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domingo, 21 de dezembro de 2014

O QUARTO REI MAGO

O QUARTO REI MAGO DEONÍSIO DA SILVA º Para Arlinda Volpato, artista plástica Recente manuscrito, encontrado em cavernas próximas de Quram, na região do Mar Morto, traz novas e surpreendentes informações sobre a vida de Jesus. A começar pelo título, que, diferentemente dos anteriores, aparece em letras grandes, encimando a narrativa, e não se chama Evangelho de Fulano, Beltrano, Sicrano ou Outro, mas simplesmente A Vida do Menino Jesus.
Escrito em sânscrito e de autoria feminina, é obra de uma donzela vinda da Índia, acompanhando Jesus, que lá esteve dos doze aos trinta anos, isto é, desde o episódio em que se perde propositalmente dos pais na visita ao templo de Jerusalém, quando então desaparece de todas as narrativas, até sua volta para a Galileia, onde começa a pregar, aos trinta anos. Um dos parágrafos mais desconcertantes é a visita dos magos ao menino, narrada até agora exclusivamente pelo Evangelho de Mateus, uma vez que todos os outros evangelistas o ignoravam ou o omitiram, por razões que desconhecemos. Afinal, os textos sobre o que se entende por A Vida de Jesus, isto é, sua biografia, principalmente os quatro canônicos ou oficiais, mais do que os apócrifos, estão repletos de insólitas contradições, de complexas sutilezas e de mistérios mirabolantes que já duram mais de dois milênios. Mas o que diz Mateus neste parágrafo que todos os outros omitiram? Não sabemos. O original perdeu-se e talvez um dia seja encontrado em outra caverna, preservado por bibliotecário ou bibliotecária anônima – sabemos que mulheres gostam muito de guardar tudo, começando por guardar o sêmen que recolhem dos homens para gerar outros homens, do contrário a espécie desapareceria. Guardar é, pois, prosseguir. Esta é a concepção que elas têm da vida. O que sabíamos da visita dos magos até agora estava exclusivamente nas traduções do texto de Mateus, que fez uma longa viagem, cheia de escalas em muitos portos e portas, fossem de entrada, fossem de saída. Partiu do aramaico, passou pelo hebraico, pelo grego, pelo latim e dali seguiu para muitas outras línguas, incluindo o português, trazido da Europa para o Brasil pelos primeiros navegadores que aqui aportaram entre os séculos XV e XVI. Diz Mateus em alguns poucos versículos do capítulo dois que “nascido Jesus em Belém da Judeia nos dias do rei Herodes, magos vieram do Oriente a Jerusalém para adorá-lo”. Mateus não disse que eram três, nem que eram reis. Não disse também o que nos informa Pradusta – só sabemos o nome da autora no final, pois ela data e assina o documento -, que entre os magos havia uma mulher chamada Asherath, que também estava grávida, e que não trouxe nem ouro, nem incenso, nem mirra, mas um jarro com água fresca. Mulher é assim: pode dar atenção a metais, unguentos e essências que melhorem o ambiente, mas jamais se esquece do essencial. Terminada a adoração, Pradusta diz que os outros magos deixaram a gruta, mas Asherath, não! Ficou conversando mais um pouquinho com o casal e com o menino. Entre as revelações surpreendentes estão estas: José e o menino também falaram. Sabemos que nenhuma criança nasce falando, língua é preciso aprendê-la, qualquer que seja ela, e que José jamais disse coisa alguma em nenhum dos evangelhos. Ele apenas faz o que é necessário para proteger e criar o menino. Desconfia, mas faz. Desconfia que não é o pai do menino, mas fica com Maria, por conselho recebido de um anjo em sonhos. Desconfia que Herodes quer matar o menino e, a conselho do mesmo anjo, de novo em sonhos, foge com a sagrada família para o Egito. Na História da Salvação, foi necessário que José morresse antes do Filho, do contrário teria impedido que ele fosse crucificado. O manuscrito está incompleto, mas vai fazer uma reviravolta na biografia de Jesus. Um comentarista já escreveu que o baralho foi o primeiro documento a reconhecer Asherath na rainha, mas Carlos Magno determinou que ela fosse representada no coringa. O manuscrito continua em exames, pois, sendo apócrifo, pode ser falso. (xx) º Da Academia Brasileira de Filologia, é escritor e professor. Seus livros mais recentes são De onde vêm as palavras (17ª edição) e o romance Lotte & Zweig, já publicado também em outros países.

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