar: "Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira." E ainda tivemos que ouvir no recreio, em irrepreensível lógica, que, como o romance se passava no Ceará e Iracema nascera "além daquela serra, que ainda azula no horizonte", e depois do horizonte vinha outro estado da federação, Iracema nascera no Piauí. Portanto, "a virgem dos lábios de mel" era piauiense!
Nem literatura nem mulher
E ainda nem tínhamos ouvido falar de Euclides da Cunha. Para nos humilhar, um dos padres-professores leria um trecho de artigo de jornal – e ele sublinhava "de jornal!" como coisa menor, já que o melhor daquele autor estava nos livros. "Publicado em 1904!", ele acrescentava, "quando os leitores ao menos sabiam sinônimos!" Depois dessas advertências repletas de exclamações, vinha o trecho:
"Li há tempos alentada dissertação sobre um singularíssimo direito expresso em velhas leis consuetudinárias da Borgonha. Direito de roubo... Recordo-me que, surpreendido com tal antinomia, tão revolucionária, sobretudo para aquela época, ainda mais alarmado fiquei notando que a patrocinava o maior dos teólogos, S. Tomás de Aquino."
Concluía: "Esta é a primeira das questões dos deveres para casa, vamos à segunda..." O jeito era dividir a tarefa em grupos: quem ficaria com os sinônimos de alentada, dissertação, consuetudinárias, antinomia, alarmado. E Borgonha, onde ficava Borgonha? Quem tinha sido Tomás de Aquino?
E ainda não tínhamos chegado ao Armagedon de Os Sertões, quando até os primeiros da classe se achariam analfabetos completos diante do estilo e das palavras do autor que tinha sido morto pelo amante da própria mulher. Um dos nossos foi ainda mais catastrófico: "Já pensou se ele sobrevivesse? Morreu aos 43 anos e já escrevia assim! Aos sessenta, usaria todo o dicionário e mais um pouco. Bom, dele só sei que nasceu em Cantagalo e morreu no Rio."
Coitado daquele colega. Não gostava de literatura nem de mulher. E não pôde esperar o voto do STF consagrando o que ele mais praticava, a homoafetividade que naqueles tempos tinha sua designação resumida ao nome de um animalzinho muito querido, o Bambi, que ainda não saltitava nas savanas do Discovery, apenas nos quadrinhos de Walt Disney.
"A vergonha de ser honesto"
Mas escapou de ouvir em rede nacional que não é preciso estudar nada, muito menos Língua Portuguesa, sem a qual não aprendemos nenhuma outra matéria, pois todas são ensinadas em português.
Paulo Rónai, judeu-húngaro, que se perdeu de amores pelo Brasil e pela língua portuguesa, esmerou-se em estudar e ensinar latim depois que descobriu ser o português filho do latim. E deixou-nos essa preciosidade que é o livro Não perca o seu latim, explicando, não apenas com dezenas, mas com centenas de provérbios, ditados, máximas, lemas, divisas, inscrições, epitáfios, locuções etc., como o latim está presente, não apenas nos livros de português, mas na vida brasileira. O lema do município de São Paulo, por exemplo, é Duco, non ducor (Conduzo, não sou conduzido).
É oportuno lembrar também que pacta sunt servanda (os contratos devem ser cumpridos). Que o contribuinte contrata professores para cuidar do ensino, não para rebaixá-lo desse modo. E se para o MEC vale tudo, até o português errado, então para que atormentar os alunos com tantos exames? Enem, Enade, vestibulares, concursos para funcionários e professores etc. foram instituídos para quê? Para humilhar os jovens, sobretudo os mais pobres, cujos pais não podem pagar por boas escolas, e cujas respostas e redações, depois de corrigidas, servem de pasto às maledicências que depois são disseminadas na internet?
O tempora! O mores! (Oh! tempos! Oh! costumes!), exclamava Cícero, pai dos oradores em todo mundo, um século antes de Cristo.
Pois é. Os tempos e os costumes brasileiros nos levaram a esses descalabros, mas convém olhar todo o panorama. A polêmica, conquanto incendiária, dá conta de apenas um aspecto de nosso fracasso educacional. Muitos outros temas e problemas continuam encobertos e é por isso que é estratégico dar um jeito de controlar a mídia, do contrário vamos acabar sabendo de tudo! E ficaremos ainda mais espantados!
Concluamos com Rui Barbosa:
"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto."
"Agora que o MEC achou solução para nossa incapacidade de alfabetizar os brasileiros, ao apontar o errado como certo, tem gaiato sugerindo a Guido Mantega baixar uma MP para revogar a lei da oferta e da procura para baixar a inflação sem afetar o crescimento. Com todo o respeito..."
Perguntinha básica para o MEC, mais uma vez centro dessa polêmica que revela o rebaixamento de seus quadros, em sua maioria ali chegados por indicação partidária, e não por mérito: se os alunos podem continuar a falar e a escrever "os livro", "nós vai" etc., o que é que eles e os professores estão fazendo na escola?
O Globo repercutiu a polêmica na segunda-feira (16/5) em primeira página, informando que 485.000 alunos receberam o livro que está no centro de mais um debate que revela coisas ainda mais sombrias, como a tiragem do volume. Isto é, com o dinheiro do contribuinte foram pagas comissões que escolheram mal uma bibliografia estratégica, como a de Língua Portuguesa, com a qual se ensinam todas as outras disciplinas, e levaram a questão ao Jornal Nacional e a toda a mídia.
Deveríamos todos ter sido alunos dessa professora, autora do livro Por uma vida melhor, que integra uma coleção chamada "Viver, Aprender", e foi adotado pelo Ministério da Educação? Ou temos que respeitar quem pensa diferentemente dela, ao lado de professores como Sérgio Nogueira, Cláudio Moreno e Evanildo Bechara, entre outros?
Sólida formação humanista
Contendo o espanto, e talvez a desesperança do alto de seus 83 anos, Bechara, autor de dicionário e gramática, nomeado autoridade suprema do Acordo Ortográfico pela Academia Brasileira de Letras, que ainda apresenta programas de Língua Portuguesa em rádios e escreve colunas em jornais, disse:
"O aluno não vai para a escola para aprender ‘nós pega o peixe’. Isso ele já diz de casa, já é aquilo que nós chamamos de língua familiar, a língua do contexto doméstico. O grande problema é uma confusão que se faz, e que o livro também faz, entre a tarefa de um cientista, de um linguista e a tarefa de um professor de português."
E acrescentou:
"No meu tempo de aluno, nós tínhamos apenas dois livros: durante quatro, cinco anos, tínhamos a mesma antologia e a mesma gramática. Mas, embora os professores não tivessem tirado o proveito das universidades, eles levavam para a escola uma cultura geral muito boa. E era essa cultura geral do professor de matemática, de física, de química, de português, o grande atrativo para o aluno. Mas o professor que se limita ao programa estabelecido pelo livro didático é um professor que é conduzido, é um professor que não tem conhecimento suficiente para sair dos trilhos oferecidos pelo livro didático."
A polêmica, e principalmente as intervenções do professor Bechara, fizeram brotar neste colunista um pedaço de memorial, que já deu as caras em meu romance Teresa D’Ávila, cuja primeira parte se passa num seminário, onde o estudo era levado muito, mas muito a sério, como na maioria das escolas de então, principalmente as públicas.
Depois de sucessivas reformas, o ensino fundamental e médio apresenta um quadro complicado. Onde foi que erramos tanto e como é possível consertar o estrago? Avanços houve, ninguém pode negá-los, mas há desarrumações por todos os lados e em todas as séries.
E como era antes? Os saudosistas dizem que a escola era melhor. Era, mas não em todas as áreas. Muitos alunos terminavam o curso científico – que era opção ao clássico, depois do ginásio – sem nunca terem visto um laboratório. Em compensação, ninguém chegava ali sem uma sólida formação humanista.
Linha de passe
É verdade que havia também alguns exageros. Nas provas de Geografia, era exigido dos alunos que decorassem os nomes dos afluentes do rio Amazonas pela margem direita e pela margem esquerda. Várias pessoas ainda hoje sabem isso de cor, mas ignoram para que serve tal conhecimento. E já houve a saudável controvérsia se o maior rio do mundo é o Amazonas, o Nilo ou o Mississipi. Daqui a pouco corremos o risco de saber que é algum rio da China...
Um dia, esses antigos alunos foram meninas ou meninos que quebraram a cabeça para saber o que era pororoca (quando o Amazonas se encontrava com o mar, acho que ainda se encontra, mas não nos interessa mais...) e para responder se os rios Javari, Juruá, Purus, Madeira, Tapajós e Xingu chegavam ao rio mais caudaloso do mundo pela esquerda ou pela direita. Içá, Japuru, Negro, Trombetas, Paru e Jari chegavam pelo outro lado, mas qual era a margem correta?
Mais fácil era saber a seleção brasileira, com jogadores do Botafogo e do Santos mesclados de alguns poucos de outros times. Por que não levavam logo a linha do Botafogo, que jamais fez feio na seleção, como no bicampeonato de 1962, com Garrincha, Didi, Vavá, Amarildo e Zagalo? Menino ainda, tive que ouvir de outro botafoguense o seguinte: "Teria sido melhor levar o ataque do Botafogo todo, com o Quarentinha, o Vavá está velho, haveria maior entrosamento, mas, sabe como é, era preciso contentar o Vasco". "E o Santos, o Palmeiras e o Bangu", acrescentava outro, "ou você acha que convocaram o Zózimo por quê?" Zózimo era um dos melhores zagueiros do mundo, mas somente dele exigíamos explicação.
Iracema piauiense
Saber disso não nos impedia de decorar trechos inteiros de Camões, começados por "As armas e os barões assinalados/ Que da ocidental praia lusitana/ Por mares nunca dantes navegados..." Cada estrofe tinha oito versos e o objeto direto da oração principal estava no primeiro verso da primeira estrofe, enquanto o sujeito o aguardava no penúltimo da segunda estrofe, disfarçado ao lado de um gerúndio: "(cantando) espalharei por toda parte".
Tínhamos certas técnicas. Espetar o sujeito e sair à cata dos objetos diretos, indiretos, adjuntos nominais, adjuntos adverbiais etc. Tinham valor aqueles exercícios? Tinham. Aprendíamos lógica, sintaxe, complexos plurais e gêneros, história antiga, astronomia, geografia. E aprendíamos a estudar. Aprendíamos que o melhor método era a relação bunda-cadeira-hora, sem a qual nada se aprende.
Em Geografia, tropeçava Castro Alves, poeta de nossa preferência, que fazia famosos rios atravessarem o Saara e situava Angola bem no meio do deserto! Mas escrevia bonito e fizera mais pela Abolição do que todos os que sabiam geografia! "Andrada! Arranca este pendão dos ares!/ Colombo! Fecha a porta de teus mares!" E havia ainda Machado de Assis: "Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis". Até aqui, fácil, mas depois vinha o vocabulário. Gatuno, sabíamos o que era, mas peralta, pelintra, aluá, seguidilha e regaço, o que eram? Machado não era o mais difícil. Vinha Gonçalves Dias, cujos versos, de tão belos, tinham ido parar no Hino Nacional: "Nossos bosques têm mais vida", "nossa vida no teu seio mais amores". Wilson, de todos nós o mais lido, explicava: "No teu solo eles botaram depois".
Depois era a vez de José de Alencar: "Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira." E ainda tivemos que ouvir no recreio, em irrepreensível lógica, que, como o romance se passava no Ceará e Iracema nascera "além daquela serra, que ainda azula no horizonte", e depois do horizonte vinha outro estado da federação, Iracema nascera no Piauí. Portanto, "a virgem dos lábios de mel" era piauiense!
Nem literatura nem mulher
E ainda nem tínhamos ouvido falar de Euclides da Cunha. Para nos humilhar, um dos padres-professores leria um trecho de artigo de jornal – e ele sublinhava "de jornal!" como coisa menor, já que o melhor daquele autor estava nos livros. "Publicado em 1904!", ele acrescentava, "quando os leitores ao menos sabiam sinônimos!" Depois dessas advertências repletas de exclamações, vinha o trecho:
"Li há tempos alentada dissertação sobre um singularíssimo direito expresso em velhas leis consuetudinárias da Borgonha. Direito de roubo... Recordo-me que, surpreendido com tal antinomia, tão revolucionária, sobretudo para aquela época, ainda mais alarmado fiquei notando que a patrocinava o maior dos teólogos, S. Tomás de Aquino."
Concluía: "Esta é a primeira das questões dos deveres para casa, vamos à segunda..." O jeito era dividir a tarefa em grupos: quem ficaria com os sinônimos de alentada, dissertação, consuetudinárias, antinomia, alarmado. E Borgonha, onde ficava Borgonha? Quem tinha sido Tomás de Aquino?
E ainda não tínhamos chegado ao Armagedon de Os Sertões, quando até os primeiros da classe se achariam analfabetos completos diante do estilo e das palavras do autor que tinha sido morto pelo amante da própria mulher. Um dos nossos foi ainda mais catastrófico: "Já pensou se ele sobrevivesse? Morreu aos 43 anos e já escrevia assim! Aos sessenta, usaria todo o dicionário e mais um pouco. Bom, dele só sei que nasceu em Cantagalo e morreu no Rio."
Coitado daquele colega. Não gostava de literatura nem de mulher. E não pôde esperar o voto do STF consagrando o que ele mais praticava, a homoafetividade que naqueles tempos tinha sua designação resumida ao nome de um animalzinho muito querido, o Bambi, que ainda não saltitava nas savanas do Discovery, apenas nos quadrinhos de Walt Disney.
"A vergonha de ser honesto"
Mas escapou de ouvir em rede nacional que não é preciso estudar nada, muito menos Língua Portuguesa, sem a qual não aprendemos nenhuma outra matéria, pois todas são ensinadas em português.
Paulo Rónai, judeu-húngaro, que se perdeu de amores pelo Brasil e pela língua portuguesa, esmerou-se em estudar e ensinar latim depois que descobriu ser o português filho do latim. E deixou-nos essa preciosidade que é o livro Não perca o seu latim, explicando, não apenas com dezenas, mas com centenas de provérbios, ditados, máximas, lemas, divisas, inscrições, epitáfios, locuções etc., como o latim está presente, não apenas nos livros de português, mas na vida brasileira. O lema do município de São Paulo, por exemplo, é Duco, non ducor (Conduzo, não sou conduzido).
É oportuno lembrar também que pacta sunt servanda (os contratos devem ser cumpridos). Que o contribuinte contrata professores para cuidar do ensino, não para rebaixá-lo desse modo. E se para o MEC vale tudo, até o português errado, então para que atormentar os alunos com tantos exames? Enem, Enade, vestibulares, concursos para funcionários e professores etc. foram instituídos para quê? Para humilhar os jovens, sobretudo os mais pobres, cujos pais não podem pagar por boas escolas, e cujas respostas e redações, depois de corrigidas, servem de pasto às maledicências que depois são disseminadas na internet?
O tempora! O mores! (Oh! tempos! Oh! costumes!), exclamava Cícero, pai dos oradores em todo mundo, um século antes de Cristo.
Pois é. Os tempos e os costumes brasileiros nos levaram a esses descalabros, mas convém olhar todo o panorama. A polêmica, conquanto incendiária, dá conta de apenas um aspecto de nosso fracasso educacional. Muitos outros temas e problemas continuam encobertos e é por isso que é estratégico dar um jeito de controlar a mídia, do contrário vamos acabar sabendo de tudo! E ficaremos ainda mais espantados!
Concluamos com Rui Barbosa:
"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto."
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